Artigo
Ainda sobre o blended learning no Ensino Superior
Ampliação do tempo e diluição do espaço: Best of Both Worlds?
iscap.ipp.pt
Resumo
Reconhecendo a impermanência e a transitoriedade dos valores societais contemporâneos no que à educação diz respeito e a igual impermanência e transitoriedade do conhecimento associado às tecnologias, perguntar-se-á: valerá a pena o exercício de compreender o que está por detrás de buzzwords que representam conceitos difusos do cenário educativo do Ensino Superior?
Num estudo anterior (Fernandes, 2015), defendemos que a análise de conceitos e a construção de definições que estabilizem o seu significado são tarefas de base linguística e terminológica fundamentais à consolidação de qualquer domínio do conhecimento e, como tal, um exercício que vale a pena. Em particular, o trabalho em torno da compreensão e delimitação conceptual através da representação linguística justifica-se quando um domínio não se encontra ainda claramente cartografado.
Nas duas últimas décadas, o conceito de blended learning assumiu um forte protagonismo no panorama do Ensino Superior Português, directamente decorrente do processo transformativo que levou as instituições a definirem que cenários educativos passariam a oferecer à sociedade em rede. A nível internacional, os cenários e os estádios de evolução diacrónica deste processo tomaram ritmos e contornos próprios, sendo a realidade norte-america claramente distinta da europeia e tendo qualquer das duas um carácter multiforme (Norberg & Jahke, 2014, p. 251). Não obstante, foi possível identificar um denominador comum. O movimento em direcção à incorporação tecnológica no Ensino Superior foi perpassado de fortes motivações político-económicas impulsionadas pela necessidade de extensão do capitalismo a uma cultura digital sustentada no conhecimento.
Apesar de qualquer inovação ameaça[r] o equilíbrio da organização existente (McLuhan, 1963, p. 281), o Ensino Superior Português respondeu positivamente à necessidade de mudar, apresentando iniciativas reformadoras que propuseram novos esquemas de funcionamento (Monteiro & Moreira, 2013, p. 33). Do ponto de vista institucional, o desenho pedagógico da oferta educativa e formativa passou a ser multidimensional e flexível, albergando formalmente uma diversidade de formatos. Foi neste espaço que progressivamente se afirmou o conceito de blended learning,
Mas, afinal, de que falamos quando designamos um modelo de ensino e aprendizagem blended learning? E que atributos pretendemos salientar quando optamos por essa designação? Nesta reflexão, consideraremos um conjunto de argumentos diacrónicos que permitem uma compreensão aturada do conceito e que fundamentaram nossa proposta de definição.
- Um olhar retrospectivo
No cenário pós-Bolonha, a flexibilidade espácio-temporal e a flexibilização da aprendizagem passaram a estar plasmadas nos planos curriculares, através do desdobramento da sua estrutura por unidades de crédito que se baseiam não só nas horas de contacto lectivas, mas também na redução dos ciclos de estudo, com consequente diminuição de horas de contacto presencial. Estas alterações convidaram, naturalmente, à busca de alternativas de comunicação pedagógica complementares, mas também à criação de estratégias de contabilização do tempo e do esforço despendido pelo estudante no desempenho da totalidade das tarefas inerentes ao seu processo de aprendizagem. Assim, no que diz respeito à visão da organização curricular que emanou de Bolonha, o incentivo à modelação por via de uma matriz não-linear e não-sequencial reforçou o papel da integração das tecnologias digitais, também potenciada pela alteração dos padrões cognitivos, em larga medida provocada pela hipertextualidade e pela conectividade relacional. Logo, compreende-se que o redesenho dos planos de estudo tenha pendido progressivamente para uma lógica construtivista sustentada na concretização de resultados de aprendizagem e no alinhamento de objectivos (Peres, 2011, p. 8).
O conceito de blended learning não é, todavia, um produto Europeu. Emergiu no contexto empresarial norte-americano, entre os anos de 1999 e 2000, explicitamente associado às palavras necessidade e solução, que foram, nessa etapa, o leitmotiv patente em inúmeras publicações. À data, as práticas pedagógicas de e-learning tinham já alcançado uma maturidade sócio-tecnológica considerável e o blended learning nascia com o rótulo de solução inovadora, linguisticamente descrito como um processo de formação que combina metodologias e práticas do ensino presencial com metodologias e práticas de e-learning. Procurava-se com esta integração maximizar as vantagens de cada um dos modos de formação.
Com efeito, a assunção de existência de uma ligação estreita entre os conceitos de e-learning e de blended learning foi mais tarde reiterada por Sims et al. (2008, p. 24), que entendem o blended learning como uma adaptação do e-learning:
Blended learning is an adaptation of e-learning that has the potential to address the recommendations of training experts. Blended learning is any training course that integrates both formal (lecture/information based) and informal learning opportunities (e.g., instant messaging, interactive activities, learning forums, on-the-job experience) and uses tools or situations (e.g., simulations) that emulate workplace experiences and promote real job objectives.
Mais tarde, Monteiro (2011, p. 75) afirma também que: Quando o processo de e-learning é enriquecido com momentos presenciais, entramos no domínio do b-learning. Na verdade, esta concepção ficou também patente no âmbito de um conjunto de entrevistas exploratórias que realizámos, quando o entrevistado [EE7RC] afirmou que: O b-learning /.../ é bastante simples. Mistura o e-learning com sessões presenciais. (Fernandes, 2015, p. 179).
Um outro aspecto que diacronicamente ressalta da observação discursiva da etapa inicial é um enfoque nas expectativas face ao potencial transformador do blended learning, tanto no contexto da formação empresarial como no contexto do Ensino Superior. Young classificou-o como: the single-greatest unrecognized trend in higher education (2002, p. 33). Pouco tempo depois, Thorne (2003, p. 18), na introdução ao livro Blended learning: How to integrate online & traditional learning, corroborou a percepção de que esta modalidade viria a constituir-se uma tendência dominante no panorama educativo e empresarial do Séc. XXI: /.../ crossing global boundaries and bringing groups of learners together/.../ blended learning could become one of the most significant developments of the 21st century.
À perspectiva de combinação entre uma componente presencial e uma componente a distância sucedem-se outras variáveis. Em 2002, Driscoll perspectivava já quatro tipos de combinatórias possíveis, assumindo que blended learning poderia pressupor: (1) combinar diferentes tecnologias web de forma a alcançar determinado objectivo de aprendizagem (2) combinar diferentes abordagens pedagógicas de forma a melhorar o processo de aprendizagem (3) combinar componentes tecnológicas com aprendizagem presencial (4) combinar diferentes tecnologias com objectivos de formação profissional.
- A flexibilidade da aprendizagem
Nesta etapa de implantação do termo encontram-se também trabalhos de investigação que visaram apurar motivações para enveredar pelo blended learning. Osguthorp & Graham (2003) e Graham, Allen & Ure (2003), identificaram às datas três razões principais: (1) melhorar as pedagogias de ensino e aprendizagem; (2) facilitar o acesso e a flexibilidade das aprendizagens; (3) rentabilizar o investimento financeiro. Na argumentação textual não fica, todavia, claro se estas razões se circunscrevem ao meio empresarial ou se estendem às instituições de Ensino Superior.
Com efeito, a análise de outros artigos académicos aponta fundamentalmente a primeira e a segunda razões. Dessa linha argumentativa são exemplo Garrison & Kanuka (2004), que no artigo Blended Learning: Uncovering its Transformative Potential in Higher Education, salientam o potencial do blended learning para responder aos desafios de promoção de uma aprendizagem aprofundada e significativa naquele grau de ensino e, muito embora reconheçam, desde logo, que tal implica um redesenho do processo de aprendizagem e uma adequação de aspectos administrativos e de liderança, salientam, sobretudo, o facto de ser esta a opção mais consentânea com o contexto social então emergente, ao promover a integração de e-learning e de educação presencial e ao potenciar uma reconceptualização e reorganização significativas da dinâmica dos processos ensino e aprendizagem.
A visão de Bersin (2004, p. 12) quanto às motivações da génese do blended learning manifesta uma perspectiva diferente das até agora descritas. Do seu ponto de vista, o movimento transformador teve como motor não o e-learning, mas na sala de aula (presencial): The origins of blended learning are the simple but powerful desire to extend the classroom “people-centric” experience in space and time.
Neste percurso diacrónico, as vozes dissonantes também se fizeram ouvir. Uma das mais contundentes terá sido de Oliver & Trigwell (2005, p. 21), com a publicação de um texto provocatoriamente intitulado: Can ‘blended learning’ be redeemed? Poder-se-á ler aqui uma crítica severa, radicada no questionamento da coerência teórica e do valor operacional desta modalidade. Tratar-se-ia, no entender dos investigadores, de uma euforia transitória. Sharpe et al. (2006, p. 19) colocam também algumas objecções à consistência teórica, salientando que o termo blended foi bem aceite na comunidade académica, dado seu escopo ser ambíguo e excessivamente aberto. Na perspectiva destes últimos, as instituições académicas e empresariais têm-se apropriado de modo subliminar e indevido de tal vaguidade para legitimar soluções que pressupõem redução do investimento financeiro.
Há, de facto, indícios discursivos desde um primeiro momento (Anderson (2000, p. 1) que não poderão ser ignorados na compreensão geral do conceito. Recorde-se por exemplo a perspectiva já referida de Thorne (2003, p. 16 et passim), que descreve blended learning como uma solução e uma oportunidade sustentada na combinação entre educação presencial (tradicional) e educação online. Muito embora o seu discurso seja discreto, como engloba o contexto empresarial, subentendem-se motivações de redução de custos.
Rovai & Jordan (2004, p. 1 et passim) fazem referência à expressão some conveniences, com toda a ambiguidade que lhe subjaz, podendo tal significar flexibilidade de tempo e espaço para a o estudante, mas apontando também subtilmente para a ideia de redução de custos: Blended learning is a hybrid of classroom and online learning that includes some of the conveniences of online courses without the complete loss of face-to-face contact.
Do nosso ponto de vista, falar em redução de contacto presencial poderá favorecer o reforço de premissas que nada têm a ver com qualidade em educação, mas apenas com a já referida perspectiva economicista, no que respeita ao trabalho o professor e à qualidade da oferta formativa, na óptica do aluno. O blended learning não deverá ser perspectivado como um produto educativo de preço mais baixo.
O Handbook of Blended Learning: Global Perspectives, Local Designs Bonk & Graham, editado em 2006, faculta um retrato muito completo do estado de coisas, neste domínio. Os autores continuam a fazer referência a uma excessiva generalidade do conceito afirmando que se esta prevalecer se torna difícil perceber em que medida precisa o blended learning engloba elementos de inovação e de distinção em relação a outras modalidades que utilizam das tecnologias na educação, bem como identificar de que modo esta opção apresenta um potencial acrescido face aos cenários já existentes (2006, p. 4).
Em todo o caso, a evolução temporal veio comprovar, ainda assim, não se tratar apenas de uma euforia transitória meramente motivada por razões economicistas. Na mesma obra poder-se-á ler o reconhecimento explícito de uma tendência dominante que se alargou a diferentes esferas da vida social, consolidando as expectativas de 2002 e 2003 (Bonk & Graham, 2006, p. 1)
De entre os factores críticos apontados para a afirmação do blended learning, Maguire & Zhang (2007), salientam a inclusão de uma componente presencial, característica que vem posicionar o conceito num patamar mais apetecível, deixando patentes as limitações do modelo de e-learning, pelo facto de este último não proporcionar uma experiência de aprendizagem face-a-face. Também na óptica de Snart (2010: xi), o facto de o blended learning combinar elementos do ambiente de sala de aula tradicional com elementos da educação online faz dele um modelo educacional que congrega - citando um lugar comum no discurso das tecnologias educativas – Best of Both Worlds.
Numa fase cronologicamente ainda embrionária, sobretudo se tivermos em conta a realidade portuguesa (Pimenta, 2003, p. 14), o investigador vaticinara já as transformações que estariam em curso, afirmando que, depois de uma primeira etapa de enfoque na combinação de sessões presenciais com sessões a distância, o blended learning passaria a potenciar o exercício da liberdade pedagógica na procura da combinação que produza melhores resultados.
Bonk & Graham (2006, p. 13) identificam, só mais tarde, três fases, o percurso evolutivo do termo blended learning, sendo que, do seu ponto de vista a primeira etapa corresponde a uma mimetização das experiências de aprendizagem presencial, a segunda incidirá na componente online e só na terceira fase se terá iniciado uma verdadeira modificação da pedagogia:
O trabalho de Monteiro (2011, p. 135), no quadro de um estudo levado a cabo no âmbito das instituições de Ensino Superior Português, dá conta precisamente de evidências empíricas que testemunham a passagem temporal pelos três estádios categorizados por Bonk & Graham (2006). Provavelmente, ainda que em alguns casos assim tenha sucedido, estas três categorias não terão apenas uma sequencialidade diacrónica; acreditamos que existam em simultaneidade, no plano sincrónico do Ensino Superior Pós-Bolonha.
- A percepção minimalista
Considere-se agora a percepção minimalista do conceito, construído a partir de uma dualidade. Será o blended learning uma combinação, alternância ou integração de momentos presenciais e momentos a distância? Analisemos algumas perspectivas. Para Cardoso (2005, p.13), a combinação sustenta-se fundamentalmente na vertente tradicional /presencial com a vertente online. Por sua vez, Kim (2006, p. 1) sustenta-se no mesmo pressuposto de combinação, mas em vez enfatizar a componente face-a-face, dá ênfase à característica da directividade tradicional do professor: Blended learning is known roughly as combining the traditional instructor-led classroom learning and presencial.
Esta é também a convicção de Graham (2006, p. 5), ao explicitar que a combinação radica em technology-based e-learning. A combinação, ou a integração a que os autores fazem referência não é entre a componente presencial/tradicional e o online, mas entre uma componente formal e uma componente informal. Em síntese, parece haver uma convergência de percepções que pode ser sintetizada pela proposta de representação do autor:
Uma outra dimensão que importa aprofundar prende-se com o grau de amplitude que diferentes autores atribuem ao conceito. Barbas (2006, p. 18), confere-lhe um carácter muito vasto ao designá-lo como espaço: /.../ b-learning é um espaço multimodal e flexível de aprender e ensinar em presença e a distância. Gomes (2009, p. 126) opta por modelo de formação: /.../ um modelo de formação de carácter misto, ou seja, englobando componentes de ensino presencial e componentes de ensino a distância. Miranda (2009, p. 21) circunscreve o conceito à sua dimensão organizacional de regime: O b-learning é um regime misto em que parte dos cursos ou da formação é feita em presença e a outra a distância /…/ é uma combinação da instrução online e face-a face.
Peres & Pimenta (2011, p. 15) optaram por enfatizar a ideia de combinação e de mistura como caracterizadora do conceito, deixando em aberto a possibilidade de interpretar o conceito de modo mais ou menos amplo: /.../ combinação obtida pela articulação entre a aprendizagem presencial e a distância caracteriza a denominação de aprendizagem mista, blended learning ou simplesmente b-learning.
- A questão percentual
Ficou pois patente, a partir do levantamento diacrónico das dimensões aparentemente mais perenes e relativas ao evoluir do blended learning, que se existiu um entendimento quanto à estrutura de superfície, a estrutura profunda poderá revelar uma heterogeneidade que constituiu um desafio à ordenação conceptual.
Em função da dualidade presença/distância, torna-se necessário comentar a questão percentual. Um aspecto que merece reflexão é o facto de a abordagem desta dimensão ser sobretudo patente em textos de autoria colectiva e com implicações institucionais, como é caso de relatórios de progresso e de relatórios recomendativos.
Como é sintetizado pela representação esquemática de Maguire & Zhang (2007, p. 2), o blended learning parece situar-se num ponto intermédio do espectro que caracteriza as modalidades de ensino e aprendizagem; todavia, à medida que se progride na tentativa de refinamento da compreensão do conceito, impõe-se perguntar qual a percentagem de integração das componentes presencial e a distância:
Allen et al. (2007, p. 5), no âmbito da análise de diferentes modelos pedagógicos, propuseram como critério distintivo a percentagem de conteúdo ministrado online. Este critério tem, na óptica dos autores, um potencial diferenciador, correspondendo 0% de conteúdo online a um curso concebido em modelo tradicional (entenda-se, neste contexto presencial), 1% a 29% corresponderia a um modelo web facilitated. Como se pode observar, um modelo de blended learning implica que a percentagem ministrada online se possa situar entre os 30% e os 79%. E um modelo online pressupõe uma percentagem acima dos 80%.
Não obstante a proliferação de propostas, a questão percentual dificilmente colherá a consensualidade desejada. Tenha-se em linha de conta um outro exemplo: Smith & Kurten (2007, p. 460), avançam com percentagens distintas das patentes Allen et al, (2007):
Para além de diferenças patentes na percepção da questão percentual, identificam-se igualmente quatro modalidades de oferta formativa designadas por termos distintos da proposta anterior. No caso do blended learning prevê-se menos de 45% de actividades online. Será ainda de registar que estabelece uma distinção (que julgamos ser algo indiossincrática), entre blended e hybrid, uma vez que um modelo hybrid terá entre 45% e 80% de actividades online.
Para Monteiro (2011, p. 77), a questão percentual, com destaque para quantidade de horas online e horas presenciais, não é relevante. A dimensão mais distintiva é, do seu ponto de vista, a integração desses momentos no processo de ensino e aprendizagem. O trabalho de VanDerLinden (2014, p. 75) confirma a fluidez do conceito, perspectivado-a negativamente:
Blended learning exists on a continuum with minimal online activities on one end and minimal face-to-face activities on the other end. Most institutions do not prescribe a definition of blended learning and acknowledge that it has different meanings for different disciplines and can fall anywhere in the continuum.
Muitos outros argumentos mereceriam o nosso escrutínio, mas, pelo exposto, prevê-se, naturalmente que propor uma definição exigiu a passagem para uma outra etapa: um trabalho aturado de análise de textual, metodologicamente escorado nos aportes da Linguística e da Terminologia, com enfoque estreito na análise comparativa e contrastiva de diferentes propostas de definição e de descrição do conceito de blended learning, triangulando fontes escritas e orais, perspectivas de autor e perspectivas colectivas e institucionais, no contexto anglo-saxónico e no contexto português (Fernandes, 2015).
- A questão da qualidade
No contexto societal que nos caracteriza as preocupações com o estabelecimento de referenciais de qualidade estão, inelutavelmente, na ordem do dia, sendo naturalmente desnecessário referir que o blended learning se enquadra diacronicamente numa lógica económica de mercado, relacionada com princípios de certificação de bens ou serviços. Para Mellar & Jara (2009), não obstante o caminho percorrido, a ideia de qualidade tende a ser perspectivada, sobretudo, pela óptica pragmática da certificação e não exactamente como oportunidade de promover a observação e a reflexão com vista à melhoria.
No âmbito de iniciativas de construção de referenciais, o estudo Avaliação das práticas no domínio do e-learning e contributos para a construção de um modelo de regulação (Dias, 2014), teve um papel pioneiro. Foi realizado com o objectivo de analisar um conjunto de entidades que trabalham em prol da qualidade do e-learning, avaliando a documentação normativa e recomendativa já existente para o e-learning e visando dela recolher evidências sobre critérios de qualidade passíveis de serem propostos para o contexto português. Foram escrutinados para o efeito diversos organismos internacionais e o estudo partiu da premissa de que é imperativo promover a qualidade naquela área (Dias, 2014, p. 1):
/…/ avaliar o estado da arte a 360° e propor um modelo de regulação do e-learning, com o intuito de promover a qualidade face à atual ausência de políticas públicas que visem o investimento específico para o e-learning
Foi também objectivo deste estudo conhecer a diversidade de perspectivas por parte das entidades responsáveis pela política pública, formação e educação, tendo sido ouvidos quadrantes tão diversos como os da Administração Pública, as Forças Armadas, entidades formadoras e Instituições de Ensino Superior. A proposta de carta da qualidade para o e-learning que resultou deste projecto propôs um conjunto de definições e de conceitos, de aspectos metodológicos e pedagógicos relativos ao e-learning, neste contexto entendido como sinónimo de cursos online.
Os resultados da observação de campo efectuada no âmbito deste estudo levaram a concluir que os conceitos de e-learning e de blended learning são perspectivados como muito similares, partilhando como características o facto de se tratar tendencialmente de cursos online, enformados por uma lógica construtivista e colaborativa, orientados para grupos restritos de estudantes/formandos a distância (entre 15 e 20), que pressupõem a utilização de plataformas de aprendizagem e de ferramentas de comunicação síncrona e assíncrona (Dias, 2014, p. 3):
/…/ Quando os cursos online com formador/tutor têm algumas aulas presenciais são designados no terreno como cursos b-learning. O e-learning e b-learning é caraterizado pela existência de uma intenção pedagógica orientada à aprendizagem colaborativa - em grupos – e integra mecanismos de comunicação e de interação facilitadores de uma dinâmica de aprendizagem construtivista.
Como se pode ler, foi tão somente referenciado como característica distintiva dos dois conceitos a inclusão de sessões presenciais, no caso do blended learning. Tendo em conta o contexto do Ensino Superior Português, justifica-se, num trabalho futuro, um outro estudo, no qual o blended learning ocupe um espaço menos subsidiário no panorama de observação.
- A definição
Será a definição de blended learning tão somente correspondente a e-learning com sessões presenciais? O confronto entre a perspectiva académica e a perspectiva da regulamentação, no caso concreto do e-learning e do blended learning, mostra que a ambiguidade e a sobreposição destes dois conceitos não é uma mera questão da superfície linguística e comunicativa.
Pelo exposto, o trabalho empírico de propor uma definição para o conceito de blended learning visando fixar uma estrutura conceptual por via da expressão linguística constituiu-se como retrato caracterizador resultante de uma observação discursiva e de um processo colaborativo de introspecção que permite olhar o presente como resultado de uma matriz diacrónica complexa e vislumbrar o futuro como base nessa observação. Os procedimentos de validação e as sucessivas reconceptualizações e reconfigurações redaccionais daí decorrentes redundaram no seguinte resultado:
blended learning <educação a distância> |
modelo de ensino e aprendizagem semi-presencial que integra teorias e práticas de educação online e de educação presencial ancoradas num redesenho multimodal, multilinear e flexível. |
Permitindo-nos a expressão de uma visão pessoal, continua a agradar-nos a ideia de que o blended learning seja um fenómeno integração e de convergência entre o presencial e o virtual que se enquadre, secundando as palavras de Teixeira (2012, p. 9), num modelo desconstrutivo de organização universitária.
Bibliografia
Allen, E. I., Seaman, J., & Garret, R. (2007). Blending in. The Extent and Promise of Blended Education in United States. United States of America: Sloan Consortium.
Anderson, C. (2000). E-learning in practice - Blended learning solutions in action, IDC. Consultado a 2 de Janeiro de 2010, em www.gila.de/gila/gilaconsult_de/com30.../IDC_elearning_whitepaper.pdf
Barbas, M. (2006). B-Learning: fluxos multimodais. Lição para Provas Públicas de Professor Coordenador. Santarém: Escola Superior de Educação de Santarém.
Bersin, J. (2004). The Blended Learning Book: Best Practices, Proven Methodologies and Lessons Learned. San Francisco: Pfeiffer Publishing
Bonk, C., & Graham, C. (2006). The Handbook of Blended Learning, Global Perspectives, Local Designs. San Francisco: John Wiley & Sons.
Cardoso, E. L. (2005). Ambientes de Ensino Distribuído na Concepção e Desenvolvimento da Universidade Flexível. Tese de Doutoramento em Sistemas de Distribuição, Universidade do Minho, Braga, Portugal.
Dias, B. D., Diniz, J. A., & Hadjileontiadis, L. J. (2014). Towards and intelligent Learning Management System under blended learning. Switzerland: Springer International Publishing.
Driscoll, M. (2002). Blended Learning: Let’s get beyond the hype. Consultado a 30 de Janeiro de 2010, em http://www-07.ibm.com/services/pdf/blended_learning.pdf.
Fernandes, J. (2015). Definição do conceito de blended learning. Proposta metodológica no quadro da Terminologia de base conceptual. Lisboa: Universidade Nova de Lisboa (Tese de Doutoramento).
Garrison, D. R., & Anderson, T. (2003). E-learning in the 21st century: A framework for research and practice. London: Routledge/Falmer.
Garrison, D. R., & Kanuka, H. (2004). Blended Learning: Uncovering its Transformative Potential in Higher Education. Internet and Higher Education, 7(2), 95-105.
Graham, C. R., Allen, S., & Ure, D. (2003). Benefits and challenges of blended learning environments. In M. Khosrow-Pour (Ed.), Encyclopedia of Information Science and Technology (Vol. 5). USA: Information Resources Management Association.
Kim, W. (2007). Towards a definition and methodology for blended learning. The Proceedings of Workshop on Blended Learning (pp. 1-8), Crete, Greece.
Maguire, C., & Zhang, J. (2007). Blended learning in the development context: Experience with GDLN in Asia-Pacific. Tokyo: Development Learning Center and World Bank Distance Learning Partnership Project.
Marsh, D. (2012). Blended Learning. Creating Learning Opportunities for language learners. Cambridge: Cambridge University Press.
McLuhan, M. (1963). The Gutenberg Galaxy. Toronto: UTP.
Mellar, H., & Jara, M. (2009). Quality Assurance, Enhancement and E-Learning. In T. Mayes, D. Morrison, H. Mellar, P. Bullen & M. Oliver (Eds.), Transforming higher education through technology-enhanced learning (pp.19-31). Heslington: The Higher Education Academy.
Miranda, G. (2009). Ensino online e Aprendizagem Multimédia. Lisboa: Relógio de Água.
Monteiro, A., Moreira, A., & Almeida, C. (2011). Educação Online - Pedagogia e aprendizagem em plataformas digitais. Santo Tirso: De facto Editores.
McLuhan, M. (1963). The Gutenberg Galaxy. Toronto: UTP.
Osguthorp, R. T., & Graham, C. R. (2003). Blended learning environments. Quarterly review of distance education, 4(3), 227-233.
Peres, P. (2011). Observatório de b-learning: Investigação, Planeamento e Gestão das Tecnologias Digitais ao Serviço da Educação. Pós-Doutoramento - Investigação, planeamento e gestão das tecnologias digitais ao serviço da Educação, Universidade Fernando Pessoa, Porto, Portugal.
Peres, P., & Pimenta, P. (2011). Teorias e Práticas de B-learning. Lisboa: Edições Sílabo.
Oliver, M., & Trigwell, K. (2005). Can ‘Blended Learning’ Be Redeemed? E-Learning, 2(1), 17-26.
Pimenta, P. (2003). Processos de formação combinados. Porto: Sociedade Portuguesa de Inovação.
Rovai, A. (2004). A Constructivist Approach to Online College Learning. Internet and Higher Education, 7(2), 79-93.
Sharpe, R., Benfield, G., Roberts, G., & Francis, R. (2006). The undergraduate experience of blended e-learning: a review of UK literature and practice. (Report LTA243) England, Higher Education Academy.
Smith, G. G., & Kurthen, H. (2007). Front-stage and back-stage in hybrid e-learning face-to-face courses. International Journal on E-Learning, 6(3), 455-474.
Sims, D., Burke, C. S., Metcalf, D. S., & Salas, E. (2008). Research-Based Guidelines for Designing Blended Learning. Ergonomics in Design: The Quarterly of Human Factors Applications, 16(1), 23-29.
Snart, J. A. (2010). Hybrid Learning. The Perils and Promise of Blending on-line and Face-to-Face Instruction in Higher Education. Santa Barbara: Praeger.
Teixeira, A. (2012). Desconstruindo a universidade: Modelos universitários emergentes mais abertos, flexíveis e sustentáveis. RED - Revista de Educación a Distancia, 11(32), 1-13.
Thorne, K. (2003). Blended Learning: How to integrate online and traditional learning. London: Kogan Page.
VanDerLinden, K. (2014). Blended Learning as Transformational Institutional Learning. New Directions for Higher Education, 165, 75-85.
Whitelock, D., & Jelfs, A. (2003). Editorial: Journal of Educational Media Special Issue on Blended Learning. Journal of Educational Media, 28(2-3), 99-100.
Young, J. R. (2002). 'Hybrid' teaching seeks to end the divide between traditional and online instruction. Chronicle of Higher Education, 48(28).