Artigo Completo

Análise da iconicidade de quatro propostas de denominações neológicas para conceitos da Física (acústica) na LSB

 

Taynã Naves[1]

Universidade Federal de Mato Grosso do Sul

 

Ana Mineiro

Universidade Católica Portuguesa, Instituto de Ciências da Saúde

 

Celda Morgado

 Politécnico do Porto/Escola Superior de Educação, Centro de Linguística da Universidade do Porto

 

RESUMO

Neste trabalho pretende-se analisar a motivação icónica de algumas propostas de denominações neológicas na área da Física acústica. Assim, far-se-á a correlação entre o referente icônico evocado pelo significante gestual e o conceito das neologias terminológicas SOM-FORTE, SOM-FRACO, SOM-GRAVE e SOM-AGUDO. Para esta análise adotaremos o modelo da iconicidade analógica de Taub (2001), desenhado no âmbito da linguística cognitiva, o qual define a iconicidade linguística como o mapeamento mental das estruturas preservadas nas relações de similaridade analógica entre forma e significado.

A nossa análise das quatro neologias para conceitos de acústica revelou ambiguidades linguísticas entre as formas que denominam conceitos diferentes. Em alternativa, propomos a utilização do mapeamento icónico-metafórico (à luz de Taub) para a criação de expressões icónicas que não entrem em contradição com o conceito que buscam denominar, utilizando gestos do léxico comum da LSB, paráfrases de conceitos básicos em física e aproveitando a iconicidade visual de diversos materiais didáticos utilizados no ensino de Física.

Palavras-chave: denominações neológicas da física, iconicidade, mapeamento icónico-metafórico.

ABSTRACT

In this paper our goal is analyze the iconic motivation of some neological denominations proposals in the area of Physic acoustics. Thus, the correlation between the iconic referent evoked by the sign’s significant and the terminological concept of  LOUD-SOUND , WEAK-SOUND, LOW-SOUND and HIGH-SOUND will be made. For this analysis we will adopt Taub's analogical iconicity model (2001), designed in the context of cognitive linguistics, which defines linguistic iconicity as the mental mapping of structures preserved in analogical similarity relations between form and meaning.

Our analysis of the four neological terms for acoustic concepts revealed linguistic ambiguities between the forms and concepts. Alternatively, we propose the use of the iconic-metaphorical mapping (as in Taub) for the creation of iconic expressions that do not contradict the concept that they pretend to name, using signs of the common lexicon of LSB, paraphrases of basic concepts in physics and taking advantage of the visual iconicity of several didactic materials used in the teaching of Physics.

Keywords: Physics neological denominations, iconicity, double mapping.

 

1. INTRODUÇÃO

O objetivo principal deste artigo é apresentar uma análise da correlação entre o referente icônico evocado e o conceito de neologias terminológicas em línguas gestuais, na área da Física, propostas em projetos de investigação/intervenção para sanar o problema de falta de denominações gestuais para conceitos de conteúdos escolares que os alunos Surdos da educação básica, e seus respectivos intérpretes, enfrentam no atual cenário da educação inclusiva.

O interesse em identificar a motivação de um neologismo terminológico gestual, ou seja, qual o objeto (ou imagem) do mundo real que é referenciado pelo significante gestual (a forma), se dá porque, se for uma entidade altamente prototípica, este facto pode ser mais um fator potenciador para a fixação desse neologismo no léxico de especialidade. Se o referente evocado pela iconicidade do significante gestual não se relacionar com o conceito que a forma busca denominar (ou pior ainda, for um protótipo de outro conceito) tal neologia, na tentativa de solucionar um vazio denominativo, por apresentar uma relação ambígua de forma-significado (ou até mesmo ambivalência de sentidos), pode até mesmo criar um problema ainda maior, no que se refere à compreensão do conceito, considerando que o público alvo são Surdos em processo de escolarização.

Contudo, o objetivo principal dessa análise será verificar as relações de semelhança do referente (imagem/objeto) evocado pela iconicidade, tanto para com o significante gestual quanto para o conceito que a neologia se propôs a denominar. Portanto, considerando a natureza dos objetos analisados e os propósitos estabelecidos nos objetivos da investigação que este artigo reporta, julgamos ser mais operativo utilizar o modelo de Taub (2001), pois suas ferramentas teórico-metodológicas possibilitam uma compreensão e descrição adequadas dentro da abordagem que pretendemos conferir.

 

Consideramos que as relações icônicas ambíguas devem ser evitadas, pois se a iconicidade da forma se relacionar com um conceito distinto do que busca denominar, passa a haver uma relação de arbitrariedade entre a forma (significante gestual) e o conceito, o que pode suscitar diferentes consequências: i) gerar sérios problemas de comunicação entre professor-intérprete-aluno e, consequentemente, a não aprendizagem dos alunos; ii) contribuir para, ao longo do tempo, a não fixação da neologia como um termo da linguagem de especialidade.

Organizaremos este artigo em duas partes centrais, além da Introdução e das Considerações finais: a fundamentação teórica e a análise propriamente dita.

 

2. Fundamentação teórica

A iconicidade linguística é uma característica daquelas formas linguísticas cuja realização física concreta possui similaridades para com o referente que denomina ou para com seu significado (ou ambos). Tal propriedade está presente tanto nas línguas orais quanto nas línguas gestuais, embora naquelas primeiras esse fenômeno não seja tão expressivo quanto nas línguas do povo Surdo[2]

Porém, a forma com que as primeiras teorias linguísticas – estruturalismo, behaviorismos e formalismo –  conceberam a língua e (rea)firmaram seus estudos,  principalmente naquela terceira teoria (Chomsky, 1965), não houve espaço para que a iconicidade (e outros fenômenos de motivação) pudessem ser explicados dentro de cada um de seus enquadramentos. Até então, muito poucas formas icônicas tinham sido identificadas, e não eram só escassas, mas restritas às onomatopeias (e suas lexicalizações). Assim, desprezar tal fenômeno acabou sendo convenientemente necessário para refutar a iconicidade e a lançar fora do domínio de validade da linguística, pois, caso contrário, os fundamentos de tais teorias seriam abalados.

Além disto, vale ressaltar que o estatuto da arbitrariedade foi profundamente firmado e reforçado após seu estabelecimento como uma das principais e essenciais características das línguas humanas (Hockett, 1960), onde sua presença é um dos fatores que distinguem a língua humana da comunicação animal. Desde os trabalhos de Charles Hockett, nenhum linguista se atreveria a reivindicar, nas línguas orais, uma conexão “natural” entre a forma e o significado de uma unidade linguística. Por isso, até recentemente, mesmo diante dos postulados das escolas funcionalistas e cognitivistas, um dos maiores argumentos contrários ao reconhecimento das línguas gestuais como línguas de facto era justamente o seu alto grau de iconicidade. O que aparentava ferir o princípio da arbitrariedade. Porém, atualmente, a iconicidade é tida como uma característica do contínuo da motivação, onde num extremo se encontram as formas mais icônicas (mais motivadas) e no outro as formas mais arbitrárias (menos motivadas).

Dentro dessa concepção existem dois modelos teóricos que conceituam a iconicidade com um certo grau de antagonismo entre si, principalmente no nível da concepção fenomenológica e operativa da iconicidade. Uma delas se encontra delineada pelos trabalhos de Cristian Cuxac. A outra é proposta por Sarah Taub (2001), que considera a iconicidade como um fenômeno linguístico – operando cognitivamente .

Cuxac (2002) não a considera como uma característica linguística. Este último investigador afirma que postular a iconicidade sob termos da semelhança, e analogia, dos itens do triângulo forma-significado-referente, pode reduzir a língua a um saco de palavras tal como os pré-estruturalistas a concebiam (Cuxac, 1993, p. 47).

Esta vertente teórica pretende explicar não apenas o funcionamento e as estruturas das línguas gestuais desde um ponto de vista sincrônico, mas também a partir da origem dos próprios signos. Assim, o próprio autor reconhece nos seus estudos uma proposta semiótica, que busca esclarecer os fundamentos da criação de signos linguísticos, cujo princípio fundamental se assenta no princípio da intencionalidade semiogenética. Seu modelo considera a iconicidade como uma propriedade referencial – como um princípio organizador – e não como uma ferramenta constitutivo-funcional da estrutura das línguas.

A base do modelo de Taub (2001) é a concepção de similaridade. Para a autora, a abstrata noção da similaridade (ou semelhança) é compreendida (e redefinida) por meio das ferramentas de análise que a linguística cognitiva propicia. Na perspectiva da autora, a semelhança não é uma objetiva e particular propriedade de dois objetos, mas sim um produto de nosso processamento cognitivo. Seu modelo propõe os princípios de análise por comparações. A autora observa que, quando comparamos duas entidades pelas suas relações de similaridade, nós procuramos por estruturas da primeira entidade que se repetem (ou são análogas) a estruturas da segunda entidade.

Como a linguística cognitiva denomina como mapeamento o estabelecimento de correspondências entre duas entidades, então Taub (2001), baseando-se em Gentner & Markman (1996), define a iconicidade linguística como o mapeamento (mental) das estruturas (construções) preservadas nas relações de similaridade analógica entre forma e significado. O modelo possui, assim, uma aproximação à semântica cognitiva, uma vez que postula que, conforme a natureza do conteúdo do signo linguístico (significado) e de sua relação para com o referente, ou evocará no indivíduo (o interpretante) uma imagem de seu representante mais prototípico, ou então uma imagem/cenário que o represente de forma mais ou menos direta, por metonímias, metáforas, ou outros processos mais ou menos diretos.

Tais relações podem ser diretas (a imagem do referente se relaciona com a imagem do conceito denominado) ou indiretas (a imagem do referente se relaciona com outros conceitos concretos correlacionados e hierarquicamente próximos ao conceito denominado), e ainda podem estabelecer uma relação precisa (o referente iconicamente evocado pela forma possui uma relação única e unívoca para com o conceito denominado) ou ambígua (o referente iconicamente evocado se relaciona ou com um conceito distinto do denominado, ou com mais de um conceito).

Sob a modelagem deste processo de construção, um único objeto (real/conceitual) pode vir a ser observado sob os mais diversos ângulos, e transmitir variadas informações que são captadas pelos órgãos do sistema somatossensorial, cujos dados a cognição interpreta e estabelece os mais diferentes e variados sentidos, os quais são ‘traduzidos’ em diferentes imagens mentais, sob os mais diversos graus de complexidade.

Neste modelo, a construção imagética passa por três processos: seleção da imagem prototípica (“imagem selection”), esquematização (“schematization”) e codificação (“encoding”). Apresentamos o modelo abaixo na Figura 1, onde se esquematiza o processo de construção analógica do gesto TREE (ASL). Este processo contém 4 níveis de construção: (A) o conceito inicial (árvore), (B) uma imagem de árvore, (C) a imagem esquematizada utilizada na adequação às categorias linguísticas da ASL e (D) a imagem codificada como TREE (a forma física do gesto em ASL. As setas mais finas mostram as correspondências estruturais entre (B), (C) e (D), sendo que de (B) a (D) existem operações de transferências (cf. Cuxac, 2002). 

 

Figura 1. Esquema do processo de construção analógica do gesto TREE(ASL).

FONTE: adaptado de “Language from the Body: iconicity and metaphor in American Sign Language” de S. F Taub, 2001, p. 44

 

Na primeira etapa do processo (seleção da imagem), o indivíduo seleciona uma destas observações (pontos de vista), cuja representação, via codificação sensorial (explicitada na posterior fase de esquematização), pode ser realizada nos termos (e restrições) de um específico sistema linguístico. Veja-se o que acontece na Figura 2 para o caso do gesto TREE, em ASL (Taub, 2001).

Figura 2. correspondências estruturais que foram  preservadas entre (A), a imagem de uma árvore, (B), o gesto TREE, em ASL.

FONTE: recuperado de “Language from the Body: iconicity and metaphor in American Sign Language” de S. F Taub, 2001, p. 29

 

Uma vez selecionada a imagem mental, elegem-se então os traços de maior destaque ou importância (informativa/distintiva) e esquematizam-se sob orientação e restrição ("linguistic constraints") do sistema linguístico de suporte/veiculação, em adaptação aos mais diversos recursos linguísticos disponíveis (recursos fonéticos, morfossintáticos, etc.). E, por fim, a codificação acontece, onde a esquematização da imagem leva a uma forma linguística, em uma etapa que seleciona as subunidades de forma (as ferramentas icônicas: fonemas, morfemas, estruturas sintagmáticas, etc.) semelhantes aos traços imagéticos anteriormente esquematizados. Em conjunto, tais recursos constituem uma forma linguística com um formato físico análogo ao formato da imagem mental que seu significado (conteúdo) evoca, estabelecendo uma relação de similaridade.

A iconicidade não é encontrada apenas em unidades que possuem significado concreto. Como Taub exaustivamente exemplifica (2001), também pode ser encontrada em unidades linguísticas que denominam metáforas conceituais. Nestas unidades, as relações de similaridade entre forma e sentido possuem um estágio intermediário, onde se identifica a existência de um mapeamento de similaridades físicas tanto entre a forma e o sentido literal, quanto entre uma imagem mental icônica intermediária e um sentido abstrato (ou complexo).

A este respeito, Taub (2001, pp. 94–105) discute a respeito do gesto metafórico THINK–PENETRATE (Figura 3, A) que possui o abstrato significado, conforme Taub (2001, p. 102), de “entender/compreender o ponto de vista de alguém” ou “fazer alguém entender/compreender seu ponto de vista”.

Figura 3. Acima, o gesto THINK-PENETRATE(A), em ASL. Abaixo, o gesto DRILL(B), em ASL.

FONTE: recuperado de “Language from the Body: iconicity and metaphor in American Sign Language” de S. F Taub, 2001, p. 100

 

No caso desta metáfora conceitual, seu sentido literal (intermediário) de “uma entidade que sai da cabeça e perfura um obstáculo” compartilha do mesmo mapeamento icônico “simples” (iconicidade linguística) do gesto lexicalizado DRILL (Figura 3, A). Em ambos os gestos, a mão dominante, com uma configuração em L, vai ao encontro da mão de apoio, que possuiu uma configuração em B (espalmada), e a parte fina da mão dominante transpassa a mão de apoio por entre os dedos. A única diferença entre os gestos é o lócus de inicialização do movimento da mão dominante. A imagem selecionada para o gesto DRILL é a própria imagem do referente, a ferramenta “furadeira”, muito utilizada na construção civil e em bricolagens

A relação analógica entre os traços imagéticos e os articuladores do gesto DRILL são: a parte fina da CM da mão dominante (o dedo indicador da CM em L) iconicamente representa a broca da furadeira; a parte plana da CM da mão de apoio (CM em B, espalmada) iconicamente representa a superfície a ser perfurada. O mapeamento da iconicidade linguística do gesto DRILL foi construído por Taub como ilustrado na Figura 4:

Figura 4. Mapeamento da iconicidade linguística do gesto DRILL, em ASL.

FONTE: recuperado de “Language from the Body: iconicity and metaphor in American Sign Language” de S. F Taub, 2001, p. 102

 

Diferentemente do gesto DRILL (Figura 3, B) o gesto THINK-PENETRATE (Figura 3, A) não denomina um referente concreto, tampouco descreve um cenário físico (i.e. concreto, visual). Neste gesto, a mão dominante com uma CM em L possui uma forma fina e comprida que se desloca da testa (parte lateral) até o lócus de um objeto verbal denominado pela mão de apoio (CM em B, ou espalmada), cuja forma é a de uma superfície plana, colide com ele e o perfura (o dedo da mão dominante atravessa por entre os dedos da mão de apoio, deixando a palma da mão na parte interna).

Ao analisar também outros gestos da ASL, como THINK-BOUNCE, OVER-MY-HEAD, e IT-WENT-BY-ME, Taub (2001, pp. 98–105) identifica que todos possuem relações de semelhança para com classificadores descritivos de objetos movendo-se para a cabeça, ou a partir dela. Considerando ainda que, semanticamente, todos estes gestos pertencem à categoria da comunicação de ideias, Taub (2001, p. 102) postula a existência de um mapeamento entre o domínio semântico de “lançar objetos” e o domínio de semântico de “comunicar ideias”. E é a partir da conjunção destes dois mapas, que Taub (2001) constrói o duplo mapeamento, icônico-metafórico, do gesto THINK-PENETRATE (Figura 5), onde um mapa corresponde ao mapeamento icônico, i.e. às relações de semelhança por analogia entre os articuladores gestuais e o domínio fonte), e o outro mapa correspondo ao mapeamento metafórico, i.e. às relações de semelhanças análogas entre o domínio semântico fonte e o domínio semântico alvo (2001, pp. 98–105).

Figura 5. Duplo mapeamento (linguístico-metafórico) do gesto THINK-PENETRATE, em ASL.

FONTE: recuperado de “Language from the Body: iconicity and metaphor in American Sign Language” de S. F Taub, 2001, p. 103

 

Desta maneira, consideramos o modelo de Taub (2001) útil para ser utilizado como fundamento norteador de metodologias de criação de neologias terminológicas de abordagem comunicativa, em situações de planejamento linguístico, uma vez que possibilita construir um ambiente controlado que emule com maior precisão e fidedignidade processos naturais de emergência linguística.

 

3. Análise de gestos neológicos para o domínio da Física segundo o modelo da iconicidade analógica de Taub (2001)

Os gestos analisados nesta secção do artigo são provenientes de um corpus constituído no âmbito de uma investigação mais alargada, ainda em curso. Tais são quatro gestos neológicos – SOM-FORTE (Figura 6a), SOM-FRACO (Figura 6b), SOM-GRAVE (Figura 6c) e SOM-AGUDO (Figura 6d) – provenientes do trabalho de Almeida (2016)[3].

Figura 6. proposta neológicas para a) SOM-FORTE, b) ‘SOM-FRACO’ c) SOM-GRAVE e d) SOM-AGUDO, em LSB, para o domínio da física (ondulatória)

FONTE: adaptado de “Conceitos básicos de acústica para surdos” de Almeida, 2016, p. 31-32

 

Foi feito um estudo com o intuído de identificar os conceituais compartilhados e os traços distintivos entre as noções dos conceitos que as quatro neologias se propunham a denominar. Tara tal, analisaram-se os manuais escolares mais adotados (e respeitados) no Brasil nas disciplinas de física básica de nível de licenciatura e do secundário, a saber: Halliday, Resnick, & Walker (2012)[4];  Nussenzveig (2002)4; Gaspar (2013)[5]; Máximo & Alvarenga (2006)5;  e Ramalho, Nicolau & Toledo (2007) 5.

O estudo conceitual realizado mostrou que os conceitos envolvidos são muito próximos e suas definições compartilham de inúmeros traços semânticos, com um número muito reduzido de traços distintivos. Por meio dele verificou-se que os conceitos sob análise possuem relações hierárquicas para com os seguintes conceitos próximos: “onda”, “som”, “frequência”, “intensidade”, “altura”, “comprimento de onda”, “velocidade (de uma onda)”. Além disto, identificou-se que as ilustrações mais comuns nos esquemas e desenhos daqueles manuais representam as ondas sonoras, que são ondas de pressão tridimensionais propagadas mecanicamente em todas as direções do espaço, em um meio material (no ar, nas situações cotidianas mais comuns).

Figura 7. Representação imagética simplificada, mais comum nos manuais didáticos do corpus, das ondas sonoras como ondas senoidais unidimensionais.

FONTE: recuperado de “ Os fundamentos da Física 2: Termologia, Óptica e Ondas” de F. Ramaho, P. Toledo e G. F. Nicolau, 9ªed. São Paulo, Brasil: Moderna, p. 470.

 

Do ponto de vista física, as os conceitos forte/fraco e grave/agudo são adjetivações que caracterizam as dicotomias comparativas, respectivamente, do fenômeno físico mensurável da intensidade sonora e da altura sonora[6] de uma onda sonora. Isto porque a intensidade (medida em decibéis: dB) é o efeito da amplitude da onda sonora, e a altura é o efeito do comprimento de onda, no específico meio[7].

Apresentamos na Figura 8 uma representação gráfica de ondas de intensidades diferentes e com a mesma altura, onde a onda superior (tracejada) é mais “fraca” do que a onda de traços contínuos (mais “forte”). Observe que a amplitude A1 é menor do que a amplitude A2, mas os comprimentos de ondas l são iguais.

Já na Figura 9 é apresentada uma representação gráfica de ondas de alturas diferentes, e com a mesma intensidade, onde a onda superior (tracejada) é mais “grave” do que a onda de traços contínuos (mais “aguda”). Observe que o comprimento de onda l1 é maior do que o comprimento de onda l2, mas as amplitudes A das ondas são iguais.

 

Legenda: l = comprimento de onda. A1 e A2 = amplitudes

Figura 8. Representação prototípica de duas ondas sonoras de mesma altura (i.e. mesmo comprimento de onda l). A onda tracejada representa um som “fraco” em relação ao som representado pela onda contínua

 

Legenda: l1 e l2  = comprimentos de onda. A = amplitude

Figura 9. Representação prototípica de duas ondas sonoras de mesma indensidade (i.e. mesma amplitude A). A onda tracejada representa um som mais “grave” em relação ao som representado pela onda contínua (mais “aguda”

 

Desta maneira, na Física, ao utilizar um osciloscópio, instrumento capaz de representar visualmente as ondas sonoras em um ecrã, o traço visual distintivo da intensidade (forte/fraco) é a amplitude, e o traço visual distintivo da altura (grave/agudo) é o comprimento de onda.

Reafirmamos que, assim, forte/fraco e grave/agudo adjetivam atributos comparativos. Desta sorte, um mesmo som de 45dB pode ser forte, se comparado com outro de 25dB, mas ser ao mesmo tempo fraco, se comparado com um terceiro de 80dB. E da mesma maneira, um som[8] de 7,8dm (440Hz)a de comprimento pode ser grave em relação a um som de 3,9dm (880Hz)b, e agudo se comparado a um som de 15,6dmc de comprimento(220Hz).

Desta maneira, considerando o quadro conceitual da matéria, e com base na metodologia, e teoria, da iconicidade analógica de Taub (2001), realizamos uma descrição do mapeamento icônico estabelecido pelas propostas de neologias terminológicas de Almeida (2016) as quais se encontram apresentadas na Tabela 1.

Observe, na Figura 6, que as diferenças fonológicas entre os gestos SOM-FORTE, SOM-FRACO e SOM-GRAVE é no domínio do movimento do gesto[9]. E que o gesto SOM-AGUDO, possui um ponto de articulação diferente dos demais, e se relaciona com uma iconicidade icônica somatossensorial (cf. Napoli, 2017) já existente na LSB (como será visto mais adiante).

Assim, a dicotomia SOM-FORTE e SOM-FRACO, e SOM-AGUDO e SOM-GRAVE, conforme a gestualização descrita por Almeida (2016), possuem um único mapeamento icônico subjacente. Como é possível observar, tal mapeamento, ao trazer para o plano da forma linguística a forma geral de uma onda prototípica, tem estruturalmente: (A) um fonema exclusivo (ponto de articulação na orelha) para o conceito de agudo (vide neologia SOM-AGUDO); e (B) traços de contorno.

Olhando atentamente para as questões de referencialidade das quatro neologias gestuais, temos que, no domínio da disciplina de especialidade: o [a] fenômeno da percepção sonora dos humanos (inacessível a uma boa parte dos Surdos), é a interpretação cognitiva-sensorial do [b] o fenômeno físico ondas sonoras (onda de pressão), que pode ser captado [c] por um microfone, onde a informação (a realidade de uma onda sonora) pode ser recodificada[10] [d] visualmente por um osciloscópio em uma [e] representação visual de seu comportamento oscilatório, a partir da qual [f] as propriedades físicas da onda captada pode ser mensurada por meio das  propriedades gráficas representadas na tela de um osciloscópio.

Assim, em relação ao mapeamento icônico dos gestos SOM-FORTE e SOM-FRACO, e SOM-AGUDO e SOM-GRAVE, possuem uma iconicidade estabelecida da seguinte maneira: [1] seleção: (1a) para o conceito “agudo” selecionou-se, além dos itens 1b-1d, o fenômeno sensorial da audição (metonimicamente representado pelo ouvido externo); (1b) para os conceitos (“agudo”, “grave”, “forte”, “fraco”) de todas as características físicas (domínio da disciplina), selecionaram apenas o traço geral do hiperônimo comum “onda”; (1c) e de todas as características do conceito onda física, foi selecionado apenas referencialidade à imagem visual de um medida ondulatória apresentadas no ecrã de um osciloscópio, e (1d) foi tomado unicamente a representação imagética (cognitiva) da onda mais prototípica (onda senoidal); [2] esquematização: a onda senoidal fora esquematizada unicamente pelas suas características prototípicas de contorno (amplitude física e comprimento de onda), a despeito das características temporais (e.g. velocidade, frequência)[11]; [3] codificação: para o gesto (3a) agudo selecionou-se ponto de articulação na orelha, para representar o traço sensação auditiva, (3b) para os demais conceitos (grave”, “forte” e “fraco) tomou-se como ponto de articulação o espaço neutro; (3c) e para esquematizar os traços da representação imagética visual (prototípica) tomou-se como articulador a CM26 (Figura 7) e movimentos que, aspectualmente, emulam no plano linguístico (i.e. transferem, cf. Cuxac, 2002) a representação imagética prototípica onda senoidal, com os traços de grave, agudo, forte e fraco.

 

Tabela 1. Mapeamento icônico dos gestos SOM-FORTE e SOM-GRAVE; SOM-FRACO e SOM-AGUDO

Mas ao transferir o traço da representação visual prototípica das ondas sonoras[12], é marcado na forma linguística, ao mesmo tempo, e em todos os quatro gestos, tanto os traços referentes à dicotomia forte/fraco (amplitude) quanto à grave/agudo (comprimento de onda).

Afinal, toda onda sonora tem, indissociavelmente, uma certa intensidade e uma certa altura. E no gestos SOM-GRAVE, SOM-FORTE e SOM-FRACO, ao transferir para o plano da língua apenas os traços de contorne de uma onda prototípica, o processo de constituição da iconicidade, nos moldes de Taub (2001), selecionou articuladores para especificar os traços imagéticos distintivos (dos conceitos associados) representados na onda prototípica (a amplitude e o comprimento de onda), impossibilitando nenhuma comparação dos mesmos.

E então, o mapeamento subjacente a estas quatro propostas neológicas, não é suficientemente satisfatória para gerenciar as condições de produção dos gestos SOM-FORTE, SOM-FRACO e SOM-GRAVE. Desta maneira, tais propostas apresentam grandes problemas de ambiguidade, sendo insuficientes para, por si só, denominarem os conceitos para os quais foram propostos.

No caso do gesto SOM-AGUDO, o ponto de articulação diferenciado é suficiente para garantir uma denominação distinta das demais capaz de garantir uma denominação distinta das outras três, ao metonimicamente associar o ouvido externo ao fenômeno da audição. Mas isto, traz também ambiguidade, já que todos os quatro conceitos (forte, fraco, agudo, grave) do domínio da física também se associam a seus respectivos estímulos somatossensoriais.

Diante destes problemas de ambiguidade, como a paráfrase de conceitos já é reconhecida como uma útil e eficaz ferramenta instrucional (Barbosa, 2005), enquanto não se tem uma melhor proposta neológica, uma alternativa provisória seria complementar o mapeamento dos referidos gestos-termo de Almeida (2016), adicionando articuladores que, ao discriminar exatamente o traço imagético distintivo do conceito foco (forte, fraco, agudo ou grave), seja capaz de denomina-lo sem ambiguidades.

Uma das possíveis soluções seria ampliar/adaptar o mapeamento icônico subjacente à SOM-FORTE, SOM-FRACO, SOM-GRAVE e SOM-AGUDO, aproveitando o mapeamento metafórico “SOM É UM BALÃO”, de grande domínio no mundo ouvinte ocidental, sendo que parte de sua expressividade é utilizada na LSB.

Pischedda (2017) afirma que o simbolismo sonoro[13] começou a aparecer nas bandas desenhadas[14] no final da década de 1930. Afirma ainda que, desde então, convencionou-se uma série de representações pictográficas dos balões para representar a expressividade sonora dos personagens. Dentre elas, tem-se o balão de bordas serrilhadas (Figura 10a) para falas em um tom de baixa intensidade, como os sussurros, e o balão com inúmeras e compridas protrusões pontiagudas (Figura 10b) para falas em um tom de alta intensidade, como os gritos (Forceville, Veale, & Feyaerts, 2010).

 Figura 10. Balões em banda desenhadas: desenhos icônicos para representação de a) falas em um tom de baixa intensidade, e.g. sussurros) e b) falas em tom de alta intensidade (e.g. gritos).

FONTE: imagem da internet com cedência de direitos para reutilização livre não comercial: https://commons.wikimedia.org  

 

Em uma investigação que buscou identificar, analisar e compreender os simbolismos sonoros presentes nas publicações de banda desenhada da Disney, em inglês e em italiano, no período de 1932-2013, Pischedda (2017) verificou que, devido à influência do movimento da Pop Art (1960-1987), a iconicidade pictográfica dos balões passou a ser linguisticamente incorporada nos simbolismos sonoros, em que sons bem intensos passaram a ser representados por letras de cores brilhantes e fontes grandes (Figura 11a), em analogia (icônica) do formado do balão destinado a esta representação (Figura 11b).

 

Figura 11. Representação de efeitos sonoros em banda desenhada. À direita, representações pictográficas de ideofones para sons de alta intensidade e à esquerda b) representação pictográfica de uma explosão.

FONTE: adaptação de imagens da internet marcadas como de livre reutilização e reprodução: www.dreamstime.com

 

 

Desta maneira, com base na referida investigação Pischedda (2017), construímos o duplo mapeamento (icônico-metafórico) “SOM FORTE É UMA EXPLOSÃO” (Tabela 2), subjacente à iconicidade do design gráfico das representações visuais dos efeitos sonoros de alta intensidade nas bandas desenhadas.

 

Tabela 2. Duplo mapeamento (icônico-metafórico), composto, do tipo SOM FORTE É UMA EXPLOSAO

#

Traço visual

Fonte

Alvo

01

fonte da letra:

Letra

som

Tamanho

Intensidade

02

Cores: fortes e brilhantes

Intensidade do tom da cor

Intensidade sonora

03

Design centrífugo e formas pontiagudas

Trajetória típica de fragmentos ejetados em uma explosão

Som de alta intensidade

 

Note que tanto o design gráfico dos ideofones (Figura 11A) quanto a ilustração do barulho de uma explosão (balão da Figura 11B) possuem as mesmas caraterísticas, as quais estabelecem sua iconicidade metafórica pelas relações de similaridade para com as características visuais da súbita, violenta e ruidosa arrebentação de uma bomba, que provoca tanto uma libertação de gases e materiais particulados (fumaça), quanto ejeção de fragmentos do material explodido e quanto pedaços de objetos próximos (quebrados pela intensa onda de choque gerada).

Observe-se que a iconicidade das imagens da Figura 11 estabelece relação de similaridade para com o formato prototípico da fumaça gerada, bem como da típica trajetória dos fragmentos ejetados por uma explosão real (cf. Figura 12). Vale salientar que, além das similaridades estabelecidas no mapeamento metafórico, existe a similaridade Física entre a onda de choque e as ondas sonoras: ambas são ondas de pressão.

Figura 12. Ilustrações de explosões: à direita a) fotografia de uma explosão de 800 lbs. de dinamite, Livingstone Channel, Mich., e à esquerda b) imagem de uma explosão nuclear no mar.

FONTE: a) arquivo demarcado como de livre direito de reprodução da biblioteca do congresso estadunidense: https://www.loc.gov/item/2016810506/  e b) dite da internet, sem marca de propriedade: http://www.chemistryexplained.com/Di-Fa/Explosions.html

 

Observe, ainda, que parte deste mapeamento (tabela 2) é compartilhado por gestos do léxico comum da LSB cuja semântica se relaciona com fenômenos percebidos pela audição, tais como BARULHO1 (Figura 13), SOM e BARULHO2 (Figura 14, [a] e [b]). Em tais gestos, sua iconicidade remete para várias das relações entre semânticos e imagem visual do mapeamento “SOM FORTE É UMA EXPLOSAO”(tabela 2): intensidade do movimento, percebido pela sequência de indicador em extensão máxima (início do gesto) vs. Indicador em flexão máxima (fim do gesto); sequência de ausência de realce das sobrancelhas e olhos (início do gesto) vs. abertura máxima (Figura 13) ou, em contraste, cerramento máximo dos olhos e sobrancelhas (Figura 14b), entre outros aspetos não manuais, como a configuração e tensão da boca e dos lábios.

Figura 13. Ilustração do gesto BARULHO1, em LSB

FONTE: modificado de Dicionário de Libras online (INES): http://www.acessibilidadebrasil.org.br/libras_3/

Figura 14. Imagem do gesto a) SOM (à esquerda) e b) BARULHO2 (à direita),  em LSB

Fonte: modificado de: Dicionário de libras. Secretaria de Governo e Gestão Estratégica do Estado de São Paulo. Mídia digital (cd)

 

Desta maneira seria possível ampliar/adaptar o mapeamento icônico subjacente às quatro neologias SOM-FORTE, SOM-FRACO, SOM-GRAVE e SOM-AGUDO, por meio da apropriação das relações metafóricas entre traços semânticos conceituais e traços imagéticos dos referentes.

E isto poderia ser projetado com base não apenas de mapeamentos de gestos lexicalizados da LSB, mas dos mapeamentos da iconicidade pictográfica das bandas desenhadas, incorporada posteriormente nas animações infantis[15], como por exemplo o mapeamento metafórico “SOM FORTE É UMA EXPLOSAO” (tabela 2). Tal embasamento propiciaria um fundamento subjacente que nortearia a construção de EAIs[16] que parafraseariam os conceitos “onda”, “som”, “frequência”, “intensidade”, “comprimento de onda” e outros conceitos com eles inter-relacionados. Tal mapeamento ofereceria uma garantia de que sua iconicidade não entraria em conflito com a definição do conceito denominado e ainda exprimiria visualmente as representações visuais das noções mais importantes.

Apenas para ilustrar, hipoteticamente e sem a pretensão apresentar como uma nova proposta denominativa, seria retirar do mapeamento icônico das quatro neologias analisadas (tabela 1) o traço “sensação auditiva” e acrescentar articuladores gestuais que especifiquem, no plano linguístico, traços imagéticos distintivos para os conceitos de “amplitude” e “comprimento de onda”, e que sejam capazes de fornecer alguma comparação qualitativa de sua magnitude.

Desta maneira, seriam a configuração de mão apresentada nas figuras 15 e 16, a qual realiza uma transferência de comprimento, onde a distância entre o lócus do polegar e o lócus do indicador representa o comprimento relativo do referente, que metaforicamente possibilita uma comparação da magnitude do conceito denominado. Além disto, a orientação (vertical/horizontal) da configuração de mão especificaria a distinção entre os conceitos cohipônimos de “amplitude” (vertical) e “comprimento de onda” (horizontal).

Com base neste mapeamento ampliado/mapeado, seria possível gerar as denominações gestuais AMPLITUDE-DE-ONDA e COMPRIMENTO-DE-ONDA, as quais poderiam ser flexionadas em grau (tamanho do articulador que especifica a grandeza: mão de apoio dos gestos das figuras 15 e 16) e  aspectualmente, pela variação da intensidade, duração e amplitude do movimento do articulador que transfere a forma senoidal para o plano linguístico (mão dominante dos gestos das figuras 15 e 16) e ainda especificar

Figura 15. flexões de grau e aspecto do hipotético gesto AMPLITUDE-DE-ONDA, capaz de denominar uma onda de amplitude menor (à esq.) do que outra (à dir.), produto de uma adaptação/ampliação do mapeamento da icônico-metafórico da tabela1

 

Figura 16: flexões de grau e aspecto do hipotético gesto COMPRIMENTO-DE-ONDA, capaz de denominar uma onda de comprimento menor (à esq.) do que outra (à dir.), produto de uma adaptação/ampliação do mapeamento da icônico-metafórico da tabela1

 

Desta maneira, inúmeras paráfrases para “som forte”, “som fraco”, “som grave” e “som agudo”, bem como enunciados altamente complexos, poderiam ser criadas por meio de EAI baseadas nesta adaptação do mapeamento das neologias de Almeida (2016) sem a problemática de criar expressões ambíguas e, ainda mais, sem que a iconicidade da forma entre em contradição com o conceito que busca denominar.

 

4. Considerações finais e Perspectivas

Ao longo deste trabalho, a investigação da iconicidade das neologias terminológicas SOM-FORTE, SOM-FRACO, SOM-GRAVE e SOM-AGUDO (Almeida, 2016) mostrou que tal fenômeno, nas mesmas, é estabelecido ao transferir para o plano linguístico os traços de contorno da representação imagética de uma onda prototípica: a senoide.

Contudo, o mapeamento icônico subjacente a estes gestos-termo mostrou-se insuficientemente no estabelecimento de relações icônico-metafóricas, sendo o motivo das identificadas ambiguidades destas neologias, onde o referente icônico evocado pelo significante gestual das mesmas não consegue especificar o conceito para a qual se propôe denominar

Com base em Pischedda (2017), verificamos a existência de similaridades entre as representações imagéticas de fenômenos sonoros de alta intensidade, e sua real manifestação acústica, nas bandas desenhadas. E algumas destas similaridades foram também identificadas no mapeamento icônico subjacente a unidades do léxico comum da LSB, semanticamente relacionadas a fenômenos auditivos.

Desta maneira, uma hipotética adaptação do mapeamento icônico das neologias de Almeida (2016), ao se valer de relações analógicas já estabelecidas em outros domínios para especificar os traços imagéticos associados às características distintivas dos fenômenos físicos relacionados para com a intensidade e altura sonora, se mostrou bastante promissora. Tal mapeamento traz indícios de ser capaz de criar denominações unívocas para o conceito de amplitude (de onda) e comprimento de onda. Além disto, possui a potencialiade teórica de produzir paráfrases subservientes que venham a denominar outros conceitos próximos, imageticamente relacionados

 

Nossos resultados trazem indícios da viabilidade teórica de se utilizar a modelagem de Taub (2001) no ambiente terminológico, não para estudar o processo de constituição da iconicidade em um ambiente natural, mas sim como norteador da criação neológica, em situações de planejamento linguístico. Em tais trabalhos, ao invéz de isoladamente criar denominações icônicas, criar-se-ia um mapeamento icônico com a capacidade de subjazer a uma série de denominações de uma área do domínio de especialidades.

Acreditamos que seria desejável a realização de estudos da iconicidade visual das ilustrações (desenhos, gráficos, fotografias, animações, etc.) que constam nos mais diversos materiais didáticos utilizados na educação básica e superior, possibilitaria identificar as imagens cognitivas mais prototípicas vinculadas a conceitos concretos. E neste mesmo contexto, também seria de grande proveito uma investigação detalhada que identificasse, as operações de transferência mais comuns (ou mais esperadas) dentro de um certo domínio. Também seria de grande interesse a existência de uma classificação, e descrição, das esquematizações cognitiva e culturalmente orientadas passiveis de se realizar, bem como a tipologia dos traços imagéticos passíveis de esquematização, e os articuladores gestuais que uma determinada língua têm disposição para codificar estabelecer relações analógicas de similaridade entre sua forma gestual (visual) e cada categoria das esquematizações imagéticas.

Tais estudos contribuiriam para trabalhos de intervenção linguística, em situações de planejamento, direcionadas na resolução dos vazios terminológicos, no domínio das disciplinas escolares, propiciando ferramentas para a criação, em laboratório, de mapeamentos icônicos altamente produtivos, na medida que forneceriam paramentos metodológicos para a determinação: (a) da imagem do referente, na etapa de seleção, mais prototipicamente relacionada para com o mesmo; (b) da operação de transferência que se deseja realizar; (c) da esquematização imagética, da maneira mais produtiva possível; (d) de seleção dos articuladores que codificarão a esquematização, estabelecendo uma relações analógicas para com a imagem selecionada.

Assim, o alinhamento destes estudos investigativos propiciariam uma maior quantidade de ferramentas semânticas e icônicas que otimizaria as dinâmicas de criação de gestos icônicos com o propósito de denominar conceitos científicos, em que as relações entre forma (significante gestual), referente e significado poderiam ser construídas em um ambiente controlado, com propriedades linguísticas consistentes e produtivas, e para propósitos terminológicos específicos.

 

 

Agradecimentos

O presente trabalho foi realizado com apoio da CAPES, Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Brasil), e da UFMS, Fundação Universidade Federal de Mato Grosso do Sul (Brasil).

 

 

REFERÊNCIAS

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[1] Bolsista da CAPES – Brasil. Email de contacto: tayna.naves@ufms.br

[2] Utilizamos o termo Povo Surdo, conforme a definição de Ströbel (2008)

[3] A obra consiste numa tese de licenciatura em Física (Licenciatura brasileira: curso voltado à formação de professores desta ciência para o ensino secundário), pela Universidade Federal do Pará (UFPA), sob o título “Conceitos básicos de acústica para surdos”. Sob a  perspectiva da terminologia (Cabré, 1999), a obra de Almeida (2016) é um trabalho terminológico monolíngue (português) com equivalências (LSB), pontual e prescritivo, no sentido de que propõe criações neológicas para algumas lacunas denominativas em LSB, para conceitos do domino da Física, da área da mecânica ondulatória, subárea da Acústica.

[4] Nível de licenciatura.

[5] Nível do secundário

[6] Em acústica, altura é diferente de intensidade. Equivale a um certo efeito sensorial causado por sons graves e agudos, os quais se relacionam o comprimento de onda.

[7] Que também possui relação inversamente proporcional para com a frequência da onda (medida em Hertz: Hz)

[8] Considerando as CNTPs (condições normais de temperatura e pressão) e tomando a velocidade do som no ar de 344 m/s, equivale a: (a) lá central do piano; (b) lá uma oitava acima (880hz); (c) lá uma oitava abaixo (220hz)

[9] Linguisticamente, uma diferença da amplitude de um gesto pode representar uma questão aspectual (FINAU, 2004), a qual é uma categoria não-dêitica que marca a duração de um determinado evento ou as fases pelas quais passa, a qual pode ser lexical ou gramatical (Comrie, 1976, apud Silva, 2010, p. 64)

[10] Ou seja, o microfone é um transdutor, no sentido que converte uma informação sonora em uma informação eletrônica.

[11] Isto facilmente poderia ser adicionado, se ao invés de selecionar os traços de contorno, selecionasse as características de posição de um pulso (e não de uma onda) senoidal.

[12] Representação simplificada mais frequente nos livros/manuais de física foco da análise conceitual.

[13] “Sound symbolism”: que, segundo Pischedda (2017), compreende o conjunto de representações sonoras por meio de interjeições, onomatopeias e ideofones: “these  are  words  that  try  to  depict,  capture  and imitate sensory perceptions, in an iconic (i.e. ideophones) but also non-iconic (i.e. interjections) fashion” (Pischedda, 2017, p. 591).

[14] História em quadrinhos, no Brasil.

[15] Em curta metragens de animação (cartoons) como Looney Tunes (início em 1930; produção e distribuição pela Warner Bros. Animation) e Pica-Pau (The Woody Woodpecker Show: início em 1940; produzido pelo estúdio de Walter Lantz e distribuído pela Universal Pictures, em primeira).

[16] Expressões altamente icônicas