Artigo Completo
Um Porto de Duas Faces
João Luz
Escola Superior de Educação do Politécnico do Porto
RESUMO
Porto, uma cidade liberal. Quantos de nós já ouvimos esta expressão? Mito ou realidade? No presente artigo pretendemos verificar quem foram as personalidades que realizaram as manifestações pró-absolutistas e as manifestações pró-liberais dentro dos muros da cidade do Porto, não focando apenas os seus líderes, mas quem participou ativamente nestas manifestações. Ao longo da nossa investigação, verificamos que teve início com a formação do Sinédrio a 1818 e termina com as execuções de 7 de maio de 1829 (Mattoso, 1993). Iremos apresentar diferentes personalidades que se mantiveram fiéis à sua fação ou mudaram consoante as suas necessidades. Para tal foram levantadas algumas questões estruturais, sendo elas: Quem são estes apoiantes? Se sempre apoiaram a mesma fação? De que maneira apoiaram? Que consequências trouxe este episódio da nossa história para estes apoiantes? Com este estudo foi-nos possível cumprir os objetivos que nos propusemos a estudar, verificando que a cidade do Porto não ficou alheia à situação nacional, ou seja, os tumultos realizados ao longo do país, que também tiveram repercussões junto das populações que vivia na Urbe.
Palavras-chave: Porto, Guerra Civil, Absolutismo, Liberalismo.
ABSTRACT
Porto, a liberal city. How many of us have heard this expression? Myth or reality? In this article we intend to verify who were the personalities that carried out the manifestations pro-absolutists and the pro-liberal demonstrations within the walls of the city of Porto, not only focusing on their leaders but also on the ones who actively participated in these demonstrations; to verify if throughout our research, which begins with the formation of the Sanhedrin in 1818 and ends with the executions of May 7th, 1829 (Mattoso, 1993), whether the different personalities remained faithful to the faction or changed according to their needs. To this end, some structural questions were raised, namely: Who were these supporters? Did they always support the same faction? In what way did they support them? What consequences did this historical episode bring to these supporters? With this study it was possible for us to fulfil the aims that we proposed within this study, i.e., to verify that the city of Porto was not alien to the national situation, and that the riots carried out throughout the country also had repercussions among the populations that lived in the Urbe.
Keywords: Oporto, Civil War, Absolutism, Liberalism.
DA FUNDAÇÃO DO SINÉDRIO À PRIMEIRA CONTESTAÇÃO ABSOLUTISTA
Desde 1807, Portugal continental estava sob o governo militar britânico do marechal Beresford, visto que a monarca e a sua corte encontravam-se no Brasil. Deste modo, o primeiro sinal de contestação nacional inicia-se com Gomes Freire de Andrade, quando este foi implicado e acusado de liderar uma conspiração em 1817 contra a monarquia de D. João VI. Este foi detido e condenado à morte pela forca, junto ao Forte de São Julião da Barra, devido ao crime de traição à Pátria, juntamente com onze camaradas(F. Carvalho, 1868).
Motivados pela perseverança de Gomes Freire de Andrade, no dia 22 de janeiro de 1818 é realizado o primeiro jantar de uma instituição que iria mudar o rumo da nação. Este jantar pensa-se que foi realizado na Foz do Douro, visto que seria uma zona mais distante da cidade e, assim, não levantaria quaisquer suspeitas (Araújo, Araújo). Esta pequena instituição, apelidada de Sinédrio tornou-se o fator-chave para libertar Portugal das amarras da tutela estrangeira e do regresso do soberano e da corte do Brasil.
O Sinédrio defendia um governo de matriz liberal em harmonia com os ideais modernos. Esta revolução seria um fracasso, caso não obtivesse o apoio das forças armadas portuguesas. O seu descontentamento era acentuado perante a progressão de carreira dos oficiais ingleses em deterioramento dos oficiais portugueses. Para se juntarem a este movimento foram convidados, apenas os chefes militares mais influentes das várias unidades do Norte, tal como disse Xavier de Araújo nas suas memórias: foi excluída a possibilidade de ingressar sargentos ou praças pois isto seria uma porta aberta para a indisciplina (cf. Araújo, Araújo).
Corria o ano de 1817 e Manuel Fernandes Tomás fora transferido de Coimbra para o Porto para ocupar o cargo de juiz desembargado da Relação do Porto. Nessa cidade entrou em contato com homens notáveis de grande influência para as gentes da cidade, sendo eles: Jozé Ferreira Borges, advogado da mesma instituição, José da Silva Carvalho, juiz dos órfãos, e João Ferreira Viana, importante comerciante da cidade do Porto (Ramos, 1983-1984, pp. 131-142).
Em 1818, concordaram em expandir a sua associação, convidando personalidades de renome da cidade para pertencerem à mesma. Ingressando, assim, no Sinédrio: Duarte Lessa (comerciante), José Pereira de Menezes (juiz), Francisco Gomes da Silva (médico), João da Cunha Sotto-Maior (magistrado), José Maria Lopes Carneiro (comerciante), José Gonçalves dos Santos Silva (comerciante), José Maria Xavier de Araújo (magistrado), José de Melo e Castro Abreu (militar), Bernardo Corrêa de Castro e Sepúlveda (militar), sendo que este só ingressou no Sinédrio a 19 de agosto de 1820, Sebastião Drago Valente de Brito Cabreira (militar), Manuel Inácio Martins Pamplona Corte Real (militar), Luís Vaz Pereira Pinto Guedes (militar) e o Doutor Frei Francisco de São Luís Saraiva (lente da Universidade de Coimbra) (Araújo, Araújo).
Nos anos seguintes, os membros do Sinédrio executam uma afincada propaganda, especialmente junto do exército. Um dos elementos a quem o Sinédrio executou uma propaganda mais ativa foi ao governo espanhol. Deste modo, o embaixador D. José Maria Pando deslocou-se propositadamente à cidade do Porto, jurando o auxílio por parte do governo de Espanha, através de gente e dinheiro com a condição que se realizasse uma União Ibérica, algo que já vinha a ser pensado pelas lojas maçónicas de Espanha e algumas de Portugal (Cesar, 1920, pp. 433-452).
Porém, Manuel Fernandes Tomás, Jozé Ferreira Borges e Francisco Gomes da Silva reuniram-se com o embaixador espanhol, que acabaram por recusar a proposta, uma vez que, nenhuma ajuda iria ser recebida com um custo tão alto para a independência da pátria.
No alvorecer de 24 de agosto de 1820, o Coronel Sebastião Drago Valente de Brito Cabreira agrupou todos os elementos que compunham o Regimento de Artilharia 4 no Campo de Santo Ovídio (atual Praça da República), na qual o Capelão do Regimento de Artilheira 4, celebrou uma homilia, e no final desta foi efetuada uma salva de vinte e um tiros. Sincronizado com este aparato o Tenente-Coronel Domingos António Gil de Figueiredo Sarmento e o Coronel Bernardo Correia de Castro e Sepúlveda seguem com o Regimento de Infantaria 6 e 18 para o mesmo local (Araújo, 2006).
Figura 1 - “A Tropa ouvindo primeiro a missa na praça da regeneração em 24 de agosto de 1820” (Mattoso, 1993)
De frente para a Câmara Municipal é formado um quadrado, com os efetivos das unidades de Infantaria na lateral e a Artilheira no centro. Neste aparato militar existiu uma maior presença popular. Na sala da Câmara reuniram-se os diferentes poderes da cidade presentes para a discussão sobre o rumo que o país deveria de tomar, estando presente D. João de Magalhães e Avelar, Bispo do Porto, o Marechal de Campo Filipe Sousa Canavarro, Governador das Armas da Cidade, Ayres Pinto de Sousa, Governador das Justiças da Relação e da Casa do Porto(Cesar, 1920, pp. 433-452). Assim, foram emitidas diretrizes às autoridades militares e civis e às províncias que se alistaram ao pronunciamento militar. E ainda, foi criado um tesouro público na cidade do Porto. Revela-se fundamental referir que toda esta movimentação militar ocorreu sem derramamento de sangue.
Figura 2 - “Praça da constituição aonde no mesmo dia concorreo a tropa, nobreza e povo a dar o juramento de se unirem na regeneração de Portugal convocando novas côrtes” (Mattoso, 1993)
Após a consolidação do pronunciamento militar na cidade do Porto, as forças revolucionárias iniciam o seu percurso em direção à cidade de Coimbra e entram a 15 de setembro na cidade de Lisboa.
No dia 11 de novembro de 1820 (dia de São Martinho) eclode, na praça do Rossio, a Martinhada, que foi uma concentração de várias unidades militares, civis e líderes do movimento vintista. Este movimento opôs duas fações: uma composta por personalidades conservadoras, absolutistas, liberais radicais e militares, liderada por Gaspar Teixeira de Magalhães e Lacerda, João Alves, juiz do Povo da cidade de Lisboa (cf. Carvalho,1820) e presidente da Casa dos Vinte e Quatro, Sebastião Drago Valente de Brito Cabreira, António da Silveira Pinto da Fonseca, Joaquim Teles Jordão e Bernardo de Sá Nogueira (cf. Mattoso, 1993) pretendiam adotar a convocação de cortes, similar à Constituição de Cádis (1812), porém adaptado ao caso português; uma outra fação que integrava liberais moderados, maioritariamente dos órgãos dirigentes, José da Silva Carvalho, Frei Francisco de São Luís Saraiva, Manuel Fernandes Tomás e José Joaquim Ferreira de Moura que eram os membros mais ativos do governo (Brito, 2015).
Devido à resposta imediata dos dirigentes liberais, de vários comandantes militares, da Maçonaria, de burgueses e da imprensa, este movimento acabou por ser suprimido no dia 17 de novembro, tendo como desfecho o afastamento definitivo dos revoltosos sob o comando de Gaspar Lacerda. Por conseguinte, São Luís Saraiva e os restantes companheiros retornam ao governo e veem os seus poderes aumentados.
A Proclamação da Independência do Brasil a 7 de setembro de 1822 foi um fator de rutura, tanto para a economia como para a confiança de muitos cidadãos no sistema político em vigor, por esse motivo verificou-se alguma turbulência a nível ideológico.
A partir deste momento observaram-se algumas movimentações ideológicas. A primeira ocorreu na cidade de Chaves, Trás-os-Montes, no dia 23 de fevereiro de 1823, momento em que é realizado um pronunciamento militar liderado por Manuel da Silveira Pinto da Fonseca Teixeira, 2º Conde de Amarante, juntamente com forças militares que foram afastados após o término da Martinhada (Brito, 2015), proclamando a monarquia absoluta na cidade de Chaves. A notícia desta revolta chega à cidade do Porto no dia 25 de fevereiro e, neste mesmo dia, a Câmara Constitucional apressou-se em pagar os soldos em atraso aos militares estacionados no Porto. Para tal, foi necessário recorrer ao fundo público (criado com a revolta de 24 de Agosto) e, até mesmo, a empréstimos particulares.
Quando chegou a notícia da contrarrevolução à cidade do Porto, o Visconde de Balsemão, Luís Máximo Alfredo Pinto de Sousa Coutinho e o seu filho, João Ribeiro Viana, e os agentes do 2º Conde de Marante na cidade do Porto, Domingos Pedro da Silva Souto e Freitas, José Joaquim de Carvalho e José Luiz Monteiro, receberam a ordem para saírem da cidade. Deste modo, começamos a ver uma movimentação ideológica, e a identificar os primeiros absolutistas residentes na cidade do Porto (Cardoso, 2006, pp. 239-280).
A VILA-FRANCADA E AS SUAS REPERCUSSÕES
A 27 de maio de 1823, em Vila Franca de Xira, o infante D. Miguel incentivado por sua mãe a Rainha D. Carlota Joaquina de Bourbon, proclama a restauração do regime absoluto no país, com o apoio de um regimento de infantaria que se dirigiu para a linha fronteiriça de Almeida. Este movimento militar ficou conhecido como a Vila-Francada, tendo sido proclamada a monarquia absoluta. É seguro apontar que tanto o Infante como a Rainha pretendiam que o monarca D. João VI abdicasse, pois este mantinha-se fiel à Constituição que haveria jurado (Carvalho,1868). Este pronunciamento militar deu continuidade ao primeiro passo dado pelo conde de Amarante. Nos dias anteriores ao pronunciamento militar chefiado pelo Infante D. Miguel, na cidade do Porto os seus apoiantes haveriam estabelecido um plano de contingência, que visava na possibilidade de a cidade do Porto oferecer abrigo ao Infante e às suas tropas (Dias, 1896a).
Os defensores do liberalismo estavam de mãos atadas com o sucedido, o mesmo não podemos dizer dos apoiantes do absolutismo, que face às notícias sobre a proclamação da Vila-Francada, proporcionaram uma nova tentativa de proclamação do absolutismo na cidade do Porto (Cardoso, 2006, pp. 239-280). Este movimento foi liderado por Alvaro Leite Perco a de Mello e Alvim, Gonçalo Cristóvão Coelho, Francisco de Sousa Cirne, José de Melo Peixoto Coelho, Pedro Teixeira de Melo, Fernando Homem Carneiro de Vasconcelos Pereira Leite, Francisco Pinto Peixoto, Manuel Guedes, Pedro Leite Pereira de Melo, João Ribeiro Viana e João de Mello da Cunha Sotto-Maior.
Apesar dos esforços realizados, faltava-lhes o apoio das forças militares. A Guarda Real do Porto e a maioria do Regimento de Infantaria 22 eram simpatizantes da fação absolutista, enquanto a milícia de Aveiro comandada por Manuel Joaquim de Melo Brandão, a milícia da Feira comandada por António Ferreira Carneiro de Vasconcelos, a milícia Oliveira de Azeméis comandada por Francisco Correia de Mello Osório e a milícia do Porto comandada por D. António de Amorim que apesar de absolutista declarados temiam a reação de D. João VI, uma vez que a posição deste poderia não ser concordante com a do Infante D. Miguel (Cardoso, 2006, pp. 239-280). Todavia, a 30 de maio de 1823 o monarca dirigiu-se a Vila Franca de Xira para reunir com seu filho, anunciando, assim, à nação a sua adesão ao retorno do absolutismo.
Com o retorno do governo absolutista, os cargos de chefia foram alterados. Sebastião Correia de Sá fora designado para o cargo de Chanceler da Relação e da Casa do Porto. Outra personalidade que podemos indicar é Ayres Pinto de Sousa. A este foi-lhe restituído o cargo de Governador da Justiça, cargo que haver-lhe-ia ter sido retirado com a revolução de 24 de Agosto. Não obstante, este viu os seus poderes serem aumentados pelo monarca. Deu ordem a todos os seus ministérios territoriais, que procurassem todos os liberais e que lhes instaurarem processos, e se possível prendê-los e enviá-los para a cadeia da Relação do Porto, para aí serem julgados (Dias, 1896a).
Consequentemente, todos os partidários ou simpatizantes do liberalismo foram perseguidos, provocando a fuga de alguns liberais para a Ilha Terceira do Arquipélago dos Açores, como podemos verificar na seguinte citação: “O desembarque de deportados, decerto muitos maçónicos, principalmente na ilha Terceira, nos princípios da segunda década de oitocentos, constituiu um fermento de ideias liberais que agitou, de forma quase diríamos cosmopolita, o pacato meio insular” (Gouveia, 2010, pp. 59-61).
Nem todos os liberais saíram da cidade ou estavam encarcerados na Cadeia da Relação do Porto. Alguns deles eram vigiados bem de perto como é o caso de: João do Santos Mendes, João da Rocha Moreira, Francisco António Pamplona Moniz, José Perestrello Marinho, um abade de Creixomil e Luiz Martinelli. A casa de João Correia de Faria era assaltada regularmente pela polícia, o burguês Thadeu António de Faria era chamado com regularidade por parte da polícia, bem como António da Costa Paiva, José Pereira da Silva Messeder, e Domingos António Faria (Cardoso, 2006, pp. 239-280), tendo como principal argumento a conspiração.
Em Lisboa, na noite de 30 de abril de 1824, eclode um golpe de estado apelidado de Abrilada, liderado por D. Miguel tem como objetivo destronar o seu pai, o rei D. João VI. Assim sendo, D. Miguel cercou o monarca no Paço da Bemposta e ordenou uma série de prisões que tinha em vista “esmagar de uma vez a cáfila dos pedreiros-livres” (Cardoso, 2006, pp. 239-280).
O monarca recorreu ao embaixador francês Jean-Guillaume Hyde de Neuville que, mais tarde, viria a ser agraciado com o título de 1º conde da Bemposta (13 de Maio de 1824), para mover as suas forças diplomáticas com o fim de assegurar uma negociação pacífica entre o monarca e o seu filho. Dado que as primeiras tentativas de negociações falharam redondamente, o monarca retira-se para uma nau inglesa, apelidada de Windsor-Castle, que se encontrava estacionada no Tejo.
A 9 de Maio, retoma novamente as negociações, com as quais D. João VI destitui o seu filho do comando do exército nacional, ordena a libertação de todas os encarceramentos realizados ao longo daqueles dias, manda prender todos os líderes da revolta, à exceção de D. Miguel que se auto-exila na Áustria. D. João VI sobrevive a mais uma tentativa de usurpação do trono, e volta ao modelo governativo de 23 de fevereiro de 1823.
Após o falecimento de D. João VI a 10 de março de 1826, D. Miguel regressa do seu exílio em Viena, a pedido do príncipe herdeiro D. Pedro IV. Outorga a Carta Constitucional a 29 de abril de 1826 e abdica do trono a 2 de maio, em favor da sua filha D. Maria da Glória. Esta deveria casar-se com o seu tio D. Miguel, assim que atingisse a maioridade. Assim, a regência do trono português estava entregue à infanta D. Isabel Maria até que a futura D. Maria II subisse ao trono (Bonifácio, 2004, pp. 519-545).
No dia 24 de julho, D. Isabel Maria ordena que a Carta Constitucional seja jurada no dia 31 do mesmo mês. Contudo, desde o dia 22 de julho registaram-se diversos levantamentos por todo o território nacional contra a regência de D. Isabel Maria. Para controlar estes levantamentos, o recém-nomeado Ministro da Guerra João Carlos de Saldanha Oliveira e Daun, atribui o seu antigo posto de governador das armas do Porto a Tomás Guilherme Stubbs.
Nesta época bastante conturbada, os tumultos (Bonifácio, 2004, pp. 519-545) tornaram-se parte integrante do quotidiano (Valente, 1995, pp. 631-651). Uma das tentativas de tomar a cidade do Porto para a fação absolutista, foi financiada por Fernando VII de Espanha que atribuía 920 000 reais (Valente, 1995, pp. 631-651) e ordenou que devolvessem as armas e as munições aprendidas e que fossem entregues ao Marquês de Chaves, Montalegre e a Madureira Lobo. Estes deviam de reunir as suas forças no Norte, ocupar Trás-os-Montes e dirigir-se para o Minho e, posteriormente, para o Porto.
Estes tumultos só conheceram algum sossego quando D. Miguel chega a Lisboa, vindo da Corte de Viena de Áustria, em 1827. Este aceitou tudo o que lhe propuseram e até mesmo jurar a carta constitucional. D. Pedro nomeia seu irmão para o posto de lugar-tenente, em julho de 1827.
No dia 25 de abril de 1828, o Senado da Câmara aclama D. Miguel como rei absoluto e, a notícia de tal aclamação só chega à cidade do Porto no dia 27 de abril. Os apoiantes absolutistas na cidade do Porto, indignados por não estarem na dianteira do movimento, convocam uma sessão extraordinária nos Paços Municipais no dia 29 de abril, com a presença de elementos do clero, autoridades militares, nobreza, Governo da Cidade, os representantes do povo, e os mestres da Casa dos Vinte e Quatro (Cardoso, 2006, pp. 239-280).
A 29 de abril de 1828 é emanada uma Ata de Vereação que conta com novecentas e quarenta e oito assinaturas, destacando os seguintes nomes: José Bento da Rocha e Mello, Sebastião Leme Vieira e Mello, Henriques Carlos Freire Andrade Coutinho Bandeira, José de Mello Peixoto Coelho, Alvaro Leite Pereira de Mello e Alvim, José Correia Maia, D. João Magalhães e Avelar Bispo do Porto, Ayres Pinto Sousa governador das justiças, Gabriel António Franco de Castro, governador das armas da cidade do Porto.
Devido à assinatura desta Ata de Vereação, ocorreram ao longo da cidade do Porto pequenas revoltas pro-liberais, todavia, sem efeito. Estas revoltas sofreram novo impulso quando D. Miguel substitui o Governador de Armas da cidade a 10 de março de 1828. A maior revolta registada nesse período foi a de 16 de maio de 1828 quando o Regimento de Infantaria 10 e o desembargador Joaquim José de Queiroz proclamam na cidade de Aveiro a Carta Constitucional (Cardoso, 2006, pp. 239-280). Após a prisão do Governador de Armas e o Juiz de fora da referida cidade, os revoltosos dirigem-se à cidade do Porto.
A notícia do que se sucedera na cidade de Aveiro chega rapidamente à cidade do Porto (Dias, 1896c, p. 173). Na chegada ao Porto, o Regimento de Infantaria 6 sai à rua no início da tarde tocando o hino da Carta Constitucional, dando vivas a D. Pedro IV e a D. Maria II. Este percurso do Regimento de Infantaria 6 começou na Rua dos Quartéis (atualmente rua D. Manuel II), passando pela atual rua dos Mártires da Liberdade em direção ao Campo de Santo Ovídeo (atualmente Praça da República).
Ao chegar ao Campo de Santo Ovídeo o povo começa a questionar o que se sucedera e o comandante do Regimento de Infantaria 18 manda fechar as portas do quartel, impedindo a entrada dos revoltosos ou a saída dos membros do seu regimento (Dias, 1896b, p. 173 ).
O Coronel Francisco José Pereira do Regimento de Infantaria 6, observando o sucedido, colocou o seu regimento à frente do quartel, juntamente com o Batalhão de Caçadores 10 e dá novamente vivas. Aí o povo corrobora estas entoações tal como o regimento aquartelado. Neste pronunciamento podemos enumerar nomes como: Silva Berros, o médico Carlos Vieira de Figueiredo, António José de Freitas e António Mêna de Carvalho. Consequentemente, foi criada uma Junta Governativa com os elementos que haveria participado na revolta de 16 de maio.
DA BELFASTADA AO MÁRTIRES DA PÁTRIA
No final de junho podemos observar o desembarque de exilados na costa de Matosinhos que se tinham refugiado em Inglaterra, aquando a aclamação de D. Miguel. Realiza-se uma reunião na casa de António Bernardo Brito e Cunha, para definirem as diretrizes que a Junta Governativa deveria de tomar. O Marechal Saldanha e o Marquês de Palmela comparecem a esta reunião, uma vez que estas duas partes não conseguirem assegurar uma gestão saudável da revolta (Faria, 2016, pp. 271-292).
Na noite de 2 de julho de 1828, a Junta Provisória que chefiou a revolta de 16 de maio é dada como insustentável e é dissolvida. Os líderes refugiam-se durante a noite no navio Belfast, oriundo de Inglaterra, tendo como objetivo dirigir-se à cidade do Porto, a fim de dar abrigo aos revoltosos, onde já se encontrava um número considerável de emigrados Portugueses (Bonifácio, 2004, pp. 519-545). Na madrugada do dia seguinte, o dito vapor saí da barra do Porto.
No campo de Santo Ovídeo reuniram-se as tropas constitucionais e alguns populares, uns mais ligados ao movimento revolucionário do que outros, que temiam pela sua segurança. Por essa mesma razão, decidiram deixar a cidade pela estrada de Santo Tirso em direção à Galiza.
Após a entrada das tropas absolutistas na cidade do Porto, D. Miguel dá a ordem a 14 de julho de 1828 para a criação da Alçada. A Alçada deveria de se dirigir à cidade do Porto e julgar todos os aliados à revolta de 16 de maio, a fim de encontrar, prender, julgar e executar os responsáveis do horroroso crime de rebelião cometido nesta cidade (cf. Dias, 1896a).
A Alçada possuía várias regalias, entre elas, não estava sobre a jurisdição de Ayres Pinto de Sousa, Governador das Justiças da cidade do Porto. Apesar desta Alçada ter poderes ilimitados para fazer justiça sobre os revoltosos do dia 16 de maio, esta não correspondia nem às expectativas criadas pelo Governador das Justiças da cidade do Porto, nem às expectativas da Capital, visto que, os processos, que deveriam ser sumários, eram bastante demorados. A insatisfação entre os mais altos cargos da nação era crescente, uma vez que em cinco meses nem uma condenação haveria sido feita, e o número de encarcerados não parava de aumentar, chegando a atingir os mil encarcerados, em março de 1829, na atual Cadeia da Relação do Porto.
A pressão feita por D. Miguel era enorme para se chegar a algumas condenações. Assim, no dia 4 de maio de 1829, entraram no Oratório da Cadeia da Relação do Porto, os seguintes condenados à forca: António Bernardo de Brito e Cunha, Bernardo Francisco Pinheiro, Clemente da Silva Melo Soares de Freitas, Francisco Manuel Gravito da Veiga e Lima, Francisco Silvério de Carvalho Magalhães Serrão, Joaquim Manuel da Fonseca Lobo, José António de Oliveira
Silva e Barros, José Maria Martiniano da Fonseca, Manuel Luís Nogueira e Vitorino Teles de Meneses e Vasconcelos (Carvalho,1868), na qual as suas cabeças foram separadas do corpo e colocadas sobre estacas em diversos locais. No dia 9 de outubro de 1829, Clemente de Moraes Sarmento e João Henriques Ferreira Júnior haveriam de ter a mesma sentença que os seus companheiros.
No dia 6 de maio, corre a notícia do que iria se passar na manhã seguinte e a população portuense. Nessa mesma tarde várias pessoas juntam-se nas proximidades da Cadeia da Relação, vestidas de preto para transmitirem os seus sentimentos pela decisão tomada.
No dia 7 de maio, por volta das dez da manhã, inicia-se o cortejo dos condenados acima referidos, entre a Cadeia da Relação e a Praça Nova. Os condenados aos açoitamentos assistiam aos enforcamentos e, posteriormente davam três voltas às duas forcas levantadas propositadamente para a ocasião. Nestas forcas estavam os carrascos João Branco e um outro que haveria sido enviado de Lisboa (Silva, 2019).
Na dianteira do Cortejo dos enforcados seguia a cavalaria com farda de gala, a ladear a Infantaria e outros guardas, de baioneta calada. Na retaguarda seguiam os oficiais de justiça, envoltos no negro das suas capas tradicionais, e a fechar os irmãos da Misericórdia, de balandraus e com a bandeira da sua Ordem. Sensivelmente perto da 13h00m da tarde as execuções teriam já terminado. Após os cadáveres serem decapitados e as cabeças expostas em estacas nas cidades do Porto, Aveiro, Coimbra e Matosinhos, os corpos foram transportados para o Andro dos Enforcados (atual Urgências do Hospital de Santo António) pelos irmãos da Misericórdia, onde os corpos ficariam depositados e as cabeças destes seriam expostas no lugar de residência dos mesmos.
A TERMINAR
Ao período estudado podemos comprovar várias mudanças de regime, na cidade do Porto. Podemos concluir que a cidade do Porto é maioritariamente uma cidade de cariz liberal. Contudo, nunca deve de ser perdida a memória, tanto dos elementos que fomentaram este cariz mais liberal, como não devem de ser esquecidos os intervenientes da fação absolutista que contribuíram para a permanência da sua ideologia. O Porto não é uma cidade inteiramente liberal. É uma cidade onde poderíamos observar duas correntes ideológicas antagónicas.
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