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Robot confidente: brincar aos valores na infância

Tânia Silva

Associação de Pais e Amigos do Infantário e Jardim de Infância Dr. Leonardo Coimbra Filho

Ana Pinheiro

Escola Superior de Educação de Paula Frassinetti / CEDH-UCP - Centro de Estudos em

Desenvolvimento Humano / CIPAF - Centro de Investigação de Paula Frassinetti

RESUMO

Este trabalho relata a utilização de robots com crianças entre os 4 e os 8 anos. O objetivo principal desta investigação é perceber de que forma os valores e as aprendizagens podem ser trabalhados com o recurso aos brinquedos programáveis e ainda potenciar o desenvolvimento de competências colaborativas, ajudando a construir cidadãos mais integrados. Foi utilizada uma metodologia qualitativa, na qual as observações e as reflexões sistemáticas foram determinantes para perceber o impacto das 18 intervenções. Percebemos que as crianças mudaram comportamentos no que diz respeito à sua relação com o outro, percepção do erro e resolução de problemas.

Palavras-chave: robótica, valores, aprendizagem, infância, tecnologia

ABSTRACT

This work reports the use of two different robots with children from 4 to 8 years old. The main aim was to help children cope with values and to develop skills related to the way they interact with each other. These toys promoted child development towards relationships and as we intended to provide the construction of more integrated and transforming citizens of society. We used a qualitative methodology in which observation records and reflections were crucial to perceive the impact of the 18 interventions performed. We realised that children have changed their behaviour in what concerns relationships, error awareness and problem solving.

Keywords: robotics, values, learning, childhood, technology

 

INTRODUÇÃO

No século XXI, as competências a desenvolver nas crianças mudaram e com elas a aquisição do conhecimento na utilização da robótica. A atualidade assim o exige. É emergente percebermos a necessidade de nos tornarmos melhores cidadãos, verdadeiramente integrados e motores da nossa própria transformação. É fundamental trabalhar com as crianças, desde tenra idade, os valores e o respeito pela diferença. É necessário, também, que o Educador compreenda a mudança e a evolução dos tempos, adotando uma postura de investigador, para poder apoiar e orientar as crianças na sua aprendizagem.

Quando as crianças têm a oportunidade de trabalhar com tecnologia, com robôs e com brinquedos programáveis podem fazer com que a educação seja “mais produtiva, relevante e interessante para estudantes de todas as idades” (Armstrong & Casement, 2001, p. 14), uma vez que com o uso de diversos recursos tecnológicos, as crianças ficam motivadas para aprender e, além disso, os “horizontes intelectuais não mais estarão limitados aos recursos da sua escola ou ao conhecimento dos seus professores” (idem).

O processo de formação pessoal de um indivíduo, ou seja, o desenvolvimento das suas potencialidades e tendências, deve ser orientado por outras pessoas que o ajudem a descobrir e a desenvolver tais capacidades. Desta forma, a educação é um processo dinâmico, que implica a interação de vários agentes educativos, ou seja, a escola é o segundo agente de socialização em que a intencionalidade educativa é orientar o aluno no seu processo de ensino-aprendizagem, mas, também, torná-lo um indivíduo capaz de se adaptar à sociedade transformando-a, na medida em que esta se encontra em constante mudança. A educação implica a comunicação e a interação entre o sujeito e o meio social. Deste modo, podemos constatar que a educação pode ser um processo de socialização em que “garante a adaptação do indivíduo às normas sociais vigentes” (Gonçalves, 2006, p. 103), uma vez que o indivíduo integra-se na sociedade tal como ela é e os profissionais promovem aprendizagens dos valores da mesma. Pode ser vista como um meio de transformação social, “promovendo a modificação da cultura vigente, contribuindo para o progresso” (Gonçalves, 2006, 103). A educação também pode ser vista como um processo de socialização e como meio de transformação social, na medida em que existe uma complementaridade entre o que envolve o indivíduo e as suas próprias conceções, pensamentos e crenças, isto é, partindo das regras do meio social, o educador e o professor fazem com que a criança construam pensamento próprio e, ao mesmo tempo, contribua para uma transformação social. Podemos, assim, afirmar que a escola é um sistema aberto, dado que “desenvolve uma relação bilateral com outros sistemas – social, político, económico, religioso -. de tal forma que pode ser considerado simultaneamente produto e produtor da realidade sócio-cultural envolvente” (Gonçalves, 2006, p. 103).

O professor não será substituído por qualquer “máquina cognitiva, mas que se torna necessário aproximar o professor dos conhecimentos e destrezas tecnológicas” (Gates citado por Castilho, 2003, p. 14), ou seja, o educador e o professor têm de ter um papel investigativo e em constante aprendizagem, na medida em que estes devem habituar-se à utilização da tecnologia, de modo a selecionarem ferramentas para potenciar a aprendizagem e, ao mesmo tempo, que privilegiem o “pensamento humano, mais concretamente o pensamento do aluno, do professor e a qualidade de interacção entre ambos” (Castilho, 2003, p. 13). Neste sentido, percebemos que, nos tempos atuais, a interação é realizada através da comunicação e que, deste modo, esta é crucial, dado que “é uma das principais características das tecnologias de informação e de comunicação, dando origem a uma nova forma de comunicação” (Castilho, 2003, p. 13).

É neste contexto comunicacional que o objetivo principal desta investigação se integra querendo perceber de que forma os valores e as aprendizagens podem ser explorados com o recurso à robótica e aos brinquedos programáveis. Utiliza-se uma estratégia descritiva da intervenção educativa ao longo de dois anos em dois contextos diferenciados: a Educação Pré-Escolar (EPE) e o 1.º Ciclo do Ensino Básico (CEB).

Com este trabalho pretendemos desenvolver e consciencializar os alunos para os valores através da robótica e que aprendizagens são realizadas pelos mesmos. Assim, poderemos analisar os impactos destas práticas nos alunos, de forma a consciêncializá-los para a construção de um cidadão integrante e transformador da sociedade.

1.EDUCAÇÃO E VALORES

 O progresso dos meios de comunicação social fazem com que as pessoas tenham a “oportunidade de se dedicarem a cultivar os valores da inteligência, da vontade, da cultura, além daqueles valores éticos e morais” (Virães, 2013, p. 34). Deste modo, salienta-se que a educação dos valores é “um processo que mantém relação direta com os aspectos especificamente humanos do indivíduo” (Virães, 2013, p. 34), já que o ato de educar é apoiar o desenvolvimento de cada criança e esta, à posteriori, educa-se “à medida que se torna consciente de si mesma e responsável por si mesma” (Virães, 2013, p. 34). Trabalhar os valores potencia a relação com o outro, no respeito para com a diferença e o respeito para com o outro. Os alunos sentem-se incluídos e integrados. Por este motivo, o papel do professor é importante para “criar condições e organizar o processo de ensino aprendizagem de forma a que o aluno tenha a possibilidade de atingir o sucesso” (Cruz, 2010, p. 31).

A escola é o espaço primordial e privilegiado de socialização, dado que é nesta que as crianças iniciam esse processo. Deste modo, é na infância que as crianças se constroem socialmente, “nas experiências quotidianas em que elas se inserem, jogam e negoceiam discursivamente posições subjectivas impregnadas por relações de género, idade, classe social e poder” (Ferreira, 2004, p. 19). Além disso, é na infância e na adolescência que se inicia a interação entre o sujeito e a sociedade e, por isso, é que a escola desempenha um papel tão decisivo e crucial. Para isso, é necessário que se promovam, ao longo do seu dia a dia, situações em que sejam utilizados o diálogo e a participação, pois permitem que “as relações sociais tornem-se a base aonde se apoiarão o desenvolvimento psicossocial e humano das crianças” (Virães, 2013, p. 32).

De forma a que as crianças reconheçam os valores, é necessário que estes estejam subjacentes à prática do educador e o modo como os implementa e concretiza no seu dia a dia, permitem que o Jardim de Infância seja um espaço social e relacional. Sendo assim, o adulto, ao demonstrar atitudes de “tolerância, cooperação, partilha, sensibilidade, respeito, justiça, etc.” (Silva et al., 2016, p. 33), às crianças e aos outros profissionais e pais, contribui para que estes conheçam a importância destes valores anteriormente referidos, assim como se apropriem deles.

No que diz respeito à criança, enquanto ser singular, sociocultural e sujeito com direitos e valores próprios para a sua aprendizagem, é um agente e um ator social, que assume a “tomada do seu direito à palavra” (Ferreira, 2004, p. 21). Nesta relação social e interação pessoal umas com as outras, as crianças são capazes de “descrever as suas vidas tal como são vividas nos mais diversos espaços, atividades, situações e relações” (Ferreira, 2004, p. 33).

As crianças que necessitem de medidas educativas específicas, sejam universais, seletivas ou adicionais, devem ser incluídas nas escolas, como também na sociedade e, por isso, parte do professor “desconstruir alguns (...) mitos e juízos de valor, perpetuando o reconhecimento das diferenças e introduzindo na sociedade o direito à diferença” (Marchesi, 2002 citado por Macedo, 2013, p. 44). Para além disso, é de salientar que as crianças com medidas educativas, têm os mesmos direitos e deveres, assim como “têm o direito de ser tratadas com respeito e dignidade e de serem valorizadas as suas potencialidades e não só as suas limitações. E, sobretudo, terem direito à sua identidade” (Macedo, 2013, p. 44). São também estes valores que iremos trabalhar ao longo deste estudo, dado que, diariamente, estamos perante a diferença, uma vez que as “limitações não definem a essência humana, todos somos diferentes e é essa diversidade que nos enriquece” (Macedo, 2013, p.44). Por este motivo, é necessário que a escola proporcione condições de desenvolvimento, a oportunidade à educação e a experiências sociais, de modo a que sejam visíveis numa sociedade livre e democrática. Acreditamos que o respeito pela diferença deve fazer parte do conjunto de valores a serem trabalhados com os alunos. Por essa razão, na escola devem-se criar oportunidades de forma a “proporcionar às pessoas com necessidades especiais as condições de desenvolvimento, de interacção, de educação, de emprego e de experiência social (Nirjke, 1969 citado por Rodrigues, 2001, p. 23). Tendo em conta a diversidade de crianças que integra uma sala de aula, é necessário que o adulto tenha consciência de praticar a diferenciação pedagógica para que os ritmos de aprendizagem sejam respeitados e que todas se sintam integradas dentro desse espaço de aprendizagem. A diversidade da sala de aula deverá ser considerada um “recurso e um valor para a educação” (Martins, 2014, p. 19). Deste modo, a vinculação entre os valores e a educação é determinante para as crianças, na medida em que estes estão integrados na problemática da ação educativa. Os valores são considerados o foco central na educação, uma vez que ocupam um lugar privilegiado na “realização da pessoa e no desenvolvimento da personalidade humana” (Virães, 2013, p. 34). Assim sendo, a sociedade encontra-se em constante transformação e a educação em valores torna-se decisiva no desenvolvimento do sujeito para o futuro.

2. A ROBÓTICA NA EDUCAÇÃO

 A tecnologia é um recurso que diariamente faz parte da vida das crianças. Utilizam-na em “momentos de lazer” (Silva et al., 2016, p. 93), como por exemplo, com brinquedos tecnológicos, os computadores, os tablets, os smartphones, a televisão, os robôs, entre outros; por outro lado, os recursos tecnológicos estão incluídos no seu quotidiano, como é o caso da “batedeira elétrica, aquecedor, secador de cabelo, código de barras, lanternas, etc. (Silva et al., 2016, p. 93).

Na EPE, os recursos tecnológicos são utilizados no jogo simbólico, uma vez que “a criança faz de conta que fala ao telefone ou ao telemóvel, utiliza um objeto para fazer de caixa registadora numa situação de supermercado ou para fingir que tira fotocópias” (Silva et al., 2016, p. 93). Um dos recursos tecnológicos mais comum numa sala de jardim-de-infância é o computador, sendo que este é pertinente para que as crianças possam explorá-lo, realizarem pesquisas, manuseá-lo e principalmente para aprenderem e compreenderem a sua função, de forma a potenciar “aprendizagens, não só no âmbito do conhecimento do mundo, como também nas linguagens artísticas, na linguagem escrita, na matemática, etc.” (Silva et al., 2016, p. 93). A utilização deste recurso tecnológico deve ser uma atividade permanente, uma vez que desenvolve o “pensamento computacional, através da possibilidade de resolver problemas do mundo real de forma criativa, não se centrando apenas na programação, mas principalmente nos aspetos de conceção, planificação e implementação, necessários ao desenvolvimento de um determinado projeto” (DGE, 2015, p. 4). Também é fulcral que a criança entenda que a descoberta não tem limite e que, “através do computador (...) pode manipular o passado, o presente e o futuro, descobrir aquilo que já foi descoberto e aderir ao desconhecido, na virtualidade de um saber em construção” (Castilho, 2003, p. 14).

O papel das tecnologias é importante na vida diária das crianças, dado que estas “exercem uma forte atração” (Silva et al., 2016, p. 93), por ser novidade e por alguns recursos terem formatos que apelam à atenção da mesma, no entanto, a criança deve ser apoiada por um adulto para “fazer uma “leitura crítica” dessa influência, a compreender as suas potencialidades e riscos e a saber defender-se deles” (Silva et al., 2016, p. 93), por isso é que o apoio do adulto é fundamental para o uso das tecnologias, na medida em que ajuda a criança na compreensão das potencialidades e riscos destas. Assim, para que a criança compreenda os meios tecnológicos, é necessário que esta “não seja apenas consumidora (consultar, ver filmes, etc.), mas também produtora (fotografar, registar, comandar, etc.), alargando, deste modo, os seus conhecimentos e perspetivas sobre a realidade” (Silva et al., 2016, p. 93).

Quer na EPE, quer no 1.º CEB, as tecnologias são importantes na perspetiva transversal, na medida em que esta área pode ser articulada com as restantes, para que o desenvolvimento do aluno seja global, de modo a que este compreenda mobilizar os conhecimentos referentes à tecnologia. A importância dos meios tecnológicos e informáticos no conhecimento do mundo, próximo e distante, e no contacto com outros valores e culturas faz com que a sua utilização “(...) seja considerada como um recurso de aprendizagem. Deste modo, contribui-se também para uma maior igualdade de oportunidades, uma vez que o acesso das crianças a estes meios poderá ser muito diverso (Silva et al., 2016, p. 93). Este interesse é espelhado nas iniciativas apoiadas pelo Ministério da Educação (ME) através dos projetos de robótica, como por exemplo a iniciação à Programação no 1.º CEB, os Clubes de Programação e Robótica, as Apps For Good ou o EduScratch.

A robótica permite à criança desenvolver múltiplas e diversas áreas, tais como “o pensamento computacional, a algoritmia, a programação e ainda os robôs e outros objetos tangíveis programáveis” (Pedro, Matos, Piedade & Dorotea, 2017, p. 9). Deste modo, salientamos, a importância da utilização da robótica por parte das crianças, desde tenra idade, na medida em que, devido à evolução da sociedade, as competências exigidas no século XXI, estão associadas à sociedade atual e ao futuro, dado que a “resolução de problemas, a tomada de decisões, o trabalho em equipa, o sentido ético, a gestão de projetos e a utilização de tecnologias digitais são consideradas competências essenciais” (Pedro, Matos, Piedade & Dorotea, 2017, p. 5). Para além disso, estas competências são referenciadas em diferentes pedagogias da educação, que podem, em conjunto com a utilização da robótica, potenciar essa aprendizagem e o desenvolvimento destas competências para tornar a criança melhor cidadão.

3. ENQUADRAMENTO METODOLÓGICO

O trabalho que desenvolvemos tem como objetivo abordar os valores na EPE e no 1.º CEB com recurso à iniciação à robótica, nomeadamente, explorar recursos programáveis, tais como a Beet-Bot e a Zowi, de modo a motivar as crianças para a aprendizagem e, ao mesmo tempo, incentivá-los a praticarem valores, de forma a tornarem-se pessoas mais integradas. No que diz respeito à EPE, o grupo sobre o qual incide este estudo é constituído por dezasseis crianças tendo como faixas etárias entre os quatro e cinco anos. O grupo do 1.º ano do 1º CEB é composto por vinte alunos, cujas faixas etárias eram entre os sete e oito anos. Este grupo integra duas crianças com medidas específicas que necessitam de um acompanhamento especializado.

O estudo carateriza-se por ser de caráter qualitativo baseado em estratégias próprias de investigação-ação. Ao longo do período de observação/intervenção, foram dinamizadas 18 atividades vocacionadas para dar resposta ao objetivo proposto neste trabalho. A metodologia qualitativa tornou-se por isso uma base de trabalho evidente que, segundo Bogdan e Biklen (2010, pp. 47-48), trata-se do “método mais adequado para o trabalho de investigação em educação pois manifesta mais interesse no processo do que no produto, sendo a recolha de dados feita no ambiente natural através de entrevistas, notas de campo, fotografias, entre outros”.

A observação direta é a principal estratégia de recolha de dados. Este “é um procedimento útil para obter elementos sobre todas as áreas de desenvolvimento e informações que possam ser utilizadas para planear e adequar materiais e actividades aos interesses e necessidades das crianças” (Parente, 2002, p. 180). Para além disso, este procedimento “é uma técnica de recolha particularmente útil e fidedigna, na medida em que a informação obtida não se encontra condicionada pelas opiniões e pontos de vista dos sujeitos” (Afonso, 2005, p. 91). Esta observação pode ser precisa, exata e significativa para o adulto, na medida em que a mesma é elaborada no decorrer dos acontecimentos. Deste modo, é através da observação direta, que o educador, ao recolher a informação, traduz dados em feedback, para que o adulto possa modificar “o ambiente e o programa, de forma a melhor responder à necessidades das crianças” (Parente, 2002, p. 180). Esta pode assumir diversos formatos, tais como “descrições diárias, registos de incidentes críticos, registo contínuo, amostragem por intervalos de tempo, amostragem de acontecimentos, listas de verificação ou controlo, escalas de estimação, etc” (idem). Também as reflexões (R) permitem que o adulto tenha a “capacidade de se voltar sobre si mesmo, sobre as construções sociais, sobre as intenções, representações e estratégias de intervenção” (Júnior, 2010, p. 581), para além de que faz com que este utilize o conhecimento teórico como forma de “enriquecer e modificar a realidade e suas representações, as próprias intenções e o próprio processo de conhecer” (Júnior, 2010, p. 581).

Relativamente aos recursos utilizados, a Bee-Bot é um mini robô, semelhante a uma abelha, que é programado para se mover para frente, para trás e gira em ângulos de 90º graus (Figura 1).

Figura 1 - O robô Bee-Bot

Figura 2 - O robô Zowi

O robô Zowi assemelha-se a uma figura humana, na medida em que tem dois olhos, expressões faciais e membros inferiores (Figura 2). Este robô é controlado através do telemóvel, com o sistema operativo Android. A Caixa Cheia de Emoções consiste num jogo físico que explora quatro emoções básicas, sendo essas: feliz, triste, zangado e medo. Foram planificadas 18 intervenções e definidas diversas dimensões de análise que orientaram as observações e todos os registos.

4. APRESENTAÇÃO DA ANÁLISE DOS DADOS

4.1. EXPLORAR É APRENDER A USAR OS BRINQUEDOS

 Percebemos a importância de desenvolver a motricidade fina e a competência computacional e intelectual para a manipulação da Bee-Bot. Foi evidente na recolha de dados efetuada que, à medida que as crianças exploravam a Bee-Bot, todas compreenderam a utilização das setas do robô. A maioria das crianças não teve dificuldade em manipulá-la; apenas duas crianças mostraram-se reticentes na sua utilização. Conforme o registo de observação (RO), nas Listas de Verificação (LV) de 20.01.2017, foi evidente que a “A J. teve dificuldade em manipular a Bee-Bot, pois não entendeu que era um robô para manipular diretamente”; por outro lado, a outra criança “teve alguma dificuldade em manipular a Bee-Bot, na medida em que pegava no robô para realizar a sequência, ao invés de o programar” (RO de 20-01-2017). 

Houve necessidade de programar as direções várias vezes porque o robô parava. Uma criança destacou-se positivamente, uma vez que “foi a única que realizou as sequências sem parar o robô, ou seja, programou a sequência do início ao fim” (RO de 20-01-2017). As crianças conseguiram compreender a utilização das setas que serviam para movimentar a Zowi, assim como relacionar as expressões e ações que este robô reproduzia com as suas próprias emoções e sentimentos.

No que diz respeito à compreensão sobre os símbolos correspondentes às expressões das emoções trabalhadas, todo o grupo conseguiu entender e fazer essa correspondência. Além disso, as crianças como estavam motivadas, curiosas e empenhadas na atividade, conseguindo executar os movimentos que a Zowi realizou, ou seja, foram capazes de a imitar. Foi evidente que todas as crianças do grupo, conseguiram manusear e explorar o telemóvel, sem qualquer dificuldade, de modo a controlar a Zowi, na medida em que cada vez mais este instrumento está presente no quotidiano das mesmas (RO de 9.02.2017). Além disso, na aplicação da Zowi, algumas crianças, por descoberta, conseguiram fazer com que a velocidade dos movimentos do robô fosse alterada, ou seja, andasse lenta, normal e rápida. Desta forma, foi evidente que, pelo facto das crianças estarem motivadas por estarem a brincar com um robô novo, também se mostraram capazes de o controlar, uma vez que na exploração faziam descobertas, sem indicação do adulto, o que fez com que estas aprendizagens fossem significativas. Também se verificou que as crianças trabalharam em grupo e ajudaram-se mutuamente, principalmente, quando reparavam que algum colega estava com dificuldade em controlar o robô.

4.2. ESTRATÉGIAS DE INTERVENÇÃO

Com a inovação dos robôs na sala, as crianças aprenderam a usá-los em pequenos grupos, em grandes grupos e individualmente, a esperar pela sua vez de os usar, a organizarem-se autonomamente sobre quem seria o próximo, mas, principalmente, a partilhar e a ajudarem-se. A estratégia de dividir em pequenos grupos, teve como intenção de cada criança explorar livremente e com calma cada robô, mas também para ajudar o colega se este tivesse dificuldade em manusear o telemóvel para controlar a Zowi. Além disso, a atividade “Brincar com a Zowi: exploração livre em pequenos grupos (imitar a Zowi)” foi realizada em grupos de quatro elementos e o adulto explicava a uma criança a função das setas e esta programava os movimentos para a Zowi realizar e os restantes colegas imitarem. Posteriormente, a criança que ficava a programar a Zowi era encarregue de explicar, à criança seguinte, a funcionalidade das setas para realizar a atividade, como forma de promover a entreajuda entre as crianças. Assim, as crianças puderam desenvolver o respeito pelo outro, a cooperação e a ajuda.

Quando a Zowi estava presente na sala, as crianças pediam o telemóvel ao adulto e falavam com ela, exploravam-na, mas também organizavam-se e conseguiam definir quem era a criança seguinte a utilizar autonomamente sem que o adulto necessitasse de intervir nesta organização.

4.3. O PODER DA CRIANÇA SOBRE A MÁQUINA

Durante as atividades, nomeadamente com a Zowi, quando as crianças a controlavam através do telemóvel, fazia com que estas tivessem poder sobre este robô, na medida em que a Zowi fazia o que elas mandavam. Para além disso, no momento em que os amigos imitavam o robô, estando uma criança a programar, fazia com que esta se sentisse líder e motivada. Era este poder que as crianças tinham sobre a máquina e que faziam com que esta reproduzisse o que as crianças programavam e quando a Zowi não realizava os movimentos, as crianças assumiam a responsabilidade, referindo que tinham “carregado mal na tecla”, conforme foi evidente no registo de observação de 23.02.2017. Desta forma, desenvolveu-se aqui também a relação de causa e objeto.

Relativamente à Bee-Bot, as crianças sabiam e tinham consciência que esta reproduzia a sequência para a qual era programada. No entanto, quando uma criança se enganava na construção da sequência, a tendência era para deslocar o robô e não voltar a programar.

4.4. COMPLEXIDADE DO BRINQUEDO/ RESOLUÇÃO DE PROBLEMAS

No que diz respeito à programação das sequências, todas as crianças foram capazes de o fazer de uma forma fragmentada. Conforme já vimos atrás, uma única criança programou a Bee-Bot para realizar o percurso do início ao fim, sem parar.

Em relação à Zowi, o grupo entendeu a utilização das setas, assim como a sua função (movimentar para a frente, trás, direita e esquerda), no entanto uma criança teve alguma dificuldade em perceber mesmo com a ajuda de outra criança. O adulto teve de intervir e explicar, o que fez com que esta conseguisse ultrapassar os problemas (RO de 10.02.2017). No que concerne à compreensão das crianças sobre os símbolos/expressões correspondentes às emoções trabalhadas, todo o grupo conseguiu entender e fazer essa correspondência, dado que se tratava de uma atividade que pretendia que as crianças compreendessem e fizessem correspondência termo a termo.

4.5. ZOWI OU BEE-BOT?

O robô Zowi causou mais impacto nas crianças, uma vez que estas obtinham uma expressão do mesmo e tinha movimentos mais dinâmicos, ou seja, era mais autónomo, apesar de ser controlado por um telemóvel. Este robô serviu para que as crianças pudessem conversar e, ao mesmo tempo, controlar as expressões que pretendem obter do mesmo.

No momento de falar com a Zowi sobre situações e/ou ações que deixassem as crianças felizes, tristes ou zangadas, todas conseguiram reconhecer as emoções em si e nos outros (RO de 15.03.2017). No entanto, uma criança demonstrou dificuldades em reconhecer as emoções e sentimentos nos outros, uma vez que considerou que as dos outros têm de ser iguais às suas. Com a Zowi, verificou-se que as crianças mostraram-se mais capazes de respeitar o outro, assim como as suas opiniões. Em relação à comunicação com este robô, as crianças mostraramse capazes de o fazer eficazmente, no entanto “três crianças tiveram dificuldades de dicção, o que fazia com que alguns amigos não compreendessem corretamente o que era dito” (RO de 16.03.2017). Assim, ao longo deste processo, as crianças foram adquirindo consciência sobre os valores através da exteriorização das emoções, na medida em que referiam valores como a partilha, ouvir, esperar pela vez de falar, ser amigo, entre outros.

No que diz respeito à Bee-Bot, o que resultou mais com este robô, foi a realização de sequências, uma vez que tudo era programado diretamente no brinquedo e não tinha de ser através de um outro recurso.

4.6. APRENDIZAGEM EMERGENTE COM A ZOWI

As crianças que se juntaram, ao jogarem não conseguiram entender em conjunto a dinâmica do jogo e, por isso, duas delas retiraram-se para ir brincar noutro espaço. Contudo, a criança que ficou a explorar livremente, sem auxilio do adulto, conseguiu perceber em que consistia o jogo, alcançando um bom nível de desempenho e obtendo um resultado positivo.

Durante a observação desta situação, verificamos que, pela descoberta, a aprendizagem tornou-se significativa para a criança, na medida em que sem a ajuda do adulto, esta conseguiu ter uma percepção visual e memorização dos movimentos, além de estabelecer a sequência entre estes. A criança mostrou orgulho pela sua descoberta, uma vez que se deslocou até ao adulto e aos colegas do lado referindo a sua descoberta do jogo: “Consegui jogar e chegar ao nível 10 e sozinho” (RO de 23.03.2017).

4.7. ZOWI: A CONFIDENTE

Durante a intervenção educativa, pudemos verificar que existia um problema entre as crianças no que dizia respeito à partilha, ao respeito pelo outro, esperar pela sua vez de falar, o que levava, em alguns casos, à violência entre as crianças. Durante as atividades, foi possível perceber que as crianças referenciassem valores, tais como “a partilha, a ajuda, o diálogo para não entrar em conflito, a amabilidade, o ouvir” (RO de 29.03.2017).

Com a presença da Zowi na sala, as crianças autonomamente pediam o telemóvel ao adulto para poderem conversar sobre as experiências vivenciadas, em que as crianças dialogavam com o robô e colocavam a expressão da emoção que estas consideravam adequar-se melhor à situação.

A criança I, era a que mais falava com a Zowi e referia que o L. bateu-me e não gostaste de ver, pois não Zowi? Ele devia ser meu amigo e brincar comigo” (RO 29.03.2017), colocando a expressão triste no robô. Além disso, na sequência das nossas preocupações, foi evidente que a criança L. também referiu o seu desagrado por parte de alguns momentos de brincadeira com a criança A. 

Zowi, tenho de te contar o que acabou de acontecer na área das construções. Estava a brincar e a construir um castelo com o FB. e o A. passou a correr. Não se pode fazer isso na sala. Destruiu tudo. Eu fiquei chateado e bati-lhe e depois ele bateu-me. A M. não gostou do que viu e disse para nos sentarmos um bocadinho e fazer um desenho sobre o que aconteceu. Eu sei que não devia bater, mas ele também não tinha de andar a correr e não pediu desculpa (RO de 06.04.2017).

Neste caso podemos observar que a criança tem consciência das suas emoções e consegue exteriorizá-las, além de que mostra arrependimento sob a sua atitude perante o amigo. Outra situação de reconhecimento da sua atitude e comportamento como, também, a sua emoção perante uma outra situação de conflito: “Quando o L me bate, eu fico triste, Zowi. E sabes, hoje de manhã eu molhei o cabelo e não ouvi a M. Ficaste triste?” (RO de 12.04.2017).

Noutros momentos, outras crianças, voluntariamente, recorriam à Zowi para contar situações positivas e atitudes que tivessem corretas, como foi evidente quando a criança L diz à Zowi “Eu ouvi a H.; A Zowi ficou feliz” (RO de 13.04.2017). Outra situação positiva foi evidente quando a criança I diz “Zowi, nós ouvimos a M. quando ela pediu para arrumar. Ficaste feliz por nós termos ouvido” (RO de 13.04.2017). Além disso, nesta sequência, a criança LE também referiu uma atitude positiva do grupo quando esta refere o seguinte: “A M. estava no recreio a ver nós e nós ouvimos ela. A Zowi ficou feliz” (RO de 13.04.2017).

Noutros momentos, as crianças referenciavam outras situações que as deixavam felizes, como por exemplo: quando a criança MC diz à Zowi “Hoje vou ao ginásio, vai haver festa. Estou feliz” (RO de 20.04.2017); quando referem apenas como se sentem na naquele momento/dia, em que a criança P fala “Hoje estou feliz” (RO de 20.04.2017); ou, ainda, quando evidenciavam atitudes positivas por parte dos amigos que os tenham deixado felizes, “Quando o AR me ajudou, eu fiquei feliz” (RO de 20.04.2017).

O grupo mostrou-se mais capaz de ouvir o outro, respeitar a sua vez e a do amigo, respeitar e ouvir a opinião do outro, de partilhar, de mostrar preocupação, fazendo com que o conflito diminuísse. De facto, as crianças, começaram a minimizar os seus conflitos, a “valorizar a relação com o outro e, principalmente, a respeitar o outro” (R de 26.05.2017).

4.8. TODOS NÓS SOMOS DIFERENTES E A ZOWI TAMBÉM É!

Durante a atividade, as crianças reconheceram características físicas do robô, como também psicológicas devido às emoções que eram colocadas na mesma, como por exemplo, o sorriso. Assim, com as características que estes referiram da Zowi, conseguimos elaborar um cartaz de adjetivos, intitulado como “A Zowi é...”, em que também os ajudou a reconhecer características não só deles próprios, como também, nos outros, o que também é importante, na medida em que se desenvolveu o respeito pelo outro, dado que os alunos tiveram a sensibilidade de utilizar adjetivos positivos.

Ao longo das intervenções, os alunos foram referindo que, apesar do aspeto físico da Zowi ser semelhante ao de um ser humano, esta era diferente. Deste modo, podemos aproveitar e utilizar esta forma de ser da Zowi para trabalhar um valor fundamental no desenvolvimento do ser humano: o respeito pela diferença. Os alunos conseguiram identificar que o robô era semelhante a uma pessoa, na medida em que pelo aspeto físico tem cabeça, olhos e pernas. No entanto, também referiram que este não tinha braços e que, por vezes, víamos isso nas pessoas que são designadas como diferentes (RO de 21.03.2018). Com a realização desta atividade, as crianças ficaram sensibilizadas e consciencializadas para o respeito pela diferença, na medida em que na turma integram dois casos de alunos com medidas educativas específicas. Também referiam que ser diferente é “ser feliz”, dado que valorizam os sentimentos, as emoções e também é “ter coisas diferentes”; outros referiram que ser diferente era “não ter braços e não ter a partir dos joelhos para baixo”, o que evidencia o aspeto físico da pessoa.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

As investigações e fundamentação teórica que consultámos para este trabalho, revelam que a utilização dos robôs desde tenra idade é pertinente para as crianças, na medida em que desenvolve a aprendizagem e permite desenvolverem competências computacionais, assim como o espírito crítico e o raciocínio. Também salientamos, que a integração e a implementação da robótica em contextos de sala de EPE e do 1.º CEB, é essencial, uma vez que permite que haja interação entre as crianças, havendo entreajuda, o que despoleta o interesse pela aprendizagem.

Relativamente à relação entre a criança e a máquina, foi possível observarmos que ao longo do trabalho ele estabeleceu uma relação afetiva com os robôs, devido à sua aparência, que desperta a atenção da mesma, mas, também, porque lhe permite que esta toque, manuseie, manipule e que converse, de forma a programar uma resposta de volta. Por este motivo, salienta-se a pertinência dos robôs nas sala, na medida em que permitiu que as crianças pensassem sobre as suas ações, as dos outros, que exprimissem as suas emoções e sentimentos devido a estas, mas principalmente que relacionassem com um valor, como por exemplo a partilha do brinquedo, a cooperação, a entreajuda, o respeito, duma forma geral, e o respeito pela diferença, em particular. Para além disso, foi notório que a aprendizagem destes valores tornou-se mais eficaz, devido à novidade dos recursos, ou seja, das crianças terem tido contacto com dois robôs diferentes, mas, principalmente, que pudessem “falar” com um que tinha aparência de um humano e, também, a novidade suscitou que esta aprendizagem e esta relação afetiva com os robôs tivesse maior impacto.

Durante o estudo observamos que os grupos de diferentes faixas etárias eram constituídos por diferentes crianças com características, personalidades, interesses e necessidades diferentes. Assim, foi necessário diversificar as nossas estratégias de aprendizagem como forma de dar resposta a cada criança e promover uma diferenciação pedagógica, em que todos possam aprender juntos “independentemente das dificuldades e das diferenças que possuem” (Pinheiro, 2015, p. 11). Face à diversidade de crianças num grupo é importante salientar e ter consciência da presença de “diferentes ritmos de aprendizagem dos alunos; este modelo foi um primeiro e importante passo que pode considerar-se como o ponto de partida para perspetivas posteriores” (Gonçalves, 2016, p. 11). Por este motivo ao variarmos as estratégias de intervenção e colocarmos os robôs na sala de EPE, proporcionamos às crianças um contacto com um outro recurso tecnológico, criando laços afetivos com estes robôs, uma vez que estes tinham um aspeto familiar para as crianças. Também foi importante para as crianças entenderem que a tecnologia não se baseia apenas nos ecrãs, mas que existe fora deles.

Assim, cabe ao docente ser capaz de fazer com que cada aluno aprenda e que tenha gosto de aprender e, para isso, é necessário que o docente conheça cada aluno e que o motive. Deste modo, é pertinente que os professores proporcionem aos alunos condições e momentos para que estes “tenham oportunidade de pensar, refletir e opinar, isto é, que possam ter, na sala, um papel ativo na sua aprendizagem para que encontrem sempre soluções para os problemas” (Moura, 2015, p.13). Pretende-se, neste trabalho de reflexão, registar a importância de ir além do computador e além da aprendizagem de conteúdos. É preciso valorizar a construção de um ser humano atual, preocupado e consciente do outro, das suas dificuldades, das suas diferenças e, acima de tudo, contextualizado no mundo tecnologicamente tão absorvente e dominador de comportamentos.

 

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