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Contextualização de problemas de matemática: suporte para uma aprendizagem com significado

Sara Marques

Escola Superior de Educação do Politécnico do Porto

Ângela Couto

Escola Superior de Educação do Politécnico do Porto

Cláudia Lima

Escola Superior de Educação do Politécnico do Porto

RESUMO

A excessiva mecanização do ensino da matemática em Portugal é, segundo vários estudos, a principal causa para esta disciplina ser considerada abstrata, complexa, desconectada da realidade e desinteressante para muitos alunos. Assim, “para que serve a matemática?” é uma pergunta que paira no pensamento do aluno que não vislumbra a sua aplicabilidade no quotidiano. Urge promover aprendizagens contextualizadas, próximas da cultura do aluno, colocando-o como agente ativo no processo de construção dos seus saberes. Desta premissa surgiu este estudo realizado com 15 alunos do 3.º ano de escolaridade, através do qual se procurou desenvolver a competência na resolução de problemas vivencialmente contextualizados. O objetivo do estudo foi o de perceber se a contextualização dos problemas, resolvidos através do método de Polya, teria potencial para motivar e envolver os alunos nessas competências, que são fundamentais para a matemática enquanto disciplina e para as vivências diárias.

O estudo evidenciou que a resolução de problemas contextualizados possibilita um desenvolvimento cognitivo relacional mais significativo. Os problemas, contextualizados com situações próximas da realidade dos alunos, alteraram a sua postura e melhoraram o desempenho, mostrando maior predisposição para a matemática. A motivação, o gosto e a confiança, revelaram-se fulcrais no entendimento de uma matemática relacional em detrimento da procedimental.

Palavras-chave: contextualização, resolução de problemas, matemática, motivação

 

ABSTRACT

The excessive mechanization of the teaching of mathematics in Portugal is, according to several studies, the main cause for this subject be considered abstract, complex and disconnected from reality, becoming an uninteresting discipline. Thus, "what is math for?" is a question that hangs in the student's mind that doesn´t see its applicability and usefulness in theirs daily life.

It is urgent to promote contextualized learning, close to the student's culture, placing him as an active agent in the process of building their knowledge. From this premise emerged this study with 15 students from the 3rd year school year, through which, throughout three phases, they developed their competence in solving contextualized problems. The main goal of this study was to understand if the contextualization of problems, solved through the Polya method, would have the potential to motivate and involve students in these competences that are fundamental to Mathematics as a subject and in everyday experiences.

The study showed that the resolution of contextualized problems makes a more significant relational cognitive development possible. The contextualized problems, with situations close to the students' reality, changed their posture and improved their performance, showing greater predisposition to mathematics. Motivation, pleasure and confidence were central to the understanding of relational mathematics to the detriment of procedural mathematics.

Keywords: contextualization, problem solving, mathematics, motivation

INTRODUÇÃO

Um dos problemas que continua a afetar a escola e particularmente a eficácia do trabalho dos professores é a discrepância que existe entre aquilo que se ensina, ou que se pretende ensinar, e aquilo que concretamente o aluno aprende. A estratificação do ensino em diferentes disciplinas e o distanciamento existente entre o currículo e as experiências do aluno origina uma descontextualização das propostas apresentadas em contexto de sala de aula, que produz efeitos nefastos e duradouros para todos os envolvidos nos processos de ensino e de aprendizagem. Além de mecânica e repetitiva, a aprendizagem não está focada na construção dos conceitos, dos seus significados, das suas relações. Muitos conhecimentos e competências, que deviam ser alcançadas pelo aluno, ficam aquém do expectável, interferindo na sua realização pessoal e, mais tarde, na profissional.

Para se ultrapassar a dissonância entre o ensino e a aprendizagem, a possibilidade de desenvolver uma metodologia de ensino que assenta na contextualização das propostas, pode ser um meio de reverter o desencanto com esta disciplina. Esta noção de contextualização do conhecimento, do ensino e da aprendizagem, ocupa grande importância no atual panorama educativo. Em alternativa a um conhecimento descontextualizado, defende-se um conhecimento centrado no local, no quotidiano e na experiência dos alunos.

Foram estas ideias que serviram de base a um estudo que teve como principal objetivo predispor e motivar os alunos para a aprendizagem da matemática, particularmente na resolução de problemas, através do desenvolvimento de práticas contextualizadas.

CONTEXTUALIZAÇÃO DA APRENDIZAGEM

O futuro exige mudanças no paradigma da educação de modo a preparar as gerações atuais e futuras para um mundo que é incerto, tecnológico e global. O papel primordial da escola é permitir que haja a aquisição e desenvolvimento de competências que permitam ao aluno compreender e participar na sociedade, deslocando o conhecimento para o saber fazer e ser, resolvendo os problemas com que o mundo atual as confronta a todo o momento. Logo, aprender é dar sentido e significado à realidade, e compreender é relacionar e sentir, para poder, aplicar, agir e reconstruir.

O recurso a processos de contextualização é assim reconhecido como a condição necessária à organização do processo de ensino e aprendizagem. O conhecimento não é algo dado, mas sim construído e constituído pelo aluno através da sua ação e interação com o meio. O ensino que recorre à contextualização de situações próximas, ou do interesse, do aluno distingue-se da escola como transmissora de conhecimento (modelo tradicional), que insiste em ensinar algo já acabado através de inúmeras repetições como molde de aprendizagem. O aluno passa a ser visto como capaz de construir o conhecimento na interação com o meio (Niemann & Brandoli, 2012).

Para Lobato (2008), contextualizar pressupõe assumir que o significado dos conceitos depende do ambiente em que o aluno está inserido, onde existe uma interação entre o sujeito e o contexto. Assim, contextualizar é, por um lado, construir contextos (os contextos modificam-se pelas interações, uma vez que são dinâmicos) e, por outro lado, realizar atividades com vista à recontextualização e desenvolvimento de significados. Este ato relaciona-se com a criação de condições de problematização em que o aluno, a partir daquilo que já sabe, das suas experiências e vivências, torna-se agente ativo no processo contínuo e dinâmico de construção do seu conhecimento (Duarte, 2007). Cabe, assim, ao professor procurar situações que deem sentido aos conhecimentos que devem ser adquiridos. Depois, o papel do aluno, com o auxílio do professor, é identificar que saber poderá ser utilizado noutras situações conferindo-lhe, assim, um caráter de saber reutilizável (Brousseau, 1996).

A noção de contextualização não possui uma definição certa, pois trata-se de um termo que varia, uma vez que contextualizar é um ato particular, onde o professor contextualiza tendo em conta as experiências, vivências, interesses do grupo com que contacta (Fernandes, 2006). A contextualização não deve ser vista como uma fórmula imediata e suficiente para que todo o aluno aprenda, pois, a articulação do ensino com o quotidiano pode não implicar a construção de conhecimentos relevantes para a sua vida e, também, pode não o motivar a interessar-se por aquilo que está a ser discutido (Santos, 2008). No entanto, é unânime que a contextualização é importante para a aprendizagem e necessária para que se relacionem os significados na procura do conhecimento.

Moreira (2006), citando a perspetiva de Ausubel, refere que a aprendizagem ocorre quando o aluno consegue estabelecer uma relação entre o novo conhecimento e algum aspeto fulcral da sua estrutura cognitiva. A aprendizagem significativa é, por excelência, o mecanismo mais eficaz para adquirir e armazenar uma variedade de ideias e informações de qualquer área do conhecimento, contrariamente à metodologia de ensino mecanizada, onde os novos conceitos não interagem com as situações relevantes para o aluno. Nesta última forma de ensinar, os alunos são treinados para repetir procedimentos e aplicar fórmulas sem perceberem claramente a ligação ou a sua adaptação com o quotidiano (Christiansen & Walther, 1986; Lobato, 2008). Por este motivo, em todos os níveis de ensino, é frequente ouvir-se, “para que serve a matemática?” ou “qual a utilidade da matemática na minha vida?”.

De acordo com a conceção dos Princípios e Normas para a Matemática Escolar (NCTM, 2007), a aprendizagem desta disciplina deve ter como base a compreensão. Já em 1998, Ponte, Matos e Abrantes defendiam a importância das experiências prévias dos alunos e não apenas a da explicação teórica como forma de contribuir para a compreensão de conceitos. Também, em 2001, o próprio Ministério da Educação alertava para o facto de que “a ênfase da matemática escolar não está na aquisição de conhecimentos isolados e no domínio de regras e técnicas, mas sim na utilização da matemática para resolver problemas, para raciocinar e para comunicar” (p. 58). Desta forma aumenta-se a confiança e a motivação pessoal do aluno, levando-o a agir por vontade própria e a inspirá-lo para a aprendizagem.

RESOLUÇÃO DE PROBLEMAS

A UNESCO, na sua Declaração Mundial sobre Educação para Todos, datada de 1990, afirmava explicitamente que a resolução de problemas é um dos instrumentos de aprendizagem essenciais (como a leitura, a escrita e o cálculo). O programa de matemática do ensino básico de 2007 defendia que a abordagem da matemática no 1.º CEB devia permitir “desenvolver nos alunos o sentido do número, a compreensão dos números e das operações, a capacidade do cálculo mental e escrita, bem como utilizar estes conhecimentos para resolver problemas em contextos diversos” (Ponte et al., 2007, p. 13). Acerca do programa homologado em 2013, os professores de matemática da Escola Superior de Educação de Lisboa (ESEL, 2013) emitiram um parecer no qual referem que este “não contempla, ou menoriza fortemente, as capacidades matemáticas que o (…) programa [anterior] considera fundamental desenvolver nos alunos para uma aprendizagem com compreensão” (p. 2) entre as quais, a resolução de problemas, o raciocínio e a comunicação matemática. Para além desde aspeto fundamental, o referido programa (2013) dá um principal destaque a questões de formalismo que dificultam a compreensão por parte das crianças do 1.º CEB e ainda apela, em alguns aspetos, à memorização a tempo curto (autores, 2016).

Na perspetiva de Fernandes (2006), a resolução de problemas é um elemento integrador do currículo, visto que ajuda o aluno a compreender e a interpretar o mundo à sua volta. Mas, para que isso aconteça, é essencial que o professor não limite a sua prática a exercícios rotineiros (note-se que exercício é diferente de problema). A grande referência na metodologia de resolução de problemas, Polya, em 2003, sublinhava que ter um problema significava procurar conscienciosamente alguma ação apropriada para atingir um objetivo, claramente definido, mas não imediatamente atingível, pois se não há dificuldade, não há problema. Um problema é então uma situação não rotineira, que constitua desafio para o aluno, onde frequentemente se podem utilizar diferentes estratégias e métodos de resolução. Já o exercício é de resolução mecânica e repetitiva que conduz diretamente à sua solução. Deste modo, urge não valorizar a descoberta da resposta mas, sim, o caminho que se traçou para lá chegar, nomeadamente as estratégias utilizadas e também a capacidade de comunicar o processo e o fim (Cândido, 2001).

Contudo a resolução de problemas é um processo demorado e complexo que impõe um desenvolvimento cognitivo e metacognitivo. Vale (1997) acredita que “um certo fracasso dos alunos na resolução de problemas se deve ao facto de se dar mais ênfase ao desenvolvimento de destrezas heurísticas, ignorando o desenvolvimento dos aspetos metacognitivos” (p. 6). Para a autora, a metacognição possibilita que o aluno desenvolva competências para discutir e pensar sobre o processo que utiliza para resolver problemas. Além disso, é nos primeiros anos da escolaridade básica que o aluno mais precisa de construir competências de compreensão e não, apenas, de memorização ou mecanização.

METODOLOGIA

Neste estudo utilizou-se uma metodologia de investigação-ação participativa, onde se combinaram métodos de análise dos dados, qualitativa e quantitativa. A turma participante era constituída por 15 alunos do 3.º ano de escolaridade, dez do sexo feminino e cinco do sexo masculino, que revelavam dificuldades e resistências múltiplas perante a resolução de problemas. Ora, dada a importância de que se reveste a resolução de problemas em diversos contextos, quer ao nível escolar quer ao nível pessoal, social e profissional, e cientes da importância em ultrapassar o patamar do tipo de problemas de resposta imediata, conforme o relatório do TIMSS (Mullis, Martin, Foy & Arora, 2011), o estudo presente neste artigo pretende ser um contributo nesta matéria.  

A par com o referido anteriormente e tendo em consideração a revisão da literatura, optou-se por formular questão-problema que permitisse investigar dinâmicas que envolvessem a contextualização da aprendizagem e a resolução de problemas, centrando a sua importância no desenvolvimento de capacidades críticas e reflexivas dos alunos: “Qual a influência dos problemas contextualizados na predisposição dos alunos para a aprendizagem da Matemática?”.

O estudo desenvolveu-se em três fases distintas: diagnóstico, desenvolvimento e avaliação, conforme Tabela 1.

Tabela 1 – Fases de Implementação do Estudo

1ªFase

Diagnóstico

Objetivos:

-              Conhecer o público-alvo

-              Caracterizar o desempenho do aluno na Resolução de Problemas Instrumentos Utilizados:

-              Inquérito por questionário

-              Problemas das provas de aferição

2ªFase

Problemas Descontextualizados e Fases de Resolução de Problemas de Polya

Objetivos:

-              Explorar as fases de Resolução de Problemas e estratégias de resolução Instrumentos Utilizados:

-              Problemas descontextualizados

-              Infográfico

-              Dicionário de problemas

Problemas contextualizados

Objetivos:

-              Mobilizar os conhecimentos adquiridos sobre o processo de resolução de problemas

-              Verificar se alunos observaram diferenças nos novos problemas

-              Perceber se há alguma diferença na predisposição dos alunos para resolverem os problemas Instrumentos Utilizados:

-              Problemas contextualizados

-              Dicionário de Problemas

3ªFase

Avaliação

Objetivos:

-              Avaliar o efeito dos problemas contextualizados na resolução de problemas Instrumentos Utilizados:

-              Problemas contextualizados

-              Inquérito por questionário

A primeira fase tinha por objetivo recolher dados sobre a turma, ao nível dos seus conhecimentos e competências em matemática e, em específico, da resolução de problemas, e também conhecer quais os interesses dos alunos para os quais se aplicou um inquérito por questionário. Nesta mesma fase realizou-se, também, uma avaliação sobre o desempenho dos alunos na resolução de problemas, começando por lançar o desafio de efetuar a resolução de seis problemas não relacionados com as vivências dos alunos. Os problemas utilizados foram problemas de processo, por ser uma atividade que não se cinge a procedimentos mecanizados ou limitados a uma única estratégia e, ainda, por se considerar que este tipo de problema é uma mais-valia para o desenvolvimento do raciocínio matemático. Os problemas foram retirados das provas de aferição do 1.º ciclo e estavam de acordo com as competências adquiridas no final do 3.º ano de escolaridade. Para a sua correção foram utilizados os critérios das referidas provas, adaptados a uma escala holística focada de 0 a 5 pontos.

Depois da primeira recolha de dados e de uma avaliação inicial das competências dos alunos em resolver problemas, propuseram-se várias situações problemáticas não contextualizadas, tendo como principal objetivo introduzir o estudo sistemático da resolução de problemas, nomeadamente, a introdução das fases de resolução de problemas propostas por Polya. Apesar de não existir uma metodologia única para ensinar e para resolver problemas, segundo Polya (2003), é possível promover um desempenho adequado de resolver problemas se se enfatizar quatros fases de resolução: (1) a compreensão e análise dos dados; (2) o que se pretende com o problema; (3) aplicar uma estratégia; e (4) verificar o caminho utilizado para a resolução. Por isso mesmo, após a fase diagnóstica, utilizou-se um conjunto de problemas para a explicação e trabalho pormenorizado de cada fase.

Os alunos foram assim direcionados para a resolução dos problemas através das diferentes fases, possibilitando a estruturação e a organização da informação. Paralelamente, realizaram-se vários diálogos para que os alunos tivessem a oportunidade de refletir sobre a forma de resolver problemas seguindo as fases de Polya, em comparação com a forma que utilizavam anteriormente. Estas fases definidas por Polya não limitam a resolução de problemas a uma estratégia única pelo que, o incentivo à partilha do seu processo de resolução, permitia uma reflexão sobre as diferentes hipóteses, um estímulo à comunicação e, consequentemente, um aumento da autoestima dos alunos. Por fim, também nesta fase, se iniciou a construção de um dicionário de problemas, onde os alunos anotaram diferentes significados de palavras e de expressões que desconheciam. Isto porque, muitas vezes, as palavras tomam significados distintos dos utilizados no dia-a-dia acarretando, assim, uma dificuldade adicional. Por exemplo, numa aula sobre frações, ouve-se constantemente a expressão “reduzir ao mesmo denominador”. Contudo reduzir, commumente, significa tornar mais pequeno e por isso deve ser explicado que neste caso significa converter ou trocar. Este dicionário estendeu-se a todas as fases do estudo.

Na fase seguinte, após a análise das respostas dos inquéritos, identificaram-se as brincadeiras preferidas da turma. Com base nisso, criou-se um conjunto de situações problemáticas contextualizadas nessas preferências, para mobilizar os conhecimentos adquiridos sobre o processo de resolução de problemas e perceber se existia alguma diferença na predisposição dos alunos para os resolverem. Ao longo do estudo, cada aluno tinha o seu caderno de resolução de problemas intitulado A Arte de Resolver Problemas. Polya (2003) defendia que se devia ensinar ao aluno que a resolução de problemas é uma arte e que todos a podiam aprender. 

Ao longo da fase de desenvolvimento, utilizaram-se grelhas de observação com atributos pré-definidos para se perceber o nível da motivação, do interesse e da compreensão dos alunos para com as atividades propostas. Este instrumento de recolha de dados foi utilizado no decorrer de todas as sessões de intervenção, em simultâneo com outros instrumentos - os registos fotográficos – pois, houve necessidade de comparar o que os alunos diziam, com aquilo que faziam.

A fase final passou por avaliar as aprendizagens dos alunos sobre este percurso de resolução de problemas, através de seis problemas, que eram estruturalmente semelhantes aos problemas da fase diagnóstica, que implicavam um processo com o mesmo número de passos e estratégia análoga aos anteriores mas, desta vez, contextualizados nos interesses e vivências dos estudantes. Depois, sentiu-se a necessidade de se perceber a importância que o estudo teve para estes alunos e, para isso, foi aplicado outro inquérito por questionário.

RESULTADOS

De acordo com o questionário inicial foi possível observar que os alunos consideravam a matemática uma disciplina importante e interessante, porém confusa. Quando questionados sobre as atividades mais praticadas nesta disciplina, foi notório que os alunos apenas a associavam aos algoritmos (“as ditas contas”) e às tabuadas. Foi curioso, também, um aluno referir o pensar como uma atividade desagradável nesta disciplina.

Relativamente à resolução de problemas, os alunos consideravam-na uma atividade divertida e interessante que os ajudava a pensar, a ficarem mais inteligentes e que fazia com que aprendessem mais. Apesar de 80% dos alunos referirem gostar de resolver problemas, consideravam esta atividade difícil pelo facto de não compreenderem certas coisas, o que fazia com que não os conseguissem resolver, pois não sabiam que conta usar ou o que responder. No geral, a turma acreditava que, para a resolução de problemas ser eficaz, todos tinham de pensar da mesma forma e apenas existia um caminho para chegar à resposta. Além disso, a partilha das diferentes formas de resolução não era vista como um meio de aprendizagem mas, sim, entendida como se estivessem a copiar. O espírito de entreajuda dos alunos na turma não era visível talvez pelo facto de o trabalho colaborativo ser uma prática raramente implementada em contexto de sala de aula.

No que respeita aos problemas descontextualizados, aplicados na fase diagnóstica, verificou-se que a turma se encontrava no nível 3. Contudo, apresentaram algumas dificuldades ao nível da interpretação e, consequentemente, na aplicação de uma estratégia que lhes permitisse chegar ao que era pretendido. Era expectável que alguns alunos esquematizassem a informação mais importante. No entanto, partiam logo para a resolução sem delinearem um plano, conforme Figura 1.

Figura 1 – Resolução de um Problema na Fase Diagnóstica

Para além disso, ao longo desta avaliação diagnóstica, os alunos solicitavam recorrentemente o professor para esclarecimento de dúvidas. Também referiram que não estavam familiarizados com os problemas que foram apresentados. E que “antes de fazerem um teste a professora treinava com eles os problemas”, daí a grande preocupação de muitos alunos por não estarem a conseguir resolver certos problemas. No que toca às estratégias, as mais utilizadas foram os desenhos e os esquemas (ver Figura 2). Os alunos afirmaram que ao fazerem desenhos “parece que o problema se tornava verdadeiro” e que tornava possível “aplicar no real”.

Figura 2 – Desenhos e Esquemas como Estratégias de Resolução dos Problemas

Após esta avaliação deu-se início à fase seguinte, que continuou com a resolução de problemas descontextualizados para verificar duas situações: a atitude dos alunos perante os problemas e o conhecimento e atitude perante as fases de resolução de problemas proposta por Polya. Quanto à atitude apenas três alunos revelaram entusiasmo por os resolverem, e os restantes tiveram uma atitude passiva. Quando os estavam a realizar, diziam que os problemas eram “estranhos” e que não se relacionavam com eles.

No que se refere às fases de Polya, o cenário foi o oposto. Alguns alunos afirmavam já as terem colocado em prática, somente não as conheciam por aquele nome. E na fase do retrospeto confirmaram desconhecer que a solução podia ser confirmada. Só costumavam verificar se as “contas” que envolviam os problemas estavam, ou não, bem realizadas. Também referiram que falhavam muito na primeira fase (compreensão do problema), pois começavam logo a resolver sem fazer a relação dos dados com aquilo que era pedido. Contudo, ao longo desta fase foi notório um progresso na resolução de problemas. Mostravamse mais sensibilizados para lerem o enunciado com atenção, relacionar os dados, ver o que realmente era pretendido e, só depois de isso, passarem à resolução do problema (ver Figura 3). Ou seja, as duas primeiras fases de resolução de problemas já estavam a ser postas em prática por alguns alunos e eram tidas como fundamentais para o sucesso da resolução. No entanto, também havia alunos que ainda focavam a sua atenção nos cálculos, sendo necessário alertá-los para a importância da compreensão dos enunciados.

Figura 3 - Produção de um Aluno

Ao longo desta fase, partiu-se para a construção de um dicionário de problemas, que foi muito bem-recebido pelos alunos, tendo compreendido a sua função e forma de utilização (Figura 4). Esclareceram-se vários conceitos, como por exemplo, o facto de a conjunção coordenativa “e” implicar uma adição, o pronome interrogativo “quantos” implicar que a resposta seja um número, ou ainda, que um “padrão” envolve uma repetição.

Na fase dos problemas contextualizados, os alunos mostraram-se bastante motivados. Mal liam um enunciado faziam imensos comentários, por exemplo, num problema sobre legos, os alunos, cujos nomes estavam mencionados no enunciado, comentaram de imediato “eu tenho mais legos do que ele” (ver Figura 5). Uma aluna, bastante tímida em todas as aulas e falando apenas quando solicitada, mal observou que um problema tinha o seu nome, só conseguia dizer “eu estou aqui!”. Também uma outra aluna quando viu o seu nome no quadro, aquando a resolução de um problema, perguntou “professora eu estou de castigo?”. Depois também referiu “professora o problema está errado, eu salto mais que ela”. 

Figura 4 - Dicionário de Problemas

Figura 5 - Problema Descontextualizado vs. Problema Contextualizado

Aos poucos, para além de estarem a adquirir competências ao nível da resolução de problemas, os alunos ficavam cada vez mais motivados e empenhados em resolver as situações problemáticas. Deste modo, o seu interesse era claramente diferente do da fase anterior. Faziam sempre referência aos enunciados e interligavam os mesmos às experiências do seu quotidiano, encarando-os como um jogo para o qual tinham de descobrir a solução, recorrendo a diferentes estratégias, como se pode observar na Figura 6.

Figura 6 – Resoluções dos Alunos

Na fase final, relativamente aos problemas contextualizados aplicados, a turma subiu de um nível 3 para um nível 4. Os resultados mostraram que 10 alunos (67% da turma) obtiveram uma classificação superior à anterior. Contudo, houve um aluno que baixou a sua classificação e outros quatro que a mantiveram. A avaliação do desempenho da turma face a estes problemas demonstrou que esta se encontrava num nível mais elevado. Além disso, tornou-se evidente que as dificuldades iniciais, ao nível da interpretação e, consequentemente, a aplicação de uma estratégia que lhes permitisse chegar ao que era pretendido, já não eram tão visíveis. E em alguns casos, aplicavam as fases de Polya, esquematizando a informação mais importante, e não partiam de imediato para a resolução. Para além disso, ao longo desta avaliação, os alunos já não solicitavam, tão recorrentemente, a professora para esclarecimento de dúvidas.

Pela análise dos questionários finais, percebeu-se que, quando os alunos referiam o que aprenderam de novo, centravam-se nas fases de Polya, especialmente naquelas que habitualmente não realizavam, tais como, o relacionarem os dados e do retrospeto. Afirmaram ainda que não gostavam de partilhar as suas formas de resolução, pois não tinham esse hábito. Por isso mesmo, ao longo deste estudo, os alunos foram estimulados a interagirem, no sentido de trocarem e partilharem informações, de refletirem sobre as diferentes estratégias de resolução. E compreenderam que, ao comunicar com os colegas, aprendiam outras formas de resolução contribuindo para a construção de aprendizagens significativas.

Quanto à resolução de problemas, pensaram e compreenderam melhor os problemas e, através das fases de Polya, conseguiram encontrar estratégias de resolução. De realçar duas respostas, particularmente, curiosas: “agora fico mais tranquilo” e “agora os problemas são mais fáceis de resolver”. Mesmo assim, houve ainda dois alunos que declararam não conseguir resolver problemas de forma mais eficaz porque os propostos eram considerados problemas difíceis.

CONCLUSÕES

Grande parte dos alunos apresentam dificuldades em resolver problemas, levando os professores de Matemática a investigar as razões pelas quais a maioria dos alunos não consegue compreender, interpretar, analisar um enunciado e resolver problemas de forma eficaz. Logo, a resolução de problemas deve apropriar-se de uma linguagem familiar e próxima dos alunos (Cândido, 2001).

Na concretização da primeira bateria de problemas, pode concluir-se que, uma das grandes dificuldades dos alunos centra-se na interpretação do seu enunciado. Este facto ocorria porque os alunos não se relacionavam com os problemas e a atenção que davam à leitura, interpretação e compreensão dos enunciados era mínima, sendo um obstáculo logo na primeira fase definida por Polya. Isto fazia com que não conseguissem encontrar um caminho para chegar à solução. Outra fase, que também não se chegava a concretizar, era o registo dos dados e das informações mais pertinentes para a resolução dos problemas. Aqui os alunos consideravam que o importante era passar de imediato para a resolução em si e as suas maiores preocupações centravam-se na “conta” que tinham que fazer, não percebendo que para resolverem problemas nem sempre tinham de utilizar algoritmos. Todos estes aspetos lhes provocavam uma sensação de desmotivação, por não serem capazes de encontrar a solução dos problemas.

Na etapa seguinte, a apresentação das fases de resolução de problemas de Polya e a utilização de diferentes estratégias de resolução, permitiu ao aluno perceber o que estava a aprender. E, para além disso, compreender a razão dessa aprendizagem, que se centrava na aquisição de competências para resolver problemas de forma mais eficaz. Com as fases de Polya, os alunos tomaram consciência das suas destrezas ou dificuldades e perceberam qual o caminho a seguir para as contornarem. Estes factos vão ao encontro do defendido por Polya (2003) quando afirma ser possível promover um desempenho adequado de resolução de problemas se o ensino enfatizar as quatros fases de resolução, ou seja, a compreensão e análise dos dados, o que se pretende com o problema, aplicar uma estratégia e verificar o processo utilizado para a resolução. Este estudo também revelou a eficiência dos alunos neste processo, uma vez que o desenvolveram de um modo mais autónomo, confiantes, e com menor dependência do apoio do professor. No entanto, a metodologia de resolução de problema de Polya não era suficiente para que o envolvimento dos alunos fosse completo. Este facto ocorreu quando se aliou ao processo a contextualização dos problemas.  

Tomando em atenção o desinteresse que estes alunos mostraram inicialmente pelos problemas, ficou patente a influência dos problemas contextualizados para a sua motivação em resolvê-los e, intrinsecamente, para a compreensão de processos, estratégias e de conceitos. A integração das brincadeiras preferidas da turma nos problemas contextualizados permitiu ter alunos mais empenhados e motivados, ou seja, predispostos para resolverem problemas onde, os próprios, eram os protagonistas. A atividade de contextualização tinha como objetivo tentar, não só, envolver os alunos na resolução de problemas, mas também melhorar o seu desempenho nessa área. E isso aconteceu, pois os resultados que se obtiveram na fase de avaliação mostraram uma melhor prestação por parte dos alunos.

Nos seis princípios estipulados para a matemática escolar referidos pelo NCTM (2007), o quarto, relativo à aprendizagem, indica que “os alunos devem aprender matemática com compreensão, construindo ativamente novos conhecimentos a partir da experiência e dos conhecimentos prévios” (p. 11). Estes conhecimentos prévios são aqueles que têm sentido para o aluno e é através deles que consegue articular e dar significado às novas aprendizagens.

Inicialmente, no levantamento feito sobre a relação da turma com a matemática, apesar de a considerarem uma disciplina útil, os alunos não estabeleciam relações entre a matemática e o seu quotidiano. Contudo, no final do projeto consideraram que a matemática “está em todo o lado”. Associavam a matemática às suas brincadeiras preferidas, defendiam que a maior parte dos jogos têm matemática e afirmavam que ao resolver problemas estavam a divertirse e a aumentar a sua imaginação.

Este estudo mostra a importância de se dar continuidade a estas opções didáticas que estimulam o aluno e desenvolvem a sua autonomia e confiança na resolução de problemas.

Em suma, na problemática que se investigou com este trabalho, concluiu-se que a contextualização dos problemas nas suas vivências, no seu quotidiano, nos seus interesses, são importantes, pelo menos numa fase inicial deste processo, por motivar o aluno, melhorar o seu desempenho por se considerar mais confiante e capaz e, permitindo conexões mentais entre múltiplas representações textuais, objetivo principal na resolução de problemas. Os resultados mostram ainda uma maior predisposição para a matemática, em geral, e para a resolução de problemas, em particular.

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