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'Escape 2 Educate': a metodologia "Escape Room" no ensino de inglês no 1º CEB
João Almeida
Colégio do Sardão/ Escola Superior de Educação do Politécnico do Porto/ inED - Centro de Investigação e Inovação em Educação
Mário Cruz
Escola Superior de Educação do Politécnico do Porto/ inED - Centro de Investigação e Inovação em Educação/ CIDTFF - Centro de Investigação em Didática e Tecnologia na Formação de
Formadores/ Universidad de Vigo - Facultad de Filología y Traducción
RESUMO
Começaram a surgir alguns estudos relacionados com a implementação da metodologia “Escape Room” (Guigon 2018) em contextos de ensino secundário, sendo o seu enfoque a maneira como o uso deste tipo de abordagem pode promover o desenvolvimento das competências do século XXI (Cruz & Orange , 2016), ou seja, o pensamento crítico, a resolução de problemas e a colaboração. No entanto, pouco tem sido investigado sobre os efeitos desta metodologia para alunos do 1º CEB.
Este artigo visa apresentar o projeto "Escape 2 Educate" e discutir a implementação da metodologia "Escape Room" em ambientes de aprendizagem de inglês no 1º CEB. No âmbito deste projeto, os alunos foram trancados dentro de uma sala de aula, e para escapar - e, portanto, ganhar o jogo -, tiveram que superar uma série de desafios usando conhecimentos específicos e competências adquiridas nas aulas de inglês.
Seguindo uma abordagem metodológica etnográfica, observámos práticas baseadas na metodologia 'Escape Room' com um grupo de alunos que se encontram a frequentar inglês no 2º / 3º anos de escolaridade. Durante estas práticas os alunos foram convidados a responder questionários, decifrar enigmas, escrever mensagens, resolver problemas, analisar vídeos de forma crítica, etc.
Os resultados mostram que as tarefas baseadas na metodologia “Escape Room" promovem o comportamento colaborativo entre os alunos, o que, por sua vez, promove a resolução criativa de problemas e o pensamento crítico na sala de aula. De facto, esta metodologia, como uma experiência gamificada que permite que a aprendizagem seja envolvente, significativa e experiencial (Fernández-Corbacho, 2014), pode ser uma maneira muito interessante e divertida de desenvolver competências, não apenas daqueles que aprendem, mas também daqueles que ensinam.
Palavras-chave: metodologias “Escape Room”, pedagogia da gamificação, inglês no 1º CEB, competências do século XXI
ABSTRACT
Some studies related to the implementation of the “Escape Room” methodology (Guigon 2018) in secondary school learning contexts have started to emerge, focusing on the way the use of this type of approach could foster the development of 21st century skills (Cruz & Orange, 2016), namely critical thinking, problem-solving and collaboration. However, little has been seen about the effects of this methodology in primary school pupils.
This paper aims at both presenting the ‘Escape 2 Educate’ project and discussing the implementation of an “Escape Room” approach in primary English learning settings. Within the scope of this project, pupils were locked inside a classroom, and in order to escape – and therefore win the game –, they had to overcome a series of challenges using specific knowledge and skills acquired in English lessons.
By following an ethnographic methodological approach, we observed practices based on the ‘Escape Room’ methodology with a group of pupils learning English in the 2nd/3rd years, in which they were invited to answer quizzes, solve riddles, write messages, solve problems, to critically analyse videos, etc. The results show that tasks based on the ‘Escape the classroom” methodology promote collaborative behaviour amongst pupils, which in - turn, fosters creative problem-solving and critical thinking in the classroom. In fact, this methodology, as a gamified experience that allows learning to be engaging, meaningful and experiential (Fernández-Corbacho, 2014), can be a very interesting and amusing way of fostering the development of skills, not only for those who learn, but also for those who teach.
Keywords: escape the room methodology, gamification pedagogy, primary English, 21st Century Skills
INTRODUÇÃO
Nos dias que correm espera-se que o professor desenvolva um processo de ensino-aprendizagem baseado em práticas do dia a dia, reformulando o contexto educativo e pedagógico, de forma a que os alunos sejam mais pró-ativos, participativos e conscientes da sociedade de que fazem parte, simulando características próprias de um cidadão da era glocal que estamos a viver.
Assim sendo, espera-se que o professor contribua para a construção ativa do conhecimento dos alunos, baseado numa reflexão e aprendizagem colaborativa permanente, em que se contribua para a sua verdadeira inserção na comunidade e numa (re)construção participativa do bem comum.
Neste artigo, vamos debruçar-nos na metodologia “Escape Room”, enquadrada no paradigma da pedagogia da gamificação, que oferece aos estudantes a oportunidade de desenvolver competências do século XXI através de enfoques comunicativos experienciais. Para além de analisar os pressupostos teóricos subjacentes a esta metodologia, teremos oportunidade de analisar o projeto “Escape 2 Educate” desenvolvido em contextos de ensino de inglês no 1º CEB.
1. DAS COMPETÊNCIAS DO SÉCULO XXI À PEDAGOGIA DA GAMIFICAÇÃO E METODOLOGIA “ESCAPE ROOM”
Estamos de acordo com Chickering & Gamson (1987, p. 5), que indicam que
Learning is not a spectator sport. Students do not learn much just sitting in classes listening to teachers, memorising prepackaged assignments, and spitting out answers. They must talk about what they are learning, write about it, relate it to past experiences, and apply it to their daily lives.
De facto, é importante sublinhar a necessidade de desenvolver uma aprendizagem o mais experiencial possível, que procura introduzir no processo de ensino e aprendizagem experiências tidas como válidas, relevantes e significativas para o aluno, pela sua relação com o(s) contexto(s) em que os alunos circulam.
Na nossa perspetiva, o enfoque comunicativo experiencial é, por excelência, um enfoque holístico que tem em conta as características individuais de cada aluno e em que a aprendizagem é vista como um processo cíclico, que faz com quem as experiências sejam duradouras e significativas e, como tal, memoráveis (cf. Fernández-Corbacho, 2014). Num processo de ensino e aprendizagem (re)construído segundo esta perspetiva, não só a interação e a comunicação desempenham um papel fundamental, mas também as necessidades e interesses de cada aluno, pois as práticas baseadas num enfoque comunicativo experiencial convidam o aluno a desenvolver o seu interesse em explorar a sociedade local sempre em interação com o Outro, tendo a criatividade, a flexibilidade, a necessidade de assumir riscos e de desenvolver liderança(s) como pano de fundo (cf. Cruz & Orange, 2016).
Fernández-Corbacho (2014) assinala como principais características de contextos de aprendizagem baseados num enfoque comunicativo experiencial as seguintes: a) as tarefas devem envolver os estudantes em estratégias cooperativos, fazendo-os co-responsáveis pela sua aprendizagem; b) cada atividade deve apresentar desafios e gerar interesse; c) tem em conta os diferentes estilos de aprendizagem que encontramos no grupo-turma, pelo que se deve dar-lhes tarefas variadas; d) a mobilização de atividades hipersensoriais apoiam-se nas tecnologias Web 2.0/3.0 e aplicações gamificadas.
Posto isto, há que ter em conta que os contextos de aprendizagem baseados em tarefas mecânicas e abstratas, que têm pouca relação com o mundo real, são pouco proveitosas nos dias que correm e não contribuem para uma verdadeira conexão afetiva do aluno com a aprendizagem. Como acrescenta Cruz (2018, p.283), estas atividades (hiper)sensoriais
transform the senses into channels of perception that activate, in turn, brain connections (...), giving students the opportunity to experience something, by better retaining the information they receive, through the manipulation and simulation of tasks in the surrounding reality.
Ao desenvolver um processo de ensino e aprendizagem baseado na pedagogia da gamificação, como é o caso das “Escape Rooms”, o professor desenha uma “una actividad de aprendizaje (...) introduciendo elementos del juego (insignias, límite de tiempo, puntuaciones, dados, etc.) y su pensamiento (retos, competición, etc.)” (Foncubierta & Rodríguez, 2015, p. 2). Neste contexto, o aluno motivar-se-á e implicar-se-á nos contextos que lhe dizem algo, através de mecânicas, dinâmicas e componentes próprios dos videojogos, que contribuem para um estado de fluxo contínuo, promovendo uma motivação intrínseca (cf. Kapp, 2012; Werbach & Hunter, 2012).
No estudo que aqui apresentaremos também procurámos despertar o “encendido emocional” dos nossos alunos de inglês no 1º CEB, pois concordamos com Knutson (2015, p. 54) que indica que o componente afetivo facilita o desenvolvimento do “personal input, initiative, and self-direction in the learning process” dos alunos. Desta forma, podemos referir que as aprendizagens experienciais com recursos holísticos e hipermediais são relevantes pela incorporação dos alunos ante atividades em que estes têm oportunidade de desenvolver a sua reflexão e pensamento crítico na aquisição e (re)criação de conhecimentos pró-ativos que vão mobilizar noutros contextos reais (cf. Fernández-Corbacho, 2014; Foncubierta & Rodríguez, 2015).
2. CARACTERÍSTICAS DE UMA “ESCAPE ROOM” EDUCATIVA
Os “Escape Room” são jogos de ação que se desenvolvem num contexto real, onde grupos de pessoas ou equipas devem descobrir pistas e resolver desafios para resolver um determinado mistério ou escapar de um dado espaço, tendo em conta o tempo que é limitado. Como Nicholson (2016, p. 1) indica, os “Escape Rooms” funcionam como “live-action team-based games where players discover clues, solve puzzles, and accomplish tasks in one or more rooms in order to accomplish a specific goal (usually escaping from the room) in a limited amount of time”.
Normalmente tem lugar num quarto ou sala onde circulam, interagem e exploram membros de uma equipa de três a oito pessoas. Contudo, a experiência deverá começar fora deste espaço, pois deve-se dar instruções aos participantes, de forma a contribuir para a narrativa de fundo de todo o mistério. A partir do momento em que entram no espaço, os participantes têm que explorar o ambiente de forma a descobrir pistas, objetos, puzzles e qualquer outro tipo de detalhe existente, que lhes permita resolver os problemas, desafios e, numa última instância, o mistério, ou seja, o objetivo final (Nicholson, 2015, WEB).
Devido ao facto de que este tipo de atividades requer trabalho de equipa e o desenvolvimento de práticas de comunicação e de pensamento crítico, facilmente consideramos a sua aplicação em contextos educativos, sobretudo se tivermos em conta a importância que a didática da gamificação tem vindo a ganhar na última década, que se verifica na quantidade e qualidade de estudos que têm sido publicados, no que concerne a sua relevância para contextos de aprendizagem. (cf. Guigon, 2018).
Particularmente colaborativo na sua essência, este tipo de jogo convida os seus participantes a colocar sobre a mesa todas as suas competências psicossociais ao serviço da aprendizagem, de maneira a que, através de um trabalho de equipa e de adaptação permanente ao contexto e aos desafios, que o trabalho de equipa por si só levanta, consigam “escapar” do espaço. De facto, os participantes de uma “Escape Room” têm oportunidade de desenvolver em tempo real: a) competências de índole cognitiva, como a lógica, a memorização, a atenção, o pensamento dedutivo, a criatividade, a resolução de problemas e, ainda, a gestão de tempo e de recursos; b) competências sociais de trabalho de equipa, cooperação, incluindo a liderança; c) competências psicológicas, como a expressão de emoções, a gestão de sentimentos associados ao ganho ou à perda e o autoconhecimento (cf. Burgos Berzosa, 2018).
A criação de “Escape Rooms” para fins educativos é algo relativamente novo. Contudo, os estudos existentes demonstram que se tratam de propostas gamificadas que oferecem uma outra perspetiva sobre o papel do jogo no processo de ensino-aprendizagem, pelos seus contributos no que concerne o desenvolvimento de competências de pensamento crítico e criatividade no seio de tarefas colaborativas na sua verdadeira essência. De facto, os participantes de uma “Escape Room” educativa têm oportunidade de participar numa experiência cujas características oscilam entre o ócio e o educativo, mas que permite o desenvolvimento e treino de diferentes competências, como as que enunciámos acima.
A criação de uma “Escape Room” educativa deve ser feita com a responsabilidade e rigor inerente à preparação de qualquer atividade didática e pedagógica. Recomenda-se que um professor tenha alguns cuidados antes de começar a desenhar uma “Escape Room”, nomeadamente: a) experimentar uma “Escape Room” ao vivo, entre os múltiplos espaços que se encontram disponíveis atualmente em qualquer cidade, para compreender melhor as suas características e o que está em jogo; b) ter em conta se a atividade é significativa para os estudantes a quem se dirige, pois é fulcral a narrativa, o ambiente e a complexidade dos desafios, que, por sua vez, têm que se coadunar com os interesses, capacidades e motivações dos mesmos; c) ter em mente que a criação de uma “Escape Room” se faz de forma progressiva, pelo que é necessário desenhar, testar e redesenhar de forma a aprimorar e a complexificar a experiência, adequando-a ao máximo ao grupo a quem se dirige.
Já ao desenhar uma “Escape Room”, devemos ter em conta os aspetos seguintes: 1) a narrativa, 2) os tipos de puzzles e, ainda, 3) a organização do espaço e o contributo para o fluxo dos puzzles (cf. Guigon, 2018). Vamos focar a nossa atenção em cada um destes aspetos que tivemos em conta na elaboração da “Escape Room” que criámos no âmbito do nosso projeto “Escape 2 Educate”.
No que concerne ao primeiro aspeto, a narrativa, há que ter em conta que esta não é mais nem menos que a criação do contexto e da história que justifica todos os desafios pelos quais vão passar e tentar superar os jogadores. O seu objetivo é tornar a experiência mais atrativa, interessante, imersiva e memorável, contribuindo para uma verdadeira e genuína implicação dos estudantes, de tal forma que mesmo eles acabam por contribuir para a história proposta pelo desenhador da “Escape Room”. Como já aqui referimos, a narrativa deve ser experienciada mesmo antes da entrada dos jogadores na sala, contribuindo para a antecipação de sentimentos ligados à necessidade de resolver o mistério.
Esta imersão na história consegue-se e vive-se através da criação de um contexto em que a decoração estética e o fluxo de puzzles retroalimenta toda a experiência. Num estudo ligado ao tipo de jogos de Escape Room realizados até ao momento, Nicholson (2015) expõe os temas e narrativas mais frequentes, que resumimos na tabela seguinte:
Tabela 1 - Temas e narrativas mais frequentes nos jogos de “Escape Room” (cf. Nicholson, 2015)
Temas mais recorrentes |
Narrativas mais frequentes |
• Desenhos animados • Escola • Fantasia • Laboratório • Ligados a um dado tempo ou época (época atual ou um momento no passado ou futuro) • Tecnologia futura • Ligados a estações ou temas festivos do ano (Verão, Natal, Halloween, Páscoa, etc.) • Militar • Terror (Zombies, Vampiros, etc.) |
• Ajudar a criar algo (uma cura, um antídoto, uma poção, etc.) • Desativar um artefacto explosivo • Escapar de algum espaço (prisão, masmorra, local pronto a explodir, etc.) • Investigar um crime (assassinato ou roubo, por exemplo) • Libertar alguém que foi raptado ou desapareceu • Participar numa missão de espionagem |
Já no que concerne os tipos de puzzle, há que ter em conta, em primeiro lugar, que a experiência tem regras próprias e, como tal, há que as deixar claras para os jogadores, incluindo: têm que resolver o mistério antes do tempo, têm que respeitar as instruções, têm que trabalhar em equipa, têm que respeitar o espaço e seus objetos, entre outros aspetos. Em segundo lugar, há que partilhar com os jogadores informação ligada à narrativa, de forma a incorporá-los na aventura. Esta partilha pode ser realizada através de um vídeo introdutório, como uma video-mensagem, ou pode ser dada através de um personagem ou ator. Depois de apresentada a narrativa, os jogadores são deparados com o primeiro desafio quando são confrontados com primeira atividade para resolver ou objeto que têm que manipular.
Durante a experiência na sala, os jogadores vão encontrando diversos objetos que vão manipulando de forma lógica, tendo em conta diferentes competências como o pensamento crítico, a comunicação e o trabalho colaborativo, com o fim de cumprir o objetivo num tempo fixo. Os puzzles mais comuns utilizados em “Escape Rooms” educativas são:
- a procura de objetos físicos escondidos, inclusive aqueles pouco usuais (papel no lixo, um postal ou envelope, uma mensagem na parede, um cadeado e uma chave, um espelho para ler uma mensagem que se decifra quando refletida, caixas, malas de viagem, fotos, cartazes, pens USB, códigos QR, livros, chaves, etc.), e a descoberta da sua utilização, ou seja, aquando da sua entrada na sala, os jogadores começarão a procurar pistas que os ajude, pelo que há que deixar pistas à vista para que eles possam começar a (re)criar a ligação entre objetos e pistas;
- a análise de informação num texto que se trata de uma estratégia muito flexível, pois permite que as passagens de um determinado texto contribuam para o avance da narrativa (incluindo a seleção de determinadas letras ou palavras, através de um cartão perfurado cujos buracos identificam o que é essencial ou, ainda, o acesso uma determinada mensagem que só se pode ler com luz ultravioleta);
- o uso de códigos sem uma chave física, em que combinando letras e números, os jogadores podem descobrir nomes de objetos ou uma próxima pista, nomeadamente um código para abrir um cadeado numérico;
- enigmas ou adivinhas que se apresentam como problemas que usam linguagem metafórica, alegórica ou associativa, que requerem experiências prévias ou criatividade para resolver e que normalmente permitem aceder a objetos ou a códigos que fazem avançar os jogadores na descoberta da solução para o problema;
- palavras-cruzadas tradicionais, que se podem gerar facilmente através de crossword puzzles makers presentes na internet e cuja palavra que sai como formulação do conjunto de definições funciona como pista (cf. Burgos Berzosa, 2018; Guigon, 2018).A organização dos puzzles pode ser: a) aberta, em que não dependem de uma sequência específica; b) sequencial, em que um puzzle conduz sucessivamente a outro, através das pistas que cada um deles contém; c) trajetorial, em que existem vários caminhos e possibilidades que contribuem para a resolução do objetivo, sendo a mais utilizada e a mais recomendada para grupos grandes. Contudo, todas estas formas de organizar devem ter em conta que os primeiros puzzles não deverão ser difíceis, de forma a dar-se a sensação de êxito aos jogadores e concomitante confiança e entusiasmo ante os desafios seguintes (cf. Burgos Berzosa, 2018).
- Por último, também particularmente importante é a organização dos puzzles e o seu fluxo. De facto, existem diferentes maneiras de organizar os puzzles, mas há que escolher a mais apropriada ao jogo, tendo sempre como pano de fundo a variedade e a dificuldades das tarefas, uma vez que se são demasiado repetitivos ou extremamente difíceis pode-se provocar a perda de motivação e inclusive a saída do jogo por parte dos participantes.
3. O PROJETO “ESCAPE 2 EDUCATE”
O "Escape 2 Educate" foi concebido em 2018 como um projeto final da Licenciatura em Línguas e Culturas Estrangeiras, da Escola Superior de Educação do Politécnico do Porto, consistindo na exploração da metodologia "Escape Room" no contexto de ensino e aprendizagem de inglês no 1º CEB. O título “Escape 2 Educate” tem duplo sentido: por um lado, “Escape 2 Educate”, porque o projeto é sobre a utilização da metodologia "Escape Room". Por outro lado, “Escape 2 Educate” refere-se ao sentido de “escapar” às abordagens pedagógicas tradicionais que não se adequam ao século XXI, para de facto se conseguir educar a sociedade da atualidade. Na origem do projeto estão, por um lado, um interesse acentuado pela aplicação das "Escape Rooms" em contextos educativos, assim como o desejo e a oportunidade de contribuir para o seu estudo, particularmente no 1º CEB, onde a investigação realizada até ao momento é parca.
3.1. OBJETIVOS E METODOLOGIA
Com este projeto pretendeu-se dar a conhecer as "Escape Rooms" educativas e motivar a sua utilização em Portugal, com um maior foco em como podem contribuir para o ensino e aprendizagem de línguas. Pretendeu-se também colmatar a falta de estudos sobre tal metodologia, nomeadamente no que diz respeito à sua aplicação no contexto português e no 1º CEB.
No que diz respeito às metodologias usadas para cumprir esses objetivos, foi necessário, primeiro, compreender como deve ser o ensino de línguas e culturas estrangeiras no século XXI, reunir informação sobre abordagens pedagógicas adequadas a esse tipo de ensino e analisar aquelas com as quais as "Escape Rooms" se relacionam e que ajudam a explicar porque motivos podem ser eficazes. Como tal, realizou-se a análise documental sobre artigos e livros relacionados com a metodologia "Escape Rooms", tendo em conta as suas caraterísticas e a sua aplicação em contextos de ensino e aprendizagem. Esta análise contribuiu para a planificação de uma "Escape Room" e a sua consecução num contexto de ensino formal, durante a qual se tiraram algumas notas de campo , sobre as quais nos debruçaremos mais tarde.
3.2. PLANO DE AÇÃO E APLICAÇÃO PRÁTICA
A "Escape Room" criada no âmbito do projeto "Escape 2 Educate" foi posta em prática num colégio da região do Grande Porto dedicado ao Jardim de Infância e ao 1º CEB. Esta instituição de ensino tem parceria com a Escola Superior de Educação do Politécnico do Porto, no que concerne práticas de investigação e práticas de supervisão baseadas na metodologia Content and Language Integrated Learning (CLIL).
Após recebida a confirmação de que seria possível implementar uma "Escape Room" no colégio, foi necessário reunir com o docente de Inglês para decidir que turma ou turmas iriam participar, o espaço que se iria utilizar, a data em que se poderia fazer a atividade e, ainda, para conhecer os interesses e competências em Inglês dos alunos envolvidos. A ideia inicial era fazer a atividade apenas com uma turma do 4º ano, mas o professor afirmou que isso não seria possível e que até preferia que a "Escape Room" fosse preparada para duas turmas, uma do 2º ano e outra do 3º, o que tornaria a sua elaboração ainda mais desafiante. Apesar disso, o desafio foi aceite.
Tendo em conta o interesse geral dos alunos nos desenhos animados “O Incrível Mundo de Gumball”, elaborou-se uma narrativa na qual eles seriam os responsáveis por salvar o Gumball e a sua família. Para isso e para não ficarem trancados dentro da sala "para sempre", teriam de vencer a "Escape Room" que o vilão tinha preparado para eles. Teriam a ajuda do verdadeiro criador dos desafios, no papel de um espião que fingia ser ajudante do vilão, mas que na realidade andava a reunir provas para o incriminar. No entanto, o vilão teria colocado câmaras por toda a sala, por isso o espião não os podia ajudar muito, para não estragar o disfarce.
Embora o tempo limite normal de uma "Escape Room" educativa varie entre os 45 e os 60 minutos, optou-se por elaborar esta "Escape Room" para um tempo limite de 30 minutos , uma vez que seria uma primeira experiência na elaboração deste tipo de atividade. Os desafios foram pensados tendo em conta as Metas Curriculares do Inglês e os conteúdos que o docente de Inglês afirmou que já tinha abordado nas suas aulas até ao momento. Os alunos foram informados alguns dias antes da atividade, mas não lhes foi revelado nada no que diz respeito à história nem aos desafios que teriam de ultrapassar.
No dia da atividade, as duas turmas foram divididas em dois grupos, o que significa que a atividade foi realizada quatro vezes no mesmo dia. A turma do 2º ano era constituída por 23 alunos e a do 3º por 20, o que dá um total de 43 alunos, com idades compreendidas entre os 8 e os 10. Antes de cada grupo entrar na sala, o "espião" explicava-lhes o que estava ali a fazer e o que iria acontecer lá dentro. Também nesse momento se expressava o quão importante era o papel deles e a confiança de que seriam capazes de vencer, mas sempre com o cuidado de ter a certeza de que queriam aceitar o desafio, a que todos os grupos responderam afirmativamente (ver Figura 1).
Figura 1 - Alunos ouvem o espião antes de entrar na sala
Já com o espião e os alunos dentro da sala (acompanhados sempre também por um docente), trancava-se a porta e logo de seguida estes ouviam um ficheiro áudio no qual o vilão explicava as regras do jogo (ver Figura 2).
Figura 2 - Alunos ouvem a gravação do vilão
Por norma, uma "Escape Room" envolve uma grande quantidade de recursos e esta não foi exceção. Os recursos humanos foram os alunos e os três professores que estavam com as suas respetivas turmas na hora da atividade. Já no que diz respeito aos recursos materiais utilizados, a lista é bem mais longa e diversificada: mesas; cadeiras; caixote do lixo com papéis amassados dentro; dois computadores; um projetor; um telemóvel; papéis com desafios escritos, letras ou números; um envelope; três caixas; dois livros; um mapa da Europa; pufes; cinco garrafas de águas; três pacotes de lenços; um par de calções; uma mala; um cadeado; um cofre e uma chave (ver Figura 3).
Figura 3 - Mala com cadeado
Tendo em conta os pressupostos da concepção duma “Escape Room” (Burgos Berzosa, 2018; Guigon, 2018; Nicholson, 2015, 2016), concebemos os seguintes desafios:
Desafio 1
Here is a picture with Gumball and his family. Como podem ver, o Gumball já está identificado, mas falta dizer quem são as outras pessoas. Escrevam por baixo de cada um deles a relação familiar que eles têm para com o Gumball. Write in English!
Clue: a palavra passe para aceder ao computador é a primeira letra de cada palavra que escreverem da esquerda para a direita. “Gumball” não conta.
Desafio 2
Look at the picture of Gumball and his family. The colour of his brother’s face is also the name of a fruit. Look around to find the next challenge…
(Havia uma foto de uma laranja afixada na parede e por trás da foto estava o desafio seguinte)
Desafio 3
Colour the big triangle blue and the small square yellow. Then, cut it out and give it to João. He will know what to do… (ver Figura 4)
(Se as formas estivessem coloridas corretamente, o espião entregaria o desafio seguinte)
Figura 4 - Alunos pintam e recortam as formas
Desafio 4
Find the words. Os animais que aparecem na horizontal estão numa caixa. Há várias caixas, com imagens diferentes, mas só uma é a caixa certa, que inclui a letra de que os alunos precisariam para a atividade seguinte.
Figura 5 - Caixas com o próximo desafio e uma letra
Desafio 5
Create a new dish. You can use these words: milk, chocolate, chips, ice cream, apples, bananas, burgers, sandwiches and cake. Usa esta folha para escrever os ingredientes. Tens de usar 3, no mínimo. Também tens de dar um nome a essa comida (em Inglês, não te esqueças!) Para isso, o João e professores podem ajudar-vos. Mandem-me uma foto para decidir se aceito ou não essa vossa invenção…
Desafio 6
Nada mau…vou aceitar. Aqui têm uma pista para avançarem no jogo:
(Esta seria uma mensagem enviada pelo vilão para o telemóvel do espião, juntamente com uma imagem de um livro que estava algures na sala e dentro qual estava escondido o desafio seguinte).
Desafio 7
These are two traditional dishes. From which countries? No mapa da Europa que está algures nesta sala, cada país tem um número. Se somarem os dois números correspondentes a esses países, vão obter o número da página de um livro. Mas não vos vou dizer que livro é…
(As imagens eram de uma pizza e de uma francesinha. Na página correta do livro estaria o desafio seguinte)
Desafio 8
No computador, há um documento que só podem abrir com uma palavra passe. A palavra passe é a resposta à seguinte pergunta: quais são dois exemplos de palavras sobre comida que se usam em português e em inglês?
(O documento Word continha o desafio seguinte)
Desafio 9
There is something under an object. That object is not a chair, but you can sit on it.
(O desafio encontrava-se debaixo de um pufe)
Desafio 10
Já devem ter reparado nas garrafas que estão em cima de uma mesa. Vão precisar do que está dentro de duas dessas garrafas. E para descobrirem quais são as garrafas certas, têm de saber a resposta à seguinte pergunta: Which languages can you listen to in the song “Échame la culpa”? (ver Figura 6)
(Cada garrafa tinha um rótulo com uma língua escrita. Somente duas delas continham duas metades de uma folha que formavam a mensagem “Nem tudo o que parece lixo, é lixo”. No caixote do lixo havia um papel amassado com uma chave dentro e o desafio seguinte escrito)
Figura 6 - Garrafas com os rótulos em diferentes línguas
Desafio 11
There’s a video in the computer (https://www.youtube.com/watch? v=pj2AmQ6rWsU). Watch it and answer these questions:
11.1 – In which season does the video take place?
(Uma cadeira tinha um papel agarrado a dizer “It’s sunny and it’s hot”, que era a resposta correta, e em cima da cadeira estava um papel com um número.
Havia mais cadeiras com papéis a dizer “It’s raining and it’s cold” e “It’s snowing and it’s cold”, também com papéis com números em cima, para dificultar)
11.2 – What is Gumball wearing in minute 2:16?
(A resposta era "shorts", por isso os alunos tinham de encontrar um par de calções que estava algures na sala, os quais tinham um papel com outro número num dos bolsos)
11.3 – De acordo com o Gumball, “procratelamaquión“ é uma palavra de que país?
(Havia um papel com outro número escrito escondido dentro de um pacote cheio de lenços, pacote esse que tinha agarrado um papel com a bandeira do México e onde estava escrito “Mexico”. Havia mais dois pacotes, com bandeiras de outros países e também com números dentro para dificultar)
Pela sala vão encontrar coisas relacionadas com as vossas três respostas, e nessas coisas estarão escondidos números que servirão para… bom, isso terão de ser vocês a descobrir. Se forem capazes…
(Os números estavam escritos por extenso e constituíam uma combinação para abrir um cadeado de uma mala, que tinha lá dentro um cofre. Esse cofre seria aberto com a chave que os alunos tinham anteriormente encontrado no caixote do lixo.
Dentro do cofre estava a última letra, das várias que foram colecionando ao ultrapassar os diferentes desafios, para formar a palavra que lhes permitia sair da sala: “Escape”. Nas figuras 7 e 8 vemos os alunos a ultrapassar este desafio).
Figura 7 - Alunos abrem o cofre
Figura 8 - Alunos ordenam as letras
Como se pode verificar, houve uma preocupação em trabalhar sobretudo a competência intercultural e em integrar a abordagem CLIL, dada à relevância que lhe é atribuída no contexto de realização da atividade. Ao longo da mesma, os alunos foram motivados a trabalhar em equipa e procurou-se também que houvesse uma grande interação entre eles e o vilão, através do uso das tecnologias, uma vez que (supostamente) o vilão enviava pistas e mensagens para o telemóvel do espião. Na realidade, essas pistas e mensagens já estavam guardadas no telemóvel e eram simplesmente mostradas aos alunos, fazendo-os crer de que tinham sido enviadas na altura.
Tendo em conta que os participantes desta "Escape Room" eram crianças, ofereceu-se um troféu às duas turmas. Todos conseguiram escapar da sala a tempo e a forma de conseguir com que o primeiro grupo de cada turma não revelasse nada ao segundo foi precisamente através do troféu, pois se o fizesse o outro grupo terminaria primeiro. O facto de só no fim da atividade se revelar a cada grupo que eles tinham estado a competir por um troféu foi propositado, com o objetivo de que essa não fosse a razão da sua motivação. Mesmo sabendo que a competição e as recompensas são elementos altamente estimulantes, o que se pretendia realmente era que os alunos se sentissem motivados pela história, pelo que estava em jogo e pelo poder que eles tinham: o poder de ajudar alguém e de contribuir para que um criminoso fosse punido pelos seus crimes.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os resultados apresentados no âmbito do projeto "Escape 2 Educate" mostram que a metodologia “Escape Room" promove o desenvolvimento de competências essenciais ao século XXI, nomeadamente a colaboração, o pensamento crítico e a resolução de problemas. Para além disso, foi possível verificar que as "Escape Rooms" educativas são geradoras de motivação e permitem que os alunos aprendam de forma ativa e envolvente, o que por sua vez contribui para a criação de aprendizagens significativas e memoráveis (Fernández-Corbacho, 2014). É, de facto, uma metodologia promissora, por todos estes motivos, e também por ser flexível, na medida em que pode ser utilizada de forma interdisciplinar e com alunos de diferentes faixas etárias e níveis de ensino.
A maior dificuldade encontrada na elaboração desta "Escape Room" foi tentar fazer com que a atividade fosse desafiante para os alunos. Isso implica tomar as decisões mais acertadas no que diz respeito ao grau de dificuldade de cada desafio e ao número de desafios para o tempo limite definido, e foi aí que houve falhas. Apesar de ter havido uma preocupação em mostrar a planificação da atividade ao docente de Inglês e de lhe ir pedindo conselhos e opiniões, foram incluídos demasiados desafios e alguns demasiado difíceis. No primeiro grupo de alunos, rapidamente se percebeu que eles não conseguiam chegar a algumas respostas ou que estavam a demorar bem mais tempo do que o expectável, por isso houve necessidade de os ajudar imenso e de improvisar. Inicialmente, para além dos desafios apresentados anteriormente, existia um vídeo que os alunos teriam de ver para posteriormente desenharem uma casa e escreverem o nome das divisões que apareciam e ainda desafios surpresa que seriam enviados pelo vilão a meio do jogo, como um pictionary sobre roupa ou um jogo da forca sobre material escolar. No entanto, esses desafios tiveram de ser retirados logo para o primeiro grupo, o que foi essencial para que a atividade tivesse decorrido de forma bem mais tranquila e natural com os restantes grupos.
Contudo, durante a "Escape Room", foi interessante ver as diferentes formas através das quais os alunos colaboravam entre si para ultrapassar os desafios, pensando em conjunto, distribuindo tarefas ou dividindo entre si locais de busca para encontrar mais rapidamente uma pista ou o desafio seguinte. Foi também notório o entusiasmo com que se envolveram e o feedback obtido foi muito positivo, que conseguimos verificar nas seguintes notas de campo que tomámos e que dão conta dos diferentes aspetos:
- trabalho colaborativo“Sozinho não conseguia resolver…”
- “Quero voltar a desvendar problemas com os meus amigos”
- desenvolvimento do pensamento crítico“Tive que pensar muito para conseguir resolver”
- “Foi preciso ligar coisas que nunca pensei para resolver os enigmas”
- comunicação“Já não me lembrava de alguns nomes em inglês”
- “Gostei das partes que tinham inglês com outras línguas”
REFERÊNCIAS
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Fernández-Corbacho, A. (2014). Aprender una Segunda Líengua desde un Enfoque Comunicativo Experiencial. Programa de Desarrollo Profesional: El enfoque comunicativo experiencial: claves para un aprendizaje duradero, 1.
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