Tutela dos créditos laborais e o recente Fundo de Compensação do Trabalho
DOI:
https://doi.org/10.26537/iirh.v0i5.2206Palavras-chave:
Tutela de créditos laborais;, Fundo de compensação do trabalho;, Direito do trabalho;Resumo
A retribuição do trabalhador constitui o suporte da sua subsistência e do seu agregado familiar, daí a referência constante à dimensão social ou alimentar da retribuição do trabalhador. A tutela especial concedida à retribuição em virtude das suas características estende-se aos restantes créditos laborais do trabalhador frente ao empregador, nomeadamente no âmbito da compensação ou da indemnização por cessação do contrato de trabalho e outros créditos emergentes do contrato de trabalho, que não consubstanciam um crédito retributivo. Na realidade, o privilégio repousa hoje na ideia mais geral de que o trabalho não é uma mercadoria, assistindo-se à projecção da dignidade da pessoa humana e da protecção que a esta é devida sobre o terreno pecuniário.
No sistema de privilégios creditórios dos trabalhadores, instituído pelo Código do Trabalho, no n.º 1, do art. 333.º, do Código do Trabalho (publicado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro), o âmbito material dos privilégios é expressamente regulado: todos os créditos resultantes da prestação de trabalho subordinado são tutelados, compreendendo-se os créditos emergentes do contrato de trabalho, da sua violação ou da cessação, excluindo-se apenas os créditos não emergentes da relação laboral (por ex., um contrato de compra e venda entre o trabalhador e o empregador). A lei laboral mantém a opção pela concessão de um privilégio mobiliário e imobiliário mas, agora, qualquer deles, sem limitação temporal residindo o seu único limite na prescrição do crédito garantido[1]. Ambos os créditos mantêm, também, a graduação anterior mas, à semelhança da orientação legislativa francesa[2], não preferem às despesas de justiça. Esta conclusão retira-se da omissão de qualquer referência a estas despesas e, ainda, do Código Civil, pois sendo os créditos graduados antes dos privilégios referidos nos arts. 747.º e 748.º, do Código Civil, funciona ainda a regra do art. 746.º: prevalência dos privilégios por despesas de justiça sobre quaisquer privilégios.
A insolvência da empresa, contudo, afecta todos aqueles que estabelecem relações económicas com essa unidade produtiva. Trabalhadores, fornecedores e outros credores da empresa, todos são afectados pela inexecução de pagamentos gerada pela situação de crise, sendo que os primeiros, contrariamente aos restantes, não podem ou não conseguem beneficiar de formas expeditas de protecção do seu crédito. O trabalhador encontra-se, na realidade, numa posição duplamente enfraquecida pois não pode garantir-se contra as consequências da insolvência, celebrando, p. ex., um contrato de seguro, e a natural demora do processo de insolvência apenas lhe assegura uma satisfação dos créditos muito distanciada no tempo.
A possibilidade de os créditos dos trabalhadores serem pagos preferencialmente a outros créditos de outros credores do empregador não constitui, no entanto, a solução óptima pois a atribuição de privilégios aos trabalhadores não se faz sem repercussões sobre a solvabilidade (futura) da empresa. Tendo presente esta realidade, e que a concessão de privilégios aos créditos laborais pode, em última análise, revelar-se desfavorável para aqueles que se pretendia beneficiar, vários países da União Europeia criaram formas alternativas de protecção dos trabalhadores em caso de insolvência do empregador. Tal protecção passa pela constituição de determinados plafonds monetários que, em caso de incumprimento do pagamento da retribuição dos trabalhadores, assegura aos trabalhadores o cumprimento dessas prestações.
No ordenamento português, nos arts. 316.º a 326.º, do Decreto-Lei n.º 35/2004, de 27 de Julho (de ora em diante designada por RCT), foi regulado o Fundo de Garantia Salarial, que salvaguarda “os créditos emergentes de contrato de trabalho ou da sua cessação”. Contudo, o recurso a este fundo está condicionado pela necessidade de instauração de uma acção judicial e, quantitativamente, os créditos são pagos até ao limite equivalente a seis meses de retribuição, que não pode exceder o triplo da remuneração mínima mensal mais elevada garantida por lei.
Nesta linha, procurando garantir aos trabalhadores um outro mecanismo de pagamento dos seus créditos laborais, devidos pela cessação do contrato de trabalho, foi instituído o Fundo de Compensação do Trabalho, através da publicação da Lei n.º 70/2013, de 30 de Agosto, e da regulamentação pela Portaria n.º 294-A/2013, de 30 de Setembro. Este Fundo, contudo, só garante metade da quantia devida.
[1] Que é de um ano, de acordo com o n.º 1, do art. 337.º, do CT.
[2] Vide, p.ex., os artigos 2332-1, do Code Civil.