Artigo Completo

Pronomes pessoais fortes e fracos em duas línguas de modalidade distinta, a Língua Gestual Portuguesa e o Português Europeu: estudo exploratório

 

Celda Morgado[1]

Escola Superior de Educação do Politécnico do Porto, Centro de Linguística da Universidade do Porto, Centro de Investigação e Inovação em Educação

Ana Maria Brito[2]

Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Centro de Linguística da Universidade do Porto

RESUMO

O objetivo central deste artigo consiste em problematizar a distinção entre pronomes pessoais fortes e pronomes pessoais fracos em Língua Gestual Portuguesa, comparando brevemente esta língua com o Português Europeu, com base num breve estudo exploratório de dados recolhidos no dicionário Spread the Sign. O estudo mostra que a Língua Gestual Portuguesa, além de ter sujeito tendencialmente realizado em frases afirmativas, tem pronomes fortes e fracos, altamente dependentes quer da posição sintática quer dos tipos sintáticos de verbos.

Palavras-chave: Língua Gestual Portuguesa, referencialidade, pronomes fortes, pronomes fracos, tipos sintáticos de verbos.

ABSTRACT

The main goal of this paper is to problematize the distinction between strong and weak personal pronouns in Portuguese Sign Language, briefly comparing this language with European Portuguese, based on a brief exploratory study of data collected in the Spread the Sign dictionary. The study shows that Portuguese Sign Language has tendentially explicit non-null subject pronouns in affirmative sentences and has strong and weak pronouns, highly dependent on the syntactic position and the syntactic types of verbs.

Keywords: Portuguese Sign Language, referentiality, strong pronouns, weak pronouns, syntactic types of verbs.

 

1. Introdução

Nas últimas décadas, tem sido dada uma atenção significativa à investigação sobre pronomes nas línguas gestuais (LG) e às semelhanças e diferenças em relação aos pronomes nas línguas orais (LO).

Dado que a espécie humana usa gestos para referir, designar e apontar, independentemente de serem parte de uma língua gestual determinada, uma das primeiras questões que se coloca é saber se as LG usam pronomes ou apenas gestos e apontações comuns aos realizados por não gestuantes, falantes de LO. Como referido na literatura (cf., e. o. Cormier et al., 2013, p. 230-1), a sistematicidade dos gestos das línguas gestuais em contraste com os gestos usados por não gestuantes tem justificado a proposta de existência de pronomes nas LG.  

Neste trabalho, interessa-nos perceber se a Língua Gestual Portuguesa (LGP) traz alguma luz sobre a natureza dos pronomes nas línguas gestuais e, em particular, se esta língua dá argumentos para sustentar a existência de diferentes tipos de pronomes, nomeadamente pronomes fortes e fracos. Além de evidenciar ser uma língua de sujeitos tendencialmente realizados em frases afirmativas, a LGP parece conter pronomes fortes e fracos, altamente dependentes quer da posição sintática, quer da estrutura argumental dos verbos. Tal proposta será feita tendo sobretudo em conta a direção do movimento do verbo em frases com verbos como AJUDAR, DIZER, PERGUNTAR, ARRANJAR, OFERECER e DAR na LGP.

O trabalho está organizado da seguinte maneira: no ponto 2.,discutimos a natureza dos pronomes pessoais nas LO e nas LG, procurando distinguir pronomes fortes e fracos em LO e em algumas LG; no ponto 3., fazemos uma análise exploratória de um breve corpus de LGP recolhido no dicionário gestual multilingue Spread the Sign (https://www.spreadthesign.com/pt/), não deixando de refletir sobre tipos de verbos em LG, assim como a relevância e a função que o Movimento pode ter para o estudo dos tipos de verbos e a concordância que desenvolvem, em particular no que ao estudo dos pronomes diz respeito; em 4. apresentamos breves conclusões e, no final do artigo, listam-se as referências usadas.

 

2. Algumas reflexões sobre pronomes pessoais em LO e em LG

Ao contrário das expressões referenciais (tais como nomes próprios e expressões definidas), que referem entidades em geral únicas na realidade circundante de quem fala, os pronomes pessoais nas LO têm uma referência variada e dependente do contexto comunicativo, podendo ser deíticos, quando referem a pessoa que fala (EU) ou a pessoa a quem nos dirigimos enquanto falamos (TU) ou, ainda, uma terceira pessoa de quem falamos ou que se encontra mais ou menos fora do espaço onde se fala (ELE, ELA); ou podem ser anafóricos, quando remetem para expressões já referidas no discurso anterior, ganhando a referência endogenamente, por retoma discursiva. Em qualquer caso, podem indicar entidades reais ou imaginadas, concretas ou abstratas. Por esta razão, os pronomes são “shifters” no sentido que lhes atribuem Cormier et al. (2013), porque a sua referência varia constantemente, podendo em alguns casos até ser ambígua.

Mas não é apenas a dimensão referencial que interessa ter em conta, pois, para além da referencialidade, os pronomes levantam outras duas grandes questões: a estrutura paradigmática e a distribuição sintática (cf. Cormier et al., 2013).

Do ponto de vista paradigmático, os pronomes estão organizados em paradigmas de acordo com certas categorias gramaticais, sendo as mais comuns as de pessoa, número, género e caso, embora as línguas sejam distintas consoante as categorias que marcam. As línguas, no geral, marcam as 1ª, 2ª e 3ª pessoas com pronomes pessoais independentes; apenas algumas marcam o número e nem sempre é por sufixo flexional (cf. Daniel, 2013), e muitas só marcam o género nos pronomes de 3ª pessoa, o que ocorre motivado pela distinção da categoria de sexo dos seres sexuados (cf. Siewierska, 2013), e algumas marcam o caso (cf. Comrie, 2013).

Como referido em Cormier et al. (2013), se a noção de pluralidade afeta os nomes (contáveis) nas LO, os pronomes pessoais podem também ser distintos uns dos outros em termos de marcação desse valor: assim, o pronome nós / we / nous expressa coordenação (eu e mais alguém), o pronome vós /vocês / you / vous expressa quer a coordenação (o interlocutor e mais alguém), quer a pluralidade (mais do que um interlocutor); e os pronomes de 3ª pessoa (eles, elas, they, ils, elles) marcam a pluralidade (além de marcarem ou não o género).

Do ponto de vista da distribuição sintática e da sua estrutura interna, nalgumas línguas há dois tipos de pronomes pessoais: pronomes independentes ou fortes e pronomes dependentes ou fracos.

Os pronomes fortes existem em praticamente todas as línguas, embora em algumas ocorram com pouca frequência (cf. Siewierska, 2013). Quanto aos pronomes fracos, são formas dependentes de um hospedeiro, normalmente o verbo e formam com ele uma só unidade fonológica, a chamada palavra prosódica.

A partir de Kayne (1975), Cardinaletti & Starke (1994) e Cardinaletti (1999) mostraram que os pronomes nas LO podem diferir uns dos outros pela sua estrutura interna e pela sua distribuição sintática, podendo ser fortes ou fracos. Os pronomes fortes podem surgir isolados (1a), podem ser focalizados quer prosodicamente quer por estarem no escopo de certos advérbios (1b, 1c), podem ser contrastados (1d), podem ser coordenados (1e):

 

(1) a) Quem está aí? ELE.

     b) ELA saiu.

     c) Só ELE veio.

     d) EU vou sair, não a Maria.

      e) ELE e a Maria saíram.

 

Pelo contrário, os pronomes clíticos, um tipo especial de pronome fraco, não podem, isoladamente, constituir enunciados (2a), não podem ser focalizados nem por força prosódica nem ser modificados por certos advérbios focalizadores (2b, 2c), não podem ser contrastados (2c) e não podem, em geral, ser coordenados (2e).

 

(2) a) * Quem está aí? A.

      b) *A Maria conhece-a.

      c) * A Maria conhece só a.

      d) * Eu vi-A, não à Maria.

       e) * A Maria conhece-a e o.

 

Em línguas como o Inglês (3), justifica-se ainda a noção de pronome fraco, não clítico.  

 

(3) a) I saw him/ I saw’m.

     b) I saw it.

 

Do ponto de vista fonológico e prosódico, as formas fortes ou tónicas dos pronomes apresentam acento próprio, enquanto as formas átonas dependem acentualmente do hospedeiro (normalmente o verbo). Por essa razão, nas LO, a cliticização converte palavras isoladas numa só palavra fonológica. Vejam-se, entre outros, dois exemplos do Francês (Sandler, 1999), em (4).

 

(4) a) je aime [ʒ ɨ  em]               j’aime [ʒem]

      b) je le aime [ʒ ɨ l ɨ  em]     je l’aime [ʒlem]

 

Como se sabe, nas LO, os gestos e as apontações podem também ser usados referencialmente, tendo funções comunicativas em parte semelhantes aos pronomes, em particular uma função identificativa dos participantes no discurso, de lugares, de objetos; se, em geral, referem qualquer destes elementos em concreto, também podem ter a capacidade de referir entidades imaginadas e abstratas (cf. Cormier et al., p. 235; Barberà & Zwets (2013), entre outros; para a relação entre os gestos e a fala em Português Europeu ver, entre outros, Galhano-Rodrigues, 2012).

E nas línguas gestuais?

Durante séculos, as línguas gestuais foram analisadas apenas como sistemas de gestos e de representações gestuais do discurso e só a partir de Stokoe (1960) foram consideradas verdadeiras línguas, com itens lexicais e gramática, colocando-se, então, a questão de se saber se estas línguas contêm pronomes, e se, em caso afirmativo, em que medida os pronomes usados nas LG são do mesmo tipo e desempenham as mesmas funções que os pronomes das LO. Friedman (1976), para a American Sign Language (ASL), embora reconhecendo que há gestos nesta língua que têm as mesmas funções que os pronomes de 1ª, 2ª e 3ª pessoas das LO, considerou que uma tal língua não lexicaliza pronomes, posição contra a qual se demarcaram vários autores.   

Do ponto de vista da referencialidade, existem, de facto, diversos mecanismos para estabelecer os referentes no espaço nas LG (cf., e.o., Baker & Cokely, 1980), com retoma ou não no discurso:

i) usar um pronome pessoal antes de um gesto de um referente (IX3ps M-A-R-I-A…);

ii) apontar para um referente numa localização específica do espaço do gestuante;

iii) fazer um gesto numa localização específica;

iv) direcionar a cabeça e os olhos (e por vezes o corpo) em direção a uma localização específica do espaço do gestuante, fazendo, simultaneamente, o gesto de um referente, ou apontando para o referente ou, ainda, realizando o evento em que ele participa;

v) usar um verbo com movimento direcional quando o referente está presente, ou quando já foi inserido um locus previamente (Locus Referencial ou Índice, retoma por anáfora nula ou por pronome).

 

Vejamos, através das figuras 1 e 2, como as LG exprimem, em geral, as pessoas do discurso.

Figura 1. Gestão do Espaço Sintático com pronomes usados para referir o gestuante e o recetor (Fonte: Lillo-Martin & Klima, 1990, p.192 – Adaptado por Quadros, 1997, p. 52, cit. Pizzio, Rezende & Quadros, 2009, p. 5).

Figura 2. Gestão do Espaço Sintático com pronomes usados com referentes (de terceira pessoa) ausentes (Fonte: Lillo-Martin & Klima, 1990, p.192 – Adaptado por Quadros, 1997, p. 52, cit. Pizzio, Rezende & Quadros, 2009, p. 4)

 

As Figuras 1 e 2 mostram bem que, em termos de referencialidade, os gestos e as apontações usados pelo gestuante constituem pronomes, partilhando a propriedade de identificação com os pronomes das LO (veja-se, entre outros, Cormier et al 2013, p.235, Barberà & Zwets 2013).[3]

Mas a sua forma e distribuição depende muito da gestão do espaço sintático e da presença ou ausência dos referentes que referenciam. Importa, pois, perceber se, em relação à estrutura paradigmática e em relação à distribuição sintática, os pronomes nas LG se aproximam dos pronomes nas LO.

Existe alguma polémica acerca da estrutura paradigmática dos pronomes nas LG. Para a ASL, alguns autores propuseram um sistema de três pessoas; outros defenderam um sistema de duas pessoas (1ª e não-1ª); outros defendem que os pronomes são compostos por elementos discretos morfémicos como a Configuração da Mão Indicar, combinada com Movimentos que indicam a direção e a localização do referente; outras teorias aproximam os pronomes de formas de concordância de pessoa ligadas aos verbos, concordância essa que alguns autores defendem como marca da existência de pronomes fracos. Para uma síntese, veja-se, de novo, Cormier et al. (2013, pp. 236-40).

Quanto à distribuição sintática, se, em certas línguas orais, como as línguas românicas de sujeito nulo, há uma aproximação entre morfemas de pessoa (e número) no verbo e pronomes, nas LG a gramaticalização de pronomes ligados aos verbos continua a ser igualmente motivo de polémica (ver, entre outros, Kegl (1986), Padden, 1990; Meier, 1990; Lillo-Martin & Meier, 2011; Liddell 2000; Nevins, 2011; para a LIS Bretone & Cardinaletti, 2011). Kegl (1986) já distinguia, na ASL, três tipos de pronomes, dependendo de diversos fatores (fonológicos, morfológicos, sintáticos e de uso do espaço): i) ‘body pronouns’, dependendo do corpo do gestuante e considerados formas fortes (pronomes deíticos em Meier & Lillo-Martin, 2013); ii) ‘classifiers’, realizados em simultâneo com o verbo e funcionando como marcas de sujeito e de objeto (‘frozen forms’), (pronomes não-deíticos em Meier & Lillo-Martin, 2013), podendo ser equivalentes a formas fracas ou clíticos das LO; iii) e ‘null anaphora’, ocorrendo com verbos que não requerem marcas de pessoa e número, segundo restrições de espaço sintático e questões discursivas, funcionando como anáforas nulas (equivalentes a pronomes nulos objeto das LO).

Sandler (1999), para a ISL, mostra que nesta língua gestual há formas que podem resultar de duas operações: fusão e assimilação da Configuração da mão, tal como podemos observar pela Configuração da Mão Dominante (CMD) no final do gesto SHOP-THERE (Figura 3), quando comparada com o final do gesto SHOP (Figura 4).

Figura 3. Gesto de SHOP (Fonte: Sandler, 1999, p. 194)

Figura 4. Gesto de SHOP-THERE em ISL, com clitização (Fonte: Sandler, 1999, p. 194)

 

E na LGP?

A LGP dispõe, no que aos pronomes pessoais independentes diz respeito, de um sistema de três pessoas, que parecem incorporar a noção de pluralidade. A primeira pessoa do singular (1ª) é realizada no corpo do gestuante. A segunda pessoa (2ª) é realizada num ponto específico na direção do interlocutor, determinado pelo contacto do olhar com o interlocutor real ou marcado discursivamente num ponto específico em frente ao gestuante, podendo também ser realizada no corpo do gestuante se este desempenhar estrategicamente e por meio de movimento as várias pessoas do discurso (numa posição de âncora, muito frequente em estruturas narrativas ou, simplesmente, dialógicas, com referentes humanos ausentes). A terceira pessoa (3ª) é marcada num ponto de um dos lados do espaço sintático do gestuante, direito ou esquerdo; ou no corpo do gestuante, tal como acontece com a primeira pessoa, quando se trata de um gestuante com função de narrador.

Assim, vemos que a 1ª pessoa aponta para o gestuante e as segunda e terceira pessoas apresentam infinitas possibilidades de localização dentro dos limites do espaço sintático e segundo as restrições do seu uso e gestão. As figuras 1 e 2 acima apresentadas ilustram o que acaba de ser descrito.

Quanto à sua distribuição sintática e estrutura interna, comecemos por observar, em (5), os exemplos correspondentes a (1), em LGP:

(5)            __     wh

           a) Aí quem // IX3ps

           b) IX3ps sair

           c) IX3ps vir sozinho

           d) IX1ps sair/m-a-r-i-a não

           e) IX3psm-a-r-i-a/sair os_dois

 

Os exemplos em LGP mostram que esta LG possui formas que são pronomes, estabelecidos a partir de uma relação íntima entre um ponto discreto no espaço sintático e o gesto de apontar para esse ponto.

Os exemplos de LGP apresentados parecem, portanto, confirmar que nesta língua há pronomes fortes. No entanto, poderemos afirmar que há pronomes fracos?

Do conhecimento que temos da LGP, consideramos que a realização de pronomes em LG depende muito estreitamente dos tipos de verbos usados, isto é, existe uma ligação estreita entre os tipos de pronomes e os tipos sintáticos de verbos. Assim, faremos, no ponto seguinte, um estudo exploratório sobre pronomes fortes e pronomes fracos em LGP, tentando mostrar que a sua realização depende de tipos de verbos, razão pela qual antecedemos a análise de uma brevíssima apresentação geral dos verbos nas LG, por referência à LGP, e da sua classificação, de âmbito sintático, que tem sido adotada nos estudos linguísticos a partir da década de 90 (Padden, 1988, 1990). Apresentaremos, ainda, uma análise de estratégias/recursos morfossintáticos ao serviço das particularidades semânticas e sintáticas dos verbos, nomeadamente o Movimento direcional, na linha de Brito & Choupina (2018).

 

 

3. Análise de pronomes fortes e fracos em LGP – um estudo exploratório

3.1. Metodologia utilizada

Na ausência de dados que nos permitam mostrar que os pronomes fortes e fracos nas línguas gestuais e na LGP em particular têm propriedades equivalentes à dos pronomes nas LO, nomeadamente em relação ao parâmetro duração (critério fonológico/prosódico), centrar-nos-emos na análise de tipos de pronomes e suas propriedades do ponto de vista sintático.

Tentaremos evidenciar a existência de vários tipos de pronomes na LGP, nomeadamente pronomes fortes e pronomes fracos, e mostraremos que os diferentes tipos de pronomes não só dependem do tipo de contexto discursivo (deítico vs. anafórico), como dependem também do tipo de verbo, da posição sintática que ocupam na frase, assim como do Movimento que este permite.

Para esta reflexão, fizemos uma pesquisa no corpus do dicionário gestual multilingue Spread the Sign (https://www.spreadthesign.com/pt/). Na pesquisa, selecionámos, na plataforma do dicionário, a LGP; a seguir, na categoria “frases”, digitámos, no espaço “pesquisa”, em Português, pronomes fortes (eu, tu, ele, nós, ti, mim…) e fracos (-me, -te, -lhe), o que nos deu diretamente acesso a frases em Português e em LGP (em vídeo). Das 140 produções observadas, foram apenas selecionadas 88 para análise, por realizarem, em LGP, pelo menos uma forma de pronome pessoal.

 

3.2. Breve apresentação dos dados

No total, das 88 produções em LGP, foram registadas 94 ocorrências de pronomes pessoais, distribuídas por diferentes funções sintáticas, tal como se pode observar na Tabela 1. Considerámos pronomes deíticos as formas de pronomes independentes do verbo e referenciais, não anafóricos discursivamente; as restantes formas foram consideradas anafóricas, por retomarem Locus inseridos no espaço sintático anteriormente, maioritariamente por meio de nominais.

 

Tabela 1. Frequências absolutas de pronomes pessoais por função desempenhada na frase

Pessoa/ número

Função de Sujeito

Oblíquo

(argumento ou adjunto)

CD / CI

CD

CI

1ps

18 deíticos

3

3

8

2ps

19 deíticos

 

2

7

2

3ps

20 deíticos

4

4

---

1ppl

3

 

----

----

Totais

61

9

14

10

 

Olharemos alguns destes dados nos pontos seguintes, em função dos verbos com os quais os pronomes se combinam. De modo a enquadrar os tipos de verbos, retomamos no ponto seguinte a tipologia de Padden (1988/1990).

 

3.3.Breve apresentação dos tipos de verbos em LGP

Como é amplamente conhecido, no âmbito sintático, os verbos das LG têm sido organizados em três classes, no seguimento da proposta classificatória de Padden (1988), reformulada em Padden (1990), para ASL, e posteriormente adotada para outras LG.

A tipologia tripartida de Padden (Padden 1990, p. 119) distingue três tipos de verbos: verbos simples, verbos de concordância e verbos espaciais.

Os verbos simples (plain verbs) são verbos que ocorrem sem qualquer marca de concordância, portanto, sem afixos locativos e sem marcação de pessoa e número; geralmente, não apresentam variação quirológica, morfológica ou sintática em qualquer contexto de ocorrência. Neste grupo de verbos podemos incluir os verbos AMAR, ESQUECER, PENSAR, SONHAR, e SENTIR, em LGP, como os exemplos em (6) ilustram para SENTIR e AMAR.

 

(6) (a) IX1psSENTIR BEM

1.ª sentir bem

           ‘eu sinto-me bem’

 

[Fonte: Spread the Sign, https://www.spreadthesign.com/pt/, reprodução com autorização]

 

(b) AMAR IX2ps

      amar 2.ª

     ‘amo-te’

 

[Fonte: Spread the Sign, https://www.spreadthesign.com/pt/, reprodução com autorização]

 

 

Os verbos de concordância (agreement verbs ou inflecting verbs) são verbos com realização de marca de pessoa, número e, por vezes, aspeto, ainda que sem recurso a afixos locativos (por exemplo, os verbos DAR, DIZER, TELEFONAR e OFERECER, em LGP)[4]. Veja-se no exemplo em (7) que o Movimento do verbo TELEFONAR se realiza em direção ao corpo do gestuante, marcando a 1ª pessoa.

 

(7) TELEFONARmovimento para IX1ps LOGO

      telefonar 1.ª logo

      ‘telefona-me mais tarde’

 

[Fonte: Spread the Sign, https://www.spreadthesign.com/pt/, reprodução com autorização]

 

Por fim, os verbos ditos espaciais (spatial verbs) são verbos que, na sua maioria, não realizam (pelo menos exclusivamente) marca de pessoa, número e aspeto, mas que aceitam afixos locativos, os denominados Locus espaciais, que se encontram inseridos no espaço sintático e que são retomados pelo verbo por indexação (como, por exemplo, os verbos PÔR, IR e VIR, em LGP). No exemplo em (8), com o verbo LEVAR, o movimento direcional do verbo dirige-se de IX1ps (corpo do gestuante) para o Locus espacial onde previamente foi inserido o lugar de destino, IX lugar-i (o aeroporto).

 

(8) AEROPORTO / LEVARmovimento direcional de IX1ps para IXlugar-i

                       ‘eu levo-te para o aeroporto’

 

[Fonte: Spread the Sign, https://www.spreadthesign.com/pt/, reprodução com autorização]

 

Várias questões se levantam no âmbito da classificação sintática dos verbos nas línguas gestuais, entre elas: as funções gramaticais e as propriedades do parâmetro Movimento; e o tipo de concordância e os processos ou os recursos que a realizam.

As funções e as propriedades gramaticais que o parâmetro Movimento pode ter dependem dos tipos de verbos[5]. De facto, nas LG, o Movimento pode apresentar diversas funções, entre elas as funções sintáticas e semântico-sintáticas. O movimento permite estabelecer relações sintáticas e semânticas entre os argumentos verbais[6], como: i) relações entre o verbo e os argumentos SUJ, OD e/ou OI, como acontece nos verbos DAR, ENTREGAR e OFERECER; ii) relações espaciais: deslocação no espaço sintático em representação da trajetória de uma Figura SUJ nos verbos IR e VIR, por exemplo; deslocação de uma Figura OD, como nos verbos TRAZER e LEVAR; deslocação para indicar o argumento locativo, usando o ponto de localização inicial e/ou final, como nos verbos PÔR e COLOCAR. De salientar que o movimento pode ser um movimento regular (quando a concordância que o movimento executa é uma concordância sintática, ou seja, em função das funções sintáticas dos argumentos, partindo do argumento SUJ, ou de um ponto no corpo de gestuante, para o argumento OI, como nos verbos DAR e TELEFONAR), ou um movimento reverso (quando a concordância que o movimento realiza é uma concordância temática, dependendo dos papéis temáticos FONTE-ALVO, dirigindo-se o movimento sempre da FONTE para o ALVO, independentemente das funções sintáticas que tais argumentos desempenhem, como nos verbos CONVIDAR, COPIAR[7]) (cf. Quadros & Quer 2008: 65-81).

O tipo de verbos parece ser, assim, uma dimensão crucial para entender o comportamento sintático dos pronomes nas LG e em LGP em particular. A seguir, vamos procurar perceber se a distinção entre diferentes formas dos pronomes é uma dimensão relevante nas LG.   

 

3.4.Análise e discussão dos dados

Na LGP, os pronomes fortes são realizados por meio de uma apontação específica no espaço sintático e são, portanto, deíticos, conforme é possível verificar nos exemplos (9) a (13)[8], em que os exemplos (9) e (10) contêm frases com cópula vazia na LGP e os exemplos de (11) a (13) apresentam realizações com verbos simples.

9)   IX3psFERIDO GRAVE

      3.ª   ferida grave

      ‘ele está gravemente ferido’

10)   IX2psGRIPE

        2.ª   gripe

       ‘[-]/Tu estás com gripe’

11)   COR ARCO-ÍRISIX1pSADORAR

        cor arco-íris 1.ª adorar

        ‘eu adoro as cores do arco-íris’

12)    IX2ps / IX1psACREDITAR NÃO

          2.ª / 1.ª acreditar não

          ‘[-]/eu não acredito em ti’

13)    AULArepIX3psFALA MUITO

         aula aula 3.ª falar muito

         ‘ele fala muito nas aulas’

 

Destes dados parece poder concluir-se que: i) a LGP é, tendencialmente, uma língua de sujeito preenchido (exs. 9-13) em frases afirmativas e o pronome sujeito é, em geral, realizado com gesto próprio, livre de qualquer possível hospedeiro; ii) o pronome sujeito é deítico, independentemente da pessoa e número (1ª, 2ª e 3ª), com duração e mais ou menos tensão na realização, acompanhado ou não de repetição; iii) quer dizer, o pronome sujeito é forte com os verbos simples; iv) igualmente o pronome que representa o interlocutor é também tendencialmente forte (IX2ps, em 12).

No entanto, os tipos de verbos têm um papel na possibilidade ou não de realização dos tipos de pronomes; com efeito, alguns tipos de verbos, em particular os verbos simples (‘plain verbs’ segundo Padden, 1988, 1990s), não parecem coocorrer com as formas fracas. Veja-se, ainda, o exemplo com os verbos AMAR e SENTIR já apresentados na secção anterior em (6a e b), aqui renumerados como (14) e (15).

 

(14) IX1psSENTIR BEM

       1.ª   sentir  bem

       ‘eu sinto-me bem’

 

(15) AMAR IX2ps

       amar 2.ª

       ‘amo-te’

 

Com o verbo AMAR, o pronome de 2ªpessoa (forma de objeto direto, OD) é realizado com uma forma independente do verbo, e aparentemente com a mesma duração que as formas fortes de sujeito (IX1ps em 14). Com o verbo SENTIR, foi realizada apenas a forma de sujeito. Esta conclusão poderá reforçar a ideia de que o uso de pronomes fortes e fracos, dependentes ou independentes do verbo, é condicionado lexical e sintaticamente pelo tipo de verbo na LGP.

Os pronomes pessoais anafóricos podem ser produzidos igualmente por meio de uma apontação, estando associados a referentes anteriormente inseridos no espaço sintático, como é o caso de IX3psiem (16), que retoma o tópico amigo meu pessoai, inicialmente expresso. Ainda que não tenham sido feitos testes de análise da duração e da tensão dos gestos, parece-nos que a produção destes pronomes anafóricos é tendencialmente fraca e que é o complexo movimento direcional do olhar que permite unir as formas pronominais ao verbo.

 

(16) __________direção do olhar com sequência ix2psix3ps

      AMIGO MEU PESSOAI / IX2psCONHECERIX3psi /IX1psGOSTAR

      amigo meu pessoai /tu conhecer elei / eu gostar  [ - ]

     ‘Gostava que tu conhecesses um amigo meu.’

 

[Fonte: Spread the Sign, https://www.spreadthesign.com/pt/, reprodução com autorização]

 

 

Mas não são apenas os pronomes anafóricos que são tendencialmente fracos. Vejam-se os exemplos (19) a (20):

 

(17) FERIDA SANGUE/AJUDARmovimento para IX1ps

      ‘ajuda-me a limpar a ferida’

 

(18)  ___olhar direcionado para IX2ps

        OPORTUNIDADE UM DARmovimento para IX1ps

       ‘Dá-me uma nova oportunidade’

 

 

(19) TELEFONARmovimento para IX1ps LOGO

        ‘telefona-me mais tarde’

 

                                                 _________wh

(20) HORAS 6 MANHÃ CHAMAR_ IX1ps

        ‘chamas-me às 6horas da manhã?’

 

Observadas as produções, parece poder concluir-se que: i) os pronomes fracos realizam-se com o movimento do verbo (17-19) ou fusionado com a realização do verbo no ponto específico da pessoa gramatical, como ocorre no verbo CHAMAR (20); ii) estes verbos integram-se na classe dos verbos de concordância (Padden, 1988, 1990); iii) o uso dos pronomes fracos parece, por isso, depender do tipo sintático de verbo.

Pelo exposto, pensamos poder dizer que na LGP há argumentos para considerar a existência de pronomes fracos, paralelamente a fortes.

 

4. Algumas conclusões possíveis

Neste artigo, defendemos que alguns gestos e apontações das línguas gestuais, e da LGP em particular, são pronomes, com uma função identificadora, aproximando-se, por isso, dos pronomes das LO e dos gestos dos falantes das LO e que é no que diz respeito à estrutura paradigmática e à distribuição sintática dos pronomes que as LG mais se distinguem das LO, uma ideia já desenvolvida por Cormier et al. (2013).

A partir de um breve estudo exploratório de dados extraídos do dicionário gestual multilingue Spread the Sign (https://www.spreadthesign.com/pt/), mostrámos que a LGP é uma língua de sujeitos tendencialmente realizados em frases afirmativas e que contém pronomes fortes e fracos, altamente dependentes quer da posição sintática quer do tipo sintático de verbo: com verbos simples a realização pronominal ocorre com pronomes independentes do verbo e fortes, quando deíticos, e, quando anafóricos, realiza-se por pronomes independentes, tendencialmente fracos; com verbos de concordância, o tipo de movimento morfossintático do verbo e o uso do espaço sintático a ele associado permitem-nos concluir que há realização de pronomes dependentes e fracos.

Esta análise dos pronomes pessoais aponta para uma gramática da LGP altamente subsidiária do uso do espaço sintático, do movimento e das suas funções, assim como dos tipos de verbos. Assim, ainda que o fenómeno dos pronomes pessoais na LGP deve ser retomado em futuros trabalhos, com corpora reais e espontâneos, pensamos que na LGP há motivos que justificam a distinção entre pronomes fortes e fracos.

 

 

Referências

 

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[1] Email de contacto: celda@ese.ipp.pt

[2] Email de contacto: ambarrosbrito@gmail.com

[3] Barberá & Zwets (2013), a partir da comparação entre a NGT (Língua de Sinais Neerlandesa) e o Neerlandês, consideram que as apontações e os gestos nas línguas de sinais e nas línguas orais podem ter valores um pouco distintos: assim, as línguas de sinais usam as apontações e os gestos como âncora e como identificação: como âncora, quando um gestuante refere uma dada entidade e, usando um outro gesto, pode estabelecer relações de co-referência em relação a essa primeira entidade; e identificação, quando o gestuante indica explicitamente uma dada entidade. Nas línguas orais, pelo contrário, os gestos apenas têm a função de identificação, não servindo de âncora, pois tais línguas usam meios linguísticos, não gestuais, para estabelecer relações de correferência.     

[4]Alguns autores notam que a direcionalidade e a marcação de pessoa são ambas operações de partilha de traços e por isso são aproximáveis (ver, entre outros, Cormieret al. 1998). Por outro lado, as inúmeras funções e valores que o parâmetro do Movimento apresenta nas LG acarretam, de alguma forma, problemas à designação ‘verbos de movimento’ e de concordância (cf. Brito & Choupina, 2018).

[5]Para uma breve discussão sobre as questões da concordância veja-se Choupina, Brito & Bettencourt, 2016.

[6]Cf. Meir (2006, pp. 102-116) para uma argumentação a favor do movimento como recurso morfológico verbal capaz de realizar propriedades semânticas e sintáticas.

[7] Para a LGP, a propósito dos verbos de movimento reverso veja-se Bettencourt (2015: 52-57) e para um desenvolvimento das formas de concordância sintática com movimento regular consulte-se Choupina, Brito & Bettencourt (2016:123-127).

[8] Nos exemplos em LGP, apenas serão anotadas as indicações não manuais se relevantes para a realização e distinção de pronomes pessoais.