Auto-expatriação e ajustamento cultural: Um estudo sobre a comunidade brasileira
DOI:
https://doi.org/10.26537/iirh.vi12.6018Palavras-chave:
Auto-expatriação, Ajustamento Cultural, Brasileiros em PortugalResumo
Ao longo da história, a procura por melhores condições e qualidade de vida tem levado as pessoas a viajarem além-fronteiras, fenómeno que deu origem a diversos tipos de mobilidade internacional sendo a auto-expatriação uma delas (Machado, 2022). Os autoexpatriados são indivíduos que apresentam um nível de iniciativa pessoal elevado, pois optam por se mudar de país por espontânea vontade, muitas vezes não em busca de uma evolução na carreira, mas como uma forma de desenvolvimento pessoal. Este tipo de mobilidade expõe os autoexpatriados a diversos desafios de integração, levando-os a passar por um processo de ajustamento cultural. Este é definido por Black (1988) como as mudanças psicológicas e comportamentais que um indivíduo experimenta quando muda de um contexto cultural. A teoria de ajustamento cultural de Black (1988) propõe que este contempla três dimensões – ajustamento geral, ajustamento à interação e ajustamento ao trabalho -, tratando-se, pois, de um modelo multidimensional.
Com base neste referencial teórico, foi realizado um estudo que visou explorar o ajustamento cultural dos autoexpatriados brasileiros em Portugal, tendo para o efeito sido realizadas 15 entrevistas semiestruturadas a pessoas com este perfil. Os dados obtidos foram sujeitos a uma análise de conteúdo, considerando-se as seguintes temáticas: experiência de auto-expatriação, ajustamento no contexto de trabalho, ajustamento no contexto da sociedade mais ampla e perspetivas futuras de auto-expatriação.
Os resultados revelam que as principais motivações para a mobilidade dos participantes incluem o desenvolvimento pessoal e profissional, as condições económicas e a segurança. Portugal também se destacou como um destino atrativo devido aos laços familiares, à facilidade de documentação para entrar no país, e à possibilidade de obtenção de nacionalidade portuguesa. Como preparação para a mudança, os autoexpatriados brasileiros procuraram informação sobre arrendamento, trabalho, custo de vida, burocracia, cultura e educação no país hospedeiro, utilizando para tal a internet e as redes sociais.
No que concerne à adaptação ao contexto social, os entrevistados expressaram uma visão positiva do quotidiano e estilo de vida em Portugal, apesar do choque cultural inicial e de barreiras ao nível da língua. Estes autoexpatriados demonstraram respeito e interesse pela cultural local, envolvendo-se em atividades locais e a experimentando gastronomia típica, comportamentos que realçam o seu espírito aventureiro e aberto. No entanto, as relações interpessoais foram identificadas como o principal desafio encontrado pelos participantes, dada a sua perceção dos portugueses como, mais reservados, distantes e discretos. Descreveram, ainda, experiências na sociedade portuguesa pautadas por situações de discriminação e preconceito, nomeadamente micro agressões dirigidas, sobretudo, a mulheres e a brasileiros cuja nacionalidade se torna imediatamente evidente pela aparência física.
No ajustamento ao trabalho, verifica-se uma perceção positiva por parte da maioria dos entrevistados, afirmando terem uma boa relação com os colegas e experimentado um processo de adaptação bem-sucedido. No entanto, os autoexpatriados encontraram barreiras e desafios ao nível de documentação e a procura de emprego, assim como dificuldades linguísticas. Foram, também, identificadas barreiras resultantes de uma comunicação mais formal e direta no local de trabalho, assim como de uma gestão mais conservadora, hierarquizada e resistente à mudança e inovação. Vários brasileiros autoexpatriados sentem que são valorizados pelas suas competências e experiências no trabalho, não percebido, todavia, reconhecimento do valor que a sua diversidade pode trazer ao ambiente de trabalho. O estudo revela, ainda, a existência de situações de discriminação com base na nacionalidade nos processos de recrutamento e seleção, as quais merecem a atenção das organizações que visam promover a igualdade de oportunidade e o respeito e valorização da diversidade.
Quanto à permanência em Portugal, alguns dos entrevistados manifestaram intenção de prolongar a sua estadia, enquanto outros pretendem sair do país dadas as limitações profissionais encontradas, visando, pois, melhores oportunidades em outros lugares.
Os resultados deste estudo sublinham a importância de as empresas desempenharem um papel de relevo na adaptação dos autoexpatriados. Recomendam-se políticas e práticas organizacionais como programas de acolhimento e integração, tais como workshops culturais e sessões de networking, que promovam a adaptação destas pessoas à nova cultura e ambiente de trabalho. Apoio ao nível de questões linguísticas e o desenvolvimento de programas de tutoria individualizados podem ajudar na sua adaptação pessoal e profissional. O feedback contínuo é importante para o acompanhamento do processo de adaptação dos autoexpatriados, permitindo identificar dificuldades e ajustar estratégias de integração, além de promover o desenvolvimento profissional e pessoal, facilitando a adaptação ao novo ambiente de trabalho e à cultura local. As empresas devem, também, promover a diversidade e a inclusão, implementando políticas que garantam a equidade no recrutamento, bem como processos transparentes e isentos de preconceitos. Já o apoio em questões logísticas e culturais podem facilitar o ajustamento ao autoexpatriado, assim como da sua família. Estas práticas não só ajudam na adaptação cultural, como promovem um ambiente de trabalho mais inclusivo e equitativo.
Concluímos que este estudo contribui para uma melhor compreensão da situação dos autoexpatriados brasileiros a viver em Portugal, relevante para equacionar políticas de Gestão de Recursos Humanos que facilitem a inclusão destas pessoas no mercado de trabalho português. Esta investigação aponta, também, para questões sociais mais amplas, como problemas de inclusão e coesão social, pelo que proporciona uma compreensão mais profunda das dinâmicas sociais entre brasileiros e portugueses.
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