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A educação intercultural e a inclusão em aula de Inglês

Ana Catarina Glória Pinto

Sónia Filipa Silvestre de Deus Ferreira

Universidade de Aveiro

 

RESUMO

Este artigo pretende discutir formas de tornar o sistema educativo mais inclusivo e o papel do/a professor/a de inglês no desenvolvimento de atitudes de abertura ao Outro. Na sociedade globalizada dos nossos dias, a escola deve preparar os/as discentes para a interação com pessoas de múltiplas identidades e para agir enquanto mediadores interculturais. Assim, defendemos que é possível e desejável desenvolver a competência comunicativa intercultural (CCI) em alunos/ as nos primeiros anos de escolaridade, uma vez que se encontram com pessoas de outros contextos culturais, linguísticos e religiosos diariamente, levando-os a entender a diversidade enquanto fator de enriquecimento da sociedade. 

Posto isto, desenvolvemos um projeto numa turma do 3.º ano do 1.º Ciclo do Ensino Básico (CEB), em aula de inglês curricular, tendo como objetivo desenvolver a competência comunicativa intercultural ancorada em três dimensões: conhecimentos, capacidades e atitudes. A análise e a interpretação dos dados permitiram-nos concluir que os/as alunos/as: desenvolveram conhecimentos sobre línguas e culturas e sobre o Mundo; demonstraram abertura e respeito pelo Outro; desenvolveram a criatividade e capacidades inferenciais; compreenderam que os valores que unem os seres humanos são maiores que aqueles que os dividem; demonstraram abertura e desejo de interagir com o Outro e foram capazes de propor formas de acolher e de interagir com pessoas de outras comunidades linguísticas e culturais.

Palavras-chave: educação intercultural, diversidade linguística, cultural e religiosa, inclusão, picturebooks interculturais

 

ABSTRACT

This paper aims to discuss ways to make the education system more inclusive and the role of the English teacher in developing attitudes of openness towards others. In nowadays-globalized society, school must prepare students to interact with people from multiple identities and to act as intercultural mediators. Therefore, we sustain that it is possible and appropriate to develop the intercultural communicative competence in young learners, since the encounter with people from other cultural, linguistic and religious backgrounds takes place in their daily life, preparing them to understand diversity as something that enriches society. 

Therefore, we have developed a project in a 3rd grade group, in the English class, where we aimed to develop the intercultural communicative competence anchored in three dimensions – knowledge, skills and attitudes. The data analysis and interpretation from the research allowed us to conclude that students: developed knowledge about languages, cultures and the world; demonstrated openness and respect towards others; developed inferential and creative skills; understood that the values unifying all human beings are greater than those setting them apart; demonstrated openness and desire to interact with others, and were able to suggest ways of welcoming and interacting with people from other linguistic and cultural communities.

Keywords: intercultural education, linguistic, cultural and religious diversity, inclusion, multicultural picturebooks

 

1. BACKGROUND TO THE STUDY

INTRODUÇÃO

Este artigo tem como base um projeto implementado numa turma do 3.º ano de um agrupamento de escolas da região centro, em aula de inglês curricular, desenvolvido no contexto da unidade curricular de Prática do Ensino do Inglês, referente ao Mestrado de Ensino de Inglês no 1.º CEB (Universidade de Aveiro), pela díade de estágio, Sónia Deus Ferreira (2017) e Ana Catarina Pinto (2017). Este projeto baseou-se na crença de que a escola deve ser um espaço de formação integral do indivíduo, preparando-o para crescer numa sociedade plural, em que se torna imperioso aprender a interagir com pessoas de diferentes comunidades culturais, linguísticas e religiosas. 

Tendo em conta a dimensão política do/a professor/a de língua estrangeira, que deve conceber a sala de aula como um espaço de reflexão sobre o valor da diversidade e sobre o poder de transformar as realidades sociais, como foi sublinhado por Michael Byram (2008), elaborámos um projeto que tem como intuito agir no contexto educativo, promovendo uma educação para a paz, a descoberta, a interação e o acolhimento do Outro. 

O projeto fundamenta-se, portanto, na convicção de que o/a docente de língua estrangeira tem uma responsabilidade acrescida na Educação Intercultural (EI), e pretende responder às seguintes questões de investigação: 

  • De que forma as atividades de educação para a diversidade linguística, cultural e religiosa em aula de inglês no 1.º CEB contribuem para o desenvolvimento da competência comunicativa intercultural?
  • De que forma a leitura de multicultural picturebooks desenvolve a capacidade de incluir o Outro?

Na génese deste estudo encontra-se a reflexão sobre o nosso contributo, enquanto educadoras, para uma sociedade mais inclusiva e aberta a um mundo plural. Entendemos que a Escola não se pode demitir do seu papel de educar para os valores de convivência pacífica e de cidadania, pelo que, enquanto agentes educativas, compreendemos a necessidade de estar equipadas com um manancial teórico e pedagógico (estratégias, atividades, materiais, etc.), que nos permitam desenvolver aulas e outras atividades em que a EI esteja implícita ou explícita, proporcionando aos sujeitos aprendentes as ferramentas para pensarem criticamente sobre as suas práticas culturais e as do Outro, agindo em prol de uma sociedade onde todos os indivíduos possam coexistir harmoniosamente, atendendo aos princípios do diálogo e respeito mútuo.

Partindo destes pressupostos, propusemo-nos desenvolver um conjunto de sessões, sobre as quais nos debruçaremos mais à frente, no contexto de uma turma do 3.º ano, tendo como finalidade educar para a diversidade linguística, cultural e religiosa, procurando levar os/as alunos/as a refletirem sobre si mesmos e sobre o Outro, para, num segundo momento, motivar a disponibilidade para incluir o Outro. 

 

1. A ABORDAGEM INTERCULTURAL EM AULA DE LÍNGUA ESTRANGEIRA

Na matriz curricular do 1.º CEB, a Educação intercultural (EI) encontra-se subordinada à área não disciplinar de Cidadania, aguardando ainda por um papel de destaque nos currículos escolares. Debruçar-nos-emos, agora, sobre o lugar da EI em aula de Inglês curricular no 1.º CEB. 

No âmbito da disciplina de Inglês curricular no 1.º CEB, e no que diz respeito aos conteúdos programáticos, devemos salientar a existência do domínio intercultural, cujas metas para o 3.º e 4.º anos são as seguintes: 

3.º ano

  1. Conhecer-se a si e ao outro
  2. Conhecer o dia a dia na escola
  3. Conhecer algumas características do seu país e de outros

4.º ano

  1. Conhecer-se a si e ao outro
  2. Desenvolver o conhecimento do seu mundo e do mundo do outro (Bravo, Cravo, & Duarte, 2015, p. 12).

Fazendo uma leitura destas metas, facilmente nos apercebemos de que os conteúdos do domínio intercultural não surgem de forma articulada, coerente ou progressiva, do ponto de vista da crescente complexidade pedagógica. Neste sentido, observamos que se centram sobretudo na esfera individual, sublinhando aspetos de descrição do/a próprio/a aluno/a e das suas vivências familiares e escolares, em que a alteridade não parece ter um lugar de destaque. A par disso, o conhecimento do “outro”, como é referido na primeira meta, é concebido de forma redutora, se atentarmos nos conteúdos selecionados: “família”, “animais de estimação”, “vestuário e calçado”. Quanto à meta “2. Conhecer o dia a dia na escola” (idem), nada aponta especificamente para uma dimensão intercultural, centrando-se claramente nas rotinas dos/as alunos/as e não nas vivências do “Outro”. Por contraste, a meta “3. Conhecer algumas características do seu país e de outros países” (ibidem) deixa claro o enfoque em outros contextos nacionais, aludindo a “características do seu país e de outros países” (ibidem), embora a sua categorização evidencie alguma pobreza temática, circunscrevendo-se aos seguintes conteúdos: localização no mapa, climas, elementos da natureza, festas e atividades relacionadas com estações do ano.

Entendendo que o enfoque intercultural implica o desenvolvimento de conhecimentos, capacidades e atitudes (Byram, Starkey, & Gribkova, 2002; Candelier, 2012), verificamos que, no documento em apreciação, apenas os conhecimentos surgem focalizados. Neste sentido, observamos que o compartimento “Domínio intercultural” não inclui nenhuma meta que diga respeito a atitudes e comportamentos, sendo um campo essencial no desenvolvimento da Competência Comunicativa Intercultural (CCI). Quanto às capacidades, é de notar que as três metas enunciadas se desdobram em objetivos que, na sua grande maioria, se circunscrevem a “identificar”, pelo que não apontam para o desenvolvimento de capacidades auto e heterorreflexivas progressivamente mais complexas no domínio intercultural, que implicariam outros objetivos, como “comparar”, “relacionar”, “associar”, “inferir”, “distinguir”, entre outros. 

No entanto, devemos assinalar como muito positivo o facto de o domínio intercultural abarcar todos os níveis do Ensino Básico, o que confere coerência e continuidade ao ensino e à aprendizagem desses conteúdos. Além disso, sendo as Metas Curriculares de Inglês um documento referencial e orientador, observamos que deixam ao/à professor/a uma margem de liberdade para aprofundar aspetos que considerem relevantes. A título de exemplo, embora não haja referência aos conhecimentos de línguas ou de religiões, estes podem, no entanto, ser abordados a propósito do “conhecimento de si e do outro”, bem como do “conhecimento do seu mundo e do mundo do outro”.

Observamos, assim, que, nas Metas Curriculares de Inglês no 1.º CEB, a CCI ganha alguma visibilidade, embora as dimensões afetiva e praxeológica, consideradas nucleares no desenvolvimento da CCI por vários autores, como Michael Byram (2008), Mónica Bastos (2014) e Arasaratnam & Doerfel (2005), sejam claramente atenuadas em relação à dimensão cognitiva. Consideramos, portanto, que desenvolver apenas a competência comunicativa em língua inglesa, em vez da competência comunicativa intercultural, seria claramente limitativo na educação dos/as alunos/as para a interação e socialização na sociedade globalizada e multicultural.

Na verdade, vários autores têm salientado a importância de desenvolver a CCI em aula de língua estrangeira. A este respeito, Jean-Claude Beacco repensa o papel da aula de línguas à luz dos novos desafios sociais, notando que:

Whereas access to languages (classical and “modern”) was long regarded as an excellent form of personal development (humanism of works/texts and humanism of educational travel), nowadays cultural dimensions need to be, as it were, re-integrated into foreign language teaching. With increased possibilities for contact, we should now think in terms of a kind of “humanism of encounters”, both real and virtual. The aim of intercultural education (IE), which cannot be dissociated from plurilingual education, is to continue these traditions while adapting them to the contemporary world and the classroom context (Beacco, 2011).

Na sua perspetiva, com a qual nos revemos, a aula de língua estrangeira, enquanto espaço natural de contacto com outras línguas e culturas, deve ser um espaço de “humanismo de encontros”, em que a EI desempenha um papel imprescindível. Por outras palavras, atendendo à globalização da sociedade, cruzamo-nos, pelos meios de comunicação ou pessoalmente, com sujeitos de outras comunidades linguísticas e culturais, sendo que a aula de língua estrangeira pode conferir aos/às alunos/as as ferramentas necessárias para interagirem de forma eficaz com essas pessoas, por meio do desenvolvimento de conhecimentos, capacidades e atitudes no âmbito da diversidade linguística, cultural e religiosa.

Que virtualidades apresenta, assim, a adoção do paradigma comunicativo intercultural em aula de língua estrangeira? Byram, Starkey e Grimkova procuraram responder a esta questão, concluindo que:

the 'intercultural dimension' in language teaching aims to develop learners as intercultural speakers or mediators who are able to engage with complexity and multiple identities and to avoid the stereotyping which accompanies perceiving someone through a single identity (Byram, Starkey, & Gribkova, 2002, p. 9).

Assim, é nosso entendimento que o desenvolvimento da CCI em aula de inglês habilita os/as alunos/as para uma interação bem sucedida em contexto real, ou seja, fora da sala de aula, onde é necessário mobilizar conhecimentos sobre vivências, crenças, hábitos, convenções sociais, formas de saudar, formas de expressão não-verbal, indumentária, entre outros. Essa competência torna-se ainda mais relevante devido ao estatuto de língua franca que o inglês assume no mundo, tornando-se um idioma de comunicação entre pessoas de todos os espectros nacionais e culturais. Se atentarmos no caráter de “língua internacional” do inglês, observamos que a sua entrada no currículo não se deve apenas a razões pedagógicas, mas também ao grande peso que tem no cenário político e económico mundial (Byram, 2008). 

Assim sendo, na nossa opinião, a dimensão instrumental do ensino da língua inglesa tem, portanto, de ser contrabalançada com a dimensão cultural e ética que a aula de língua estrangeira deve assumir. Esta é também a perspetiva apresentada no QECR (Quadro Europeu Comum de Referência para as Línguas), cujas diretrizes passaram a integrar transversalmente os programas curriculares das línguas estrangeiras no contexto europeu, e que prevê outros objetivos educativos para o ensino das línguas para além dos que se relacionam com o universo económico e da empregabilidade, que dizem respeito à EI, como:

  • promover a compreensão e a tolerância recíprocas e o respeito pela identidade e diversidade cultural através de uma comunicação internacional mais eficaz;
  • manter e desenvolver a riqueza e a diversidade da vida cultural europeia através de um conhecimento recíproco e cada vez maior das línguas nacionais e regionais, incluindo aquelas que são menos ensinadas;
  • responder às necessidades de uma Europa multilingue e multicultural, desenvolvendo de forma considerável a capacidade dos europeus comunicarem entre si, para lá de fronteiras linguísticas e culturais, o que exige um esforço bem alicerçado ao longo da vida, que deve ser encorajado, visto numa base mais organizada e financiado em todos os níveis de ensino pelas autoridades competentes (…) (Conselho da Europa, 2001, p. 22).

Apesar de valorizar a diversidade linguística e cultural, verificamos que o QECR privilegia as culturas e línguas dos países da União Europeia, como podemos inferir das expressões “diversidade da vida cultural europeia” e “Europa multilingue e multicultural” (idem). Ora cremos que, na verdade, o “humanismo de encontros” que a aula de língua estrangeira deve proporcionar apenas pode ser verdadeiramente desenvolvido se houver uma abertura ao universo de culturas, línguas e crenças dos povos do mundo. Isso torna-se claro se atendermos ao volume crescente de migrações, à grande mobilidade transfronteiriça e às comunicações entre comunidades linguísticas de todo o mundo, proporcionadas pelos novos media, o que implica preparar e motivar os/as aprendentes para interagirem numa sociedade plural. 

Assim, realçamos a potencialidade da aula de língua (materna ou estrangeira) enquanto espaço privilegiado para valorizar os repertórios dos/das alunos/as, as suas línguas maternas ou mesmo outros idiomas e culturas com que tenham contactado por razões diversas, e que fazem parte do seu património de experiências. Por essa razão, um dos recursos privilegiados na elaboração e desenvolvimento do projeto de investigação-intervenção, analisado neste relatório, foi o multicultural picturebook, um conceito explorado por Anne M. Dolan  (2014), no livro You, me and Diversity. Picturebooks for teaching development and intercultural education, onde defende que a literatura multicultural desenvolve nas crianças a capacidade de comunicar, a autoestima e a confiança, dado que, pela empatia criada com as personagens e os dilemas dos livros, constitui um valioso recurso na educação para o respeito de diferentes valores e perspetivas. 

Entendemos, portanto, à semelhança de Anne M. Dolan (idem), que os multicultural picturebooks permitem abordar conteúdos interculturais e, simultaneamente, desenvolver as capacidades de leitura (do texto verbal e icónico, de forma interrelacional) e de comunicação em língua estrangeira. A opção pelo género do “picturebook” deveu-se também ao facto de ser um recurso apelativo, pela relação intersemiótica de discurso verbal e icónico, que facilita a compreensão do texto, motivando os/as alunos/as para a sua interpretação. Além disso, afigura-se como base fundamental para o diálogo em sala de aula (e mesmo no contexto familiar), proporcionando uma reflexão conjunta sobre as histórias e os dilemas retratados e possibilitando que os/as alunos/as adotem a perspetiva das personagens, sendo este um aspeto nuclear no desenvolvimento da CCI.

Se atentarmos nos vários modelos de Competência Comunicativa Intercultural, verificamos que se trata de uma competência multifatorial. Assim, no modelo de Michael Byram (1997), a CCI implica o domínio de conhecimentos; capacidades de descoberta, interação e relacionamento; e atitudes. De igual modo, de acordo com o “modelo de Competência de Comunicação Intercultural” de Arasaratnam & Doerfel (2005), os comunicadores interculturais competentes devem apresentar múltiplas qualidades, percebendo-se a relevância dada à componente afetiva: empatia; experiência intercultural; motivação para interagir com o Outro; atitude global e capacidade para escutar uma conversação.

Mónica Bastos (2014) realiza um estudo panorâmico das teorias e modelos da CCI, apresentando um modelo descritivo baseado nas representações de professores de línguas. A autora analisa a CCI por meio de três eixos: “a afetiva (saber ser e saber viver juntos), a praxeológica (saber fazer) e a cognitiva (saberes)”, considerando a CCI como uma competência multidimensional e complexa.

De acordo com o modelo concebido por Byram (1997), a CCI abarca cinco dimensões: conhecimentos; atitudes; capacidades no campo do saber fazer/ ser (descoberta ou interação); capacidades no campo do saber compreender (interpretar e relacionar); e educação (saber comprometer-se), que se prende com o desenvolvimento da consciência crítica cultural. O conceito é explorado igualmente por autores como Ángels Oliveras (2000), que afirma que a competência intercultural, atendendo aos estudos atuais no campo da Psicologia, consiste em desenvolver capacidades no sujeito aprendente, de modo a que este seja capaz de adotar uma postura adequada ao encontro intercultural, sendo que o processo de interação implica a mobilização de destrezas sociais e culturais.

Assim, a aula de inglês pode constituir-se como ponte para o mundo da multiplicidade linguística, cultural e religiosa, pelo que entendemos o/a professor/a de línguas também como mediador/a intercultural. O conceito de mediação intercultural é explanado por Michael Byram, que assinala que um dos objetivos da aula de línguas deveria ser criar a oportunidade para que diferentes culturas e pessoas se relacionassem, proporcionando a adoção de uma perspetiva “externa” a si mesmo, aos seus valores e perspetivas (Byram, 2008).  

Uma vez que o processo de desenvolvimento da CCI pressupõe o contacto com diversas línguas, cremos que essa é uma forma de transmitir às crianças a ideia de que todas as línguas são importantes e, simultaneamente, de desenvolver a intercompreensão (Santos, 2007). De um outro ponto de vista, várias investigações, no campo da neurolinguística e da pedagogia (Bijeljac-Babic, 1993; Ellis, 2003; Groux, 1996) têm assinalado as vantagens de desenvolver, desde os primeiros anos de idade, a aprendizagem de línguas estrangeiras, pois, por um lado, as crianças revelam maior facilidade na aprendizagem dos processos linguísticos e, por outro, permite desenvolver a competência metalinguística (Nagy & Anderson, 1995), o que contribui também para uma maior consciência face ao funcionamento das estruturas das línguas em geral. 

Concebemos, assim, a aula de inglês como um lugar de aprendizagem dessa língua, de contacto com outras línguas e de mediação intercultural. Neste sentido, estabelecemos como uma das finalidades do nosso projeto de investigação-ação desenvolver nos/as alunos/as o gosto pela descoberta de novas línguas, além da língua inglesa, interagindo com as mesmas, por meio de atividades motivadoras que os/as cativassem. 

O papel da competência plurilingue na adoção de um posicionamento não etnocêntrico e no desenvolvimento da consciência metalinguística é igualmente sublinhado pelo QECR (Conselho da Europa, 2001): 

Pode defender-se, para além disso, que enquanto o conhecimento de uma língua e de uma cultura estrangeira nem sempre permite ultrapassar o que a língua e a cultura ‘maternas’ têm de etnocêntrico, e pode até ter o efeito contrário (não é raro que a aprendizagem de uma língua e o contacto com uma cultura estrangeiras reforcem, mais do que reduzam, os estereótipos e os preconceitos), o conhecimento de várias línguas conduz mais seguramente a essa ultrapassagem, ao mesmo tempo que enriquece o potencial da aprendizagem (Conselho da Europa, 2001, p. 189).

Parece-nos, pois, que este texto parte da distinção entre “ser bicultural” e “agir de forma intercultural”, como Byram (1997) define. Por outras palavras, a aprendizagem da língua inglesa e o contacto com aspetos culturais relacionados com os países onde é falada podem não ser suficientes para que os/as alunos/as ultrapassem uma visão homocêntrica, suspendendo a crença de que os seus valores são mais válidos do que os de outras pessoas, e manifestando espírito de abertura para interagir com o Outro de forma empática, respeitadora e recetiva (Byram, 2008).

Por conseguinte, o/a professor/a de línguas tem um papel relevante no desenvolvimento da competência plurilingue e intercultural, o de proporcionar um desenvolvimento holístico do/a aluno/a, desenvolvendo o seu pensamento crítico, a curiosidade e o desejo de interação, que apenas podem ser potenciados pela reflexão sobre si a partir do conhecimento do Outro. 

 

2. O PROJETO DE INTERVENÇÃO “PEACE BEGINS WITH A SMILE”

O projeto de intervenção das professoras estagiárias decorreu durante os meses de setembro a novembro, consistindo em sete sessões de sessenta minutos cada, lecionadas no período da tarde, imediatamente a seguir ao almoço. As sessões integraram a aula de inglês curricular numa turma do 3.º ano do 1.º CEB, composta por 25 alunos/as, num agrupamento de escolas da Região Centro, do ensino público. 

A caracterização da turma foi realizada a partir da aplicação do instrumento pedagógico-didático para elaboração da biografia linguística e cultural, que cumpriu o propósito de identificar os conhecimentos linguísticos e as representações culturais, caracterizando o grupo de alunos/as. Desta análise concluímos que os/as discentes têm interesse em conhecer outras línguas e países, embora revelem poucos conhecimentos face à identidade filogenética das línguas. Além disso, a partir do diálogo estabelecido com os/as discentes, verificamos que os intervenientes apresentam perceções positivas sobre outras línguas e países, o que nos indicia o desejo de contactar com outros povos e culturas. A aplicação deste instrumento deu início a um processo autorreflexivo, ampliando a consciência face aos seus repertórios linguísticos e conhecimentos sobre as culturas e o mundo, possibilitando que, no desenrolar do projeto e depois do mesmo, os/as alunos/as adquiram progressivamente um entendimento mais profundo sobre saberes e capacidades no domínio intercultural.

De modo a concertar as estratégias e os procedimentos pedagógico-didáticos, foi nosso intuito encadear logicamente as sessões, inclusivamente por considerarmos que seria proveitoso para o grupo de participantes, no sentido de atingirem os objetivos estabelecidos e consolidarem os conteúdos abordados. Apenas um trabalho cooperativo e consistente poderia, num período de tempo tão restrito, oferecer a possibilidade de se desenvolverem efetivamente, ainda que a um nível elementar, conhecimentos, capacidades e atitudes que lançassem as bases da CCI.

Tendo em conta estes pressupostos, apresentaremos seguidamente um quadro, onde se sistematizam as sessões e se enunciam os respetivos objetivos pedagógico-didáticos gerais (ver Quadro 1).

As sessões estão identificadas pelos picturebooks analisados ao longo das mesmas, dado que constituíram um recurso nuclear na elaboração de atividades e estratégias pedagógico-didáticas. Essa opção deveu-se ao facto de considerarmos que a interpretação de multicultural picturebooks poderia ser proveitosa no desenvolvimento de saberes, capacidades e atitudes na esfera da EI, assim como proporcionar uma perspetiva de alteridade, pela empatia que os/as discentes potencialmente criariam com as personagens, promovendo, por isso mesmo, a abertura de espírito para acolher o Outro. Apresentamos, assim, a descrição sumariada de cada uma das sessões, tendo por base as planificações realizadas.

Quadro 1 - Síntese das sessões e objetivos gerais

 

A primeira sessão foi dividida em dois blocos de 60 minutos cada. Esta sessão teve como objetivo principal levar os/as discentes a compreender o conceito de biografia linguística e cultural, para que a pudessem elaborar no final dessas sessões. No primeiro bloco, procedemos a uma leitura a duas vozes do livro My two Blankets (Kobald & Blackwood, 2014), em inglês e em português. A personagem principal, Cartwheel, tinha duas mantas, a “velha manta”, relativa à língua e às experiências da sua vida num país Africano, e a “nova manta”, que dizia respeito à língua falada no país de acolhimento e às novas experiências pessoais, linguísticas e culturais. O acolhimento de Cartwheel deveu-se à amizade que que estabeleceu com uma menina, que a protegeu com um chapéu de chuva. Assim, foi pedido aos/às alunos/as que, na manta dada pelas docentes, inserissem as respostas às perguntas da biografia linguística e cultural. Nas sessões subsequentes, foi pedido aos/às discentes que registassem as novas palavras e os novos conhecimentos em cartões em forma de chapéus de chuva (símbolo do acolhimento), colocando-os nos retalhos da manta da turma, afixada no quadro de cortiça. 

A segunda sessão partiu da leitura do livro The Color of Home (Hoffman & Littlewood, 1993). Por meio de um diálogo interativo, os/as alunos/as interpretaram os elementos icónicos, retirando inferências das cores e imagens, de modo a construir uma narrativa. Deste modo, chegaram à conclusão de que Hassan, a personagem principal, tinha saído da Somália, devido a uma situação de guerra, sendo acolhido em outro país, onde frequentava uma nova escola. A partir do texto, abordámos vocabulário relacionado com a escola, em inglês e em somali. Os/as alunos/as compararam uma escola da Somália, a partir de uma imagem real, com a sua própria escola. No final, foi pedido que os/as discentes fizessem um desenho sobre aquilo que mais as marcou da história de Hassan. 

A terceira sessão decorreu na biblioteca escolar, com o intuito de reorganizar a disposição dos participantes, sentando-os no chão e criando um ambiente de maior concentração para a leitura do livro Mirror (Baker, 2010). Através de um diálogo interativo, os/as discentes compararam a vida de duas personagens, uma a morar em Marrocos, o Abdul, e outra na Austrália, o Peter. Nesta sessão, foram trabalhadas as saudações em árabe, empréstimos do árabe em língua inglesa e a cultura marroquina em comparação com a Australiana. Além disso, foram também trabalhados conteúdos da unidade “Greetings”. No final da sessão, foi pedido que os/as alunos/as desenhassem uma maneira de acolher o Abdul se este tivesse vindo para a sua escola. 

A quarta sessão teve como intuito educar para a diversidade religiosa, enfatizando alguns costumes, templos e festividades, pela leitura do livro “popup” All Kinds of Beliefs (Damon, 2000). Nesta sessão, através de um diálogo interativo, os/as alunos/as foram interpretando o picturebook, partilhando ideias sobre a diversidade religiosa. Por sua vez, os/as alunos/as resolveram fichas formativas de interpretação do texto.

A quinta sessão teve como objetivo principal comparar a cultura indiana com a cultura americana, por meio da leitura de Same, same but different (KosteckiShaw, 2011), que ilustra a vida de um menino Indiano, o Kailash, e um menino americano, o Elliot. Nesta sessão, os/as alunos/as cantaram uma canção em híndi sobre um festival de Outono, no contexto da unidade “Seasons change: autumn”. Além disso, os/as discentes foram levados a inferir que há diferenças culturais (como as estações do ano, os animais, etc.) e linguísticas, mas que prevalecem os laços familiares e de amizade que unem as pessoas. Os/as alunos/as realizaram, ainda, fichas de trabalho com o propósito de consolidar os conhecimentos sobre a cultura indiana e a cultura americana. 

Na sexta sessão, surge a personagem escolhida como mascote de todas as sessões, a Granny. O livro My Granny Went to the Market (Blackstone, 2006) serviu-nos de inspiração para o projeto, já que esta avó viaja pelo mundo, comprando artigos típicos de vários países. “Viajando” num tapete elaborado pelas professoras, os/as alunos/as tiveram a oportunidade de, à medida que a história ia sendo projetada, assinalar no mapa os locais por onde a avó viajou e conhecer um pouco da cultura desses países.

Por fim, a sétima sessão teve como intuito comemorar o final do nosso projeto e perceber se os/as alunos/as conseguiam relacionar os conteúdos trabalhados para planificar uma festa de acolhimento para as personagens dos picturebooks analisados, a Cartwheel, o Hassan, o Abdul, o Peter, o Kalaish e o Elliot. Assim, propusemos que se trabalhasse em grupo, sendo distribuídas cartolinas, para que pudessem desenhar formas de acolher as personagens (alimentação, expressões de boas-vindas nas línguas estrangeiras, etc.). Cada um dos picturebooks foi representado numa cartolina e foi pedido às crianças que escrevessem aquilo que aprenderam com o livro. Esta sessão representou, assim, o fecho do projeto, implicando que os/as aprendentes mobilizassem destrezas e conhecimentos desenvolvidos ao longo do mesmo.

 

3. RECOLHA E ANÁLISE DE DADOS

Depois de apresentadas as sessões do projeto, cabe-nos agora aludir sumariamente aos métodos, técnicas e instrumentos utilizados para a recolha de dados (ver Quadro 2).

Entendendo que a investigação favorece um processo reflexivo por parte do/a professor/a, essencial para que possa contribuir para a melhoria das práticas de ensino, o nosso trabalho foi conduzido pelo paradigma de investigação qualitativa, adotando a metodologia da investigação-ação (Bogdan & Biklen, 1994). De um modo mais específico, o projeto: foi desenvolvido nas sala de aulas e no contexto escolar; pressupôs a descrição dos dados, por meio da análise de conteúdo de diferentes elementos (fichas de trabalho dos/as alunos/as, videogravação de aulas, etc.); envolveu uma análise do processo, uma vez que a pesquisa, planificação, ação e reflexão se operacionalizam dialeticamente e circularmente; previu a formulação de hipóteses a partir da análise dos dados, bem como se foi cimentando através da reflexão sobre os mesmos e a reformulação da ação e, por fim, centrou-se na perspetiva dos sujeitos, que, no presente caso, implicou a avaliação de perceções e representações face ao Outro, linguística, cultural e socialmente distinto, sendo os dados recolhidos e interpretados pelas professoras estagiárias.

A definição das categorias de análise baseou-se na leitura de vários contributos teórico-científicos no campo da educação intercultural, tendo sido de grande valia os parâmetros de avaliação da CCI esboçados por Byram (1997), bem como o quadro de referência proposto no documento A Framework of Reference for Pluralistic Approaches to Languages and Cultures (Candelier, et al., 2012), que estabelece uma avaliação da competência plurilingue e intercultural a partir da divisão em três domínios epistemológicos: os conhecimentos, as atitudes e as capacidades.

Quadro 2 - Métodos de recolha de dados

 

Apresentamos, seguidamente, um quadro com a explicitação de categorias e subcategorias de análise (ver Quadro 3).

Quadro 3 - Categorias e subcategorias de análise

 

As categorias do nosso trabalho foram definidas a priori, a partir da leitura de diferentes fontes bibliográficas no âmbito da educação intercultural, bem como tendo em consideração as Metas Curriculares de Inglês Ensino Básico (Bravo, Cravo, & Duarte, 2015), embora tenham passado por um processo de reformulação, motivado pela caracterização do grupo de participantes e da análise preliminar dos dados. 

A validade dos dados foi garantida pela aplicação de instrumentos de avaliação em vários momentos do projeto, como, por exemplo, uma ficha de avaliação final. Os dados foram analisados em conjunto pelas professoras estagiárias, tendo sido revistos pelas docentes do mestrado que orientaram os projetos. Os dados recolhidos nas diferentes sessões através dos instrumentos referidos foram, portanto, analisados e interpretados de acordo com as categorias e subcategorias de análise, que passamos a apresentar. 

Quanto à categoria “Conhecimentos sobre línguas”, os/as alunos/as foram capazes de: reconhecer que as línguas se relacionam historicamente (ex: arabismos); produzir associações entre línguas e países: árabe (Marrocos); inglês (EUA, austrália); hindi (Índia); somali (Somália); identificar países onde se fala inglês (EUA, Austrália…); reconhecer a importância de comunicar na língua do Outro para a inclusão/ acolhimento. Relativamente à subcategoria “Conhecimentos sobre culturas e religiões”, os/as discentes conseguiram: apreender factos sobre costumes e tradições de outros povos – indumentária (hijab); animais (coala, lamas…); objetos (boomerang), festas (Divali na Índia), etc.; mobilizar conhecimentos que traziam, estabelecendo comparações entre o seu contexto cultural e o do outro; compreender que no mundo existem várias crenças e religiões; associar religiões e templos.

No que diz respeito à subcategoria “Conhecimentos do Mundo”, os/as alunos/ as foram capazes de: interpretar um mapa sobre a distribuição de religiões no Mundo; identificar os países abordados nos livros no mapa-múndi; relacionar países e continentes/ países e nacionalidades.

No que diz respeito à categoria 2, “Comportamentos e atitudes em relação às atividades e ao Outro”, face à subcategoria “Envolvimento/ implicação nas atividades”, era nosso intuito compreender se conseguimos criar um ambiente favorável à aprendizagem, avaliando o nível de concentração, energia e motivação/ satisfação. Os dados foram recolhidos através de videogravação. A partir da análise dos sinais de envolvimento, aplicados a duas atividades, concluímos que os/as discentes revelaram níveis altos de concentração e muito altos de energia e satisfação na realização das atividades propostas. 

No âmbito da subcategoria “Abertura e respeito pelo Outro”, verificámos que os/as alunos/as manifestaram disponibilidade para conhecer pessoas de outras comunidades, com valores, perspetivas e costumes semelhantes, ou não, aos seus, numa lógica de abertura e respeito. Os/as discentes: revelam empatia com as personagens; demonstram abertura em aprender aspetos da cultura e da língua; manifestam uma atitude respeitadora e acolhedora; manifestam disponibilidade e vontade de conhecer melhor os países abordados; abordam com naturalidade aspetos culturais e religiosos diferentes dos seus; conseguem colocar-se no lugar das personagens e compreendem os seus sentimentos quando estão num contexto novo e estranho (Figura 1).

Figura 1 - Desenho de um aluno com base no livro The Color of Home (Hoffman & Littlewood, 1993), exprimindo o medo da personagem numa situação de guerra

 

Quanto à terceira categoria de análise, “Capacidades de descoberta, abertura e desejo de interação – acolhimento do Outro”, foi nosso propósito avaliar as inferências de formas de interação e acolhimento, produzidas a partir da leitura dos multicultural picturebooks e de outros recursos, e a iniciativa para interagir e acolher o Outro. A este nível, concluímos que os/as alunos/as foram capazes de retirar ilações a partir dos textos, colocando-se no lugar do Outro e referindo diversas formas para comunicar com meninos/as de outros contextos culturais e linguísticos e os acolher: a língua, a amizade, o amor, a ajuda, o brincar (Figura 2), entre outros. Neste sentido, observámos também que os/as alunos/as conseguiram reconhecer as consequências da exclusão, nomeadamente os sentimentos de tristeza e solidão.

Figura 2 - Desenho de um aluno sobre o acolhimento de uma personagem do livro Mirror (Baker, 2010)

 

No que diz respeito à categoria “Iniciativa para interagir e acolher o Outro”, concluímos que os/as alunos/as mobilizaram conhecimentos no campo da interculturalidade, salientando formas de interagir e acolher indivíduos oriundos de outras comunidades linguísticas e culturais. Os/as alunos/as foram, portanto, capazes de representar diferentes formas de acolher, como: a comunicação verbal; a celebração (festas de acolhimento); a amizade e a entreajuda; a alimentação e a liberdade para praticar crenças e rituais religiosos. Dada a brevidade do nosso projeto, não foi possível abordar aprofundadamente aspetos mais específicos das religiões, como os valores em comum, no entanto, observámos que os/as alunos/as aparentemente não encararam a religião como um fator de divisão ou de exclusão, entendendo as diferentes práticas religiosas como algo natural. 

Quanto à categoria “Capacidades de interpretação e relacionamento” concluímos que os/as alunos/as foram capazes de depreender significados a partir da associação entre texto e imagem, que tiveram a capacidade de relacionar os conhecimentos e a experiências que já tinham com os picturebooks e as realidades que foram sendo apresentadas. Reconheceram a particularidade de cada personagem do picturebook, da sua cultura e perceberam que há valores universais pelos quais nos regemos, como a amizade e o valor da família. Através do picturebook foi ainda possível que os/as alunos/as identificassem outras culturas, tradições e climas.

 

CONCLUSÕES E IMPLICAÇÕES

No final deste percurso formativo, parece-nos claro que é viável articular o ensino da língua inglesa com uma abordagem intercultural, partindo das Metas curriculares de Inglês do Ensino Básico para conceber aulas em que a diversidade linguística e cultural não constitui um aspeto complementar ou acessório. Pelo contrário, e como ficou demonstrado, é possível e desejável conciliar didaticamente os vários domínios de aprendizagem do Inglês (compreensão oral, leitura, interação oral, produção oral, escrita, domínio intercultural, léxico e gramática) na planificação de sessões em que a abordagem intercultural ganha protagonismo. Estamos, contudo, cientes de que o nosso trabalho constituiu apenas uma etapa inicial no desenvolvimento da CCI, pelo que consideramos necessário que integre os conteúdos curriculares de forma transversal a todos os níveis de ensino e a todas as áreas curriculares, convertendo-se num processo contínuo, articulado e com objetivos gradualmente mais ambiciosos. 

Para além da não continuidade do nosso projeto, no âmbito desta turma, devemos ainda enunciar outras limitações na implementação do mesmo. Em primeiro lugar, para alcançar os objetivos pedagógico-didáticos de forma mais sólida, parece-nos que seria essencial envolver, não só a comunidade escolar, como também as famílias. No entanto, dadas as limitações de tempo e o número de discentes da turma, não foi possível realizar essa atividade. Tivemos, contudo, a oportunidade de envolver as famílias na campanha “Shoebox”, enquadrada na Unidade “Back to school”, que tinha como fim angariar calçado para jovens de países de Moçambique e São Tomé e Príncipe, condição necessária para frequentarem a escola, sendo que a campanha teve grande sucesso. Esta atividade constituiu, portanto, uma forma de mobilizarmos a comunidade em prol de uma causa comum: o direito à escola por todos.

Outro aspeto que consideramos menos positivo prende-se com a dimensão da turma e com a dificuldade em conceber atividades que possibilitassem uma maior participação por parte dos/as alunos/as, em que as docentes tivessem menos protagonismo. Relacionado com este aspeto estava a dimensão da sala de aula, que não permitia a realização de atividades mais dinâmicas do ponto de vista físico, como danças e coreografias, que teriam sido importantes no envolvimento dos/as alunos/as nas sessões e, consequentemente, na sua motivação e qualidade da experiência educativa.

É claro que, num trabalho de investigação-ação como o nosso, haveria muitos aspetos a aperfeiçoar. Conhecendo agora melhor a turma e as vantagens pedagógico-didáticas da abordagem intercultural, e estando mais preparadas do ponto de vista profissional, se o projeto tivesse seguimento, haveria a oportunidade de: conceber instrumentos de avaliação mais eficazes; elaborar recursos mais desafiadores; criar estratégias em que a interdisciplinaridade fosse mais evidente; realizar atividades que envolvessem a comunidade escolar e as famílias de forma mais ativa; e, ainda, dinamizar projetos de parceria e interação com outras escolas (nacionais e estrangeiras). 

Lamentando que tal não possa ocorrer, resta-nos refletir sobre o enriquecimento que esta experiência formativa proporcionou, idealizando novos projetos e contextos pedagógicos em que a EI tenha como uma das finalidades o desenvolvimento de capacidades e da vontade de conhecer, interagir e acolher o Outro. Foi um percurso em que nos enriquecemos profundamente, aprendendo a: valorizar os repertórios dos/as alunos/as; conceber recursos pedagógico-didáticos que apresentam uma perspetiva plural do mundo e do Outro; selecionar materiais adequados ao perfil dos/as aprendentes; adotar uma perspetiva de autoscopia face às práticas pedagógicas, recorrendo a parâmetros específicos; e, por último, tirar proveito da avaliação realizada por discentes, colegas e docentes às nossas práticas.

 

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