Artigo

Gamificar nas aulas de inglês no 1º CEB – a recompensa é a aprendizagem

Marta Fortunato

Colégio Anjos do Saber

RESUMO

A Gamificação é um novo enfoque metodológico que proporciona novas experiências, recorrendo aos elementos do jogo. Esta poderá ser uma forte aliada no ensino do Inglês no 1º CEB. Este artigo tem por base um projeto no âmbito do Mestrado em Ensino do Inglês do 1º CEB e procura mostrar que a gamificação pode influenciar a motivação e a participação dos alunos (Foncubierta & Rodríguez, 2015). Foi realizado um estudo de caso a uma turma do 4º ano e os instrumentos de recolha de dados escolhidos foram a observação participante, as notas de campo e a análise de conteúdo.

Palavras-chave: gamificação, elementos do jogo, ensino do inglês no 1º CEB, estudo de caso

ABSTRACT

Gamification is a new methodological approach that provides new experiences, using game elements. This can be a strong ally in Primary English teaching. This paper is based on a project on our Masters’ Degree in Ensino do Inglês no 1º CEB and intends to show that gamification can influence students' motivation and participation (Foncubierta & Rodríguez, 2015). A case study was conducted in a 4th grade class and the chosen data collection instruments were participant observation, field notes and content analysis. 

Keywords: gamified pedagogy, game elements, primary English tTeaching, case study

INTRODUÇÃO

“Mudam-se os tempos, mudam-se as vontades…”, cantou o poeta no século XVI, quando reclamou que o “mundo é composto por mudança”. Cinco séculos passaram desde então e as transformações continuam: as fronteiras foram diluídas, as distâncias encurtadas e as línguas misturadas. Por esta razão, parecenos importante sensibilizar para a diversidade cultural e linguística para que sejam combatidos possíveis estereótipos e a discriminação. Até porque, acreditamos que a criança começa a ter consciência que a sua língua materna não é única e que, também, não é a mais valorizada (Cruz & Medeiros, 2009). 

Estas transformações não foram indiferentes no campo da educação. A forma como aprendemos e ensinamos também foram alvo de mudança. Os modelos de ensino antigos, autoritários, que replicam os saberes sem os contextualizar e sem terem em conta a individualidade, começam a dar lugar a outros mais colaborativos, que colocam o aluno no centro, privilegiando os seus interesses, gostos (Figueroa, 2015) e fazendo-o sentir como parte integrante e fulcral no processo de aprendizagem. Assim, esta torna-se significativa e experiencial (Fernández-Corbacho, 2015). 

Com este artigo, propomo-nos a apresentar a Pedagogia Gamificada como um enfoque metodológico centrado no aprendente e como uma alternativa aos modelos de ensino tradicionais, apresentando dois exemplos práticos, realizados no âmbito do ensino do inglês no 1º CEB (ponto 5). Iniciámos a componente prática com um pequeno enquadramento teórico e realizando a respetiva justificação, no âmbito da metodologia qualitativa, aplicada em estudo de caso. Referimos as questões de partida e os instrumentos de investigação utilizados, sucedendo-se uma breve caracterização do contexto da turma na qual o projeto foi aplicado. 

Nas considerações finais, fizemos uma breve reflexão sobre o desenvolvimento dos conceitos teóricos que nos baseámos no desenvolvimento deste projeto e refletimos sobre as limitações encontradas.  

Consideramos importante ressalvar que as duas atividades foram planeadas tendo em conta os descritores e os objetivos das Metas Curriculares do ensino do Inglês no 1º CEB, contudo procurámos assumir uma perspetiva crítica sobre as mesmas.

1. O SÉCULO XXI E OS NOVOS DESAFIOS NO PROCESSO DE ENSINO- APRENDIZAGEM

Com a chegada do século XXI, o ensino tornou-se mais orientado para as tecnologias (Figueroa, 2015), para os seus fascínios e desafios, permitindo que os nossos alunos, os “digital natives” (Prensky, 2001), tenham acesso a todo o tipo de informação, aplicando as suas habilidades linguísticas e culturais. Deste modo, o processo de aprendizagem tem vindo a transpor as paredes das salas de aula e o ensino do inglês não é exceção. Nos dias de hoje, os alunos conseguem comunicar, em tempo real, com todas as partes do mundo, saciando a sua curiosidade e aumentando a sua consciência intercultural. 

Consideramos que esta nova geração de aprendentes tem “o mundo nas suas mãos” e, atualmente, pode experimentá-lo e conhecê-lo de uma forma que nos parece que os seus pais e professores não tiveram a possibilidade de fazer. A sua experiência pessoal, aliada à dimensão afetiva da aprendizagem, torna-se uma ferramenta poderosa, para que o ato de aprender se revele eficaz e duradouro, estando os sentidos ao seu serviço: “(…) sentir, experimentar, observar y reflexionar sobre la lengua y la experiencia de aprendizaje” (FernándezCorbacho, 2015, p.2).

Surge, então, a necessidade de encontrar novos enfoques metodológicos que acompanhem esta nova geração e que proporcionem um ensino mais holístico, autónomo e significativo para o aluno, aliando-o aos seus interesses. As metodologias “Flipped Classroom”,“20 Time Project“ (também conhecido como “Genius Hour”) e a “Gamification Pedagogy” são três possíveis exemplos e visam o estímulo às competências consideradas primordiais no ensino de línguas do século em que nos encontramos (Cruz & Orange, 2016): a autonomia, a criatividade, a colaboração, a comunicação e o pensamento crítico. 

À luz das abordagens metodológicas do século XXI, neste projeto focámo-nos na Pedagogia Gamificada, por acreditarmos que os elementos do jogo podem ser poderosas ferramentas didáticas (Mora, 2013) que proporcionam momentos de prazer, divertimento, permitindo o uso de estratégias reais em contexto de sala de aula.

2. A PEDAGOGIA GAMIFICADA: A APRENDIZAGEM ALIADA AOS ELEMENTOS DO JOGO

O termo “gamificação” surgiu em 2008 na indústria digital, mas ficou conhecido em 2010, após ter sido popularizado em conferências. É definido como “the use of game design elements in non-game contexts” (Deterding et al., 2011, p. 9). A expressão “non-game contexts" pode abranger áreas muito díspares, como o Marketing, da qual a gamificação é proveniente, e o mundo empresarial com o objetivo de motivar e fidelizar clientes (Zichermann & Cunningham, 2012). Por esta razão, julgamos que a definição apresentada por Foncubierta & Rodriguez (2014) se encontra mais direcionada ao que nos propomos no nosso trabalho: 

Técnica que el professor emplea en el diseño de una actividad de aprendizaje (sea analógica o digital) introduciendo elementos del juego (insígnias, limite de tiempo, puntaciones, dados, etc.) y su pensamento (retos, competición, etc.) con el fin de enriquecer esa experiencia de aprendizaje, dirigir y/o modificar el comportamento de los alunos en el aula (Foncubierta & Rodríguez, 2014, p. 2).

Este conceito é muitas vezes considerado sinónimo de “jogo”. Por esta razão, julgamos ser importante estabelecer a distinção entre jogo e gamificação. O “jogo” tem como base um conjunto de regras e objetivos definidos, existindo sempre a possibilidade de perder. Já a “gamificação” implica uma sucessão de tarefas, nas quais é possível a atribuição de um sistema de pontuação ou de recompensas e o objetivo principal não é a vitória dos alunos e, sim, mante-los motivados para a aprendizagem (Enders, 2013; Foncubierta & Rodriguez, 2015). Embora sejam conceitos distintos, a gamificação, tal como referimos na definição, aplica alguns dos elementos dos jogos (como os pontos, as medalhas e os “leaderboards”) nas atividades, que estão muito presentes no dia a dia dos alunos. Estes elementos parecem-nos ser ferramentas poderosas no combate ao desinteresse e tornam o ato de aprender mais envolvente e entusiasmante, uma vez que motivam à participação, incentivam a memorização e tornam a aprendizagem inesquecível e significativa (Foncubierta & Rodríguez, 2014; Fernández- Corbacho, 2015). 

Segundo, Werbach & Hunter (2012), as atividades gamificadas encontram-se divididas em três elementos, que estão organizados em formato de pirâmide (fig. 1). No topo, encontram-se as dinâmicas, que representam os aspetos gerais do jogo (as emoções, a narrativa, a evolução…). As mecânicas estão no meio e representam os processos básicos que impulsionam a ação e envolvem o jogador (a competição, a colaboração, o “feedback”, as recompensas,…). Na base, localizam-se as componentes, que são os elementos mais específicos (os pontos, os “rankings”, os níveis,…). Os três elementos estão organizados e interrelacionados para que cada mecânica esteja associada a uma ou mais dinâmicas e cada componente a uma ou mais mecânicas ou dinâmicas (Werbach & Hunter, 2012).  

Figura 1 - A pirâmide dos elementos das atividades gamificadas Werbach & Hunter (2012)

3. AS INFLUÊNCIAS DAS ATIVIDADES GAMIFICADAS NA MOTIVAÇÃO E NA PARTICIPAÇÃO DOS ALUNOS

As atividades gamificadas exercem uma forte influência na motivação do aluno, que é, segundo Brown (1994), um elemento fulcral para a aquisição de uma língua segunda. A gamificação é vista como promotora da mesma. 

Existem dois tipos de motivação: a extrínseca e a intrínseca, que nos parecem sofrer influência dos elementos da gamificação. A primeira é impulsionada por fatores externos, como o sistema de pontuação e a subida no “ranking”, com a finalidade de produzir um determinado comportamento, como induzir o aluno a alcançar um determinado objetivo ou a realizar uma tarefa (Ryan & Deci, 2000); já a segunda, está relacionada com os interesses pessoais que conduzem o indivíduo a prosseguir com as atividades por sentirem prazer e não por esperarem receber recompensas externas (idem). 

Aliados à motivação intrínseca e à participação em contexto de atividades gamificadas, estão as necessidades de competência, de autonomia e de relacionamento, que são apresentadas na Teoria de Autodeterminação de Ryan & Deci (2008). A primeira está vinculada à resolução de problemas, ao progresso e ao “feedback” constante, bem como ao aumento do nível de dificuldade nas tarefas propostas, provocando no aluno o sentimento de desafio (Werbach & Hunter, 2012). A necessidade de autonomia está relacionada com as escolhas e tomadas de decisão, que poderão ser realizadas individualmente ou em grupo (Star, 2015) e, também, com a forma como o aluno pretende ser representado (Bleumers et al., 2012; Deterding, 2011; Pavlas, 2010). Uma vez satisfeita esta necessidade, o aluno poderá dedicar mais tempo à atividade. A terceira necessidade, a de relacionamento, ocorre quando o aluno se sente importante, quer como elemento de uma equipa, quer individualmente. Esta necessidade é estimulada através do trabalho de equipa, a partilha de conquistas e o empenho em atingir objetivos (Raban, Rafaeli & Richter, 2015), podendo ser fomentada, também, a competição.

Com isto, pretendemos dizer que estas necessidades parecem influenciar a participação do aluno, porque se este não se sentir desafiado e envolvido nas atividades propostas, poderá querer desistir (Ryan & Deci, 2000). O mesmo acontece com os elementos da gamificação, pois se o aluno os encarar como reforços positivos, poderá sentir-se impulsionado em prosseguir com a atividade por desejar melhorar o seu desempenho ou, até mesmo, para tentar superar-se. Contudo, se acontecer o contrário, estes elementos poderão desencadear o seu desinteresse e, por consequência, a sua desistência (Linehan et al., 2015). A atribuição de recompensas, se simbolizar a realização de tarefas com diferentes graus de dificuldade, aumenta o interesse e a motivação dos alunos (Star, 2015). No entanto, se forem distribuídas sem representarem uma conquista, tornam-se elementos pouco significativos e envolventes, tal como foi concluído no estudo de Hamari & Kovisto (2013). 

Todos os alunos são diferentes e têm o seu próprio estilo de aprendizagem (Gardner, 1993), logo, as mesmas atividades não despertam o mesmo interesse e envolvimento em todos. Parece-nos necessário que o professor apresente projetos diversificados e desafiantes e que dê liberdade aos alunos em criar as suas próprias atividades, deixando-os usar a sua criatividade e podendo aplicá-la nos recursos criados por si. Assim, julgamos que será proporcionado um momento em que o ato de aprender se encontra aliado aos interesses e gostos do aluno. Deste modo, este torna-se parte integrante e fulcral do seu processo de aprendizagem (Fernández-Corbacho, 2015), sentindo-se motivado intrinsecamente e mais envolvido nas atividades de “non game-contexts” (Deterding et al., 2011, p. 9).Consequentemente, é desenvolvida uma experiência significativa baseada nos elementos da gamificação (Nicholson, 2012; Star, 2015), que aliados aos fatores afetivos, proporcionam segurança e confiança ao aluno, tornando a aprendizagem mais efetiva (Fernández-Corbacho, 2015). 

4. O JOGO DAS EMOÇÕES NAS ATIVIDADES GAMIFICADAS

Consideramos que a gamificação e a emoção andam a “par e passo”. A curiosidade, a criatividade e a participação do aluno são estimuladas através de desafios contextualizados, do “feedback” constante e imediato e do sentimento de controlo na tomada de decisões (Foncubierta & Rodríguez, 2014). Desta forma, vemos despertados sentimentos como a alegria, o entusiasmo, o medo de falhar e a frustração. Assim, serão impulsionados comportamentos, como o desejo de prosseguir e de passar à fase seguinte. 

As atividades gamificadas provocam nos alunos a curiosidade pela descoberta sobre o que vem a seguir (Mora, 2013). Este sentimento é apresentado por Superfine (2002) como sendo comum nesta faixa etária, quando se sente envolvido na aprendizagem e quando quer ir mais além na procura de respostas ao “why” (p.32): “(…) Children who want to find out how something can be made to work or who are trying to make something of their own are driven, often, by a sense of curiosity” (idem). Esta ligação emocional à gamificação implica, segundo Foncubierta & Rodríguez (2014), “(…) una relación directa con una experiencia de aprendizaje como algo sentido, vivencial y emocionalmente activo” (p.4). 

Aliado ao pensamento dos elementos da gamificação serem interessantes do ponto de vista didático, está o que Mora (2013) designa como “encendido emocional”, que capta a atenção dos alunos, motivando-os na realização das tarefas. Foncubierta & Rodríguez (2014) acrescentam a “implicação”, considerando-a como um elemento intimamente ligado ao ensino afetivo e consideram que o que não implica emoção, não desperta a atenção. Figueroa (2015), apoiando-se na perspetiva Sailer, Hense, Mandl & Kelvers (2013), acrescenta que a motivação do aluno aumenta quando as atividades gamificadas reduzem sentimentos “negativos” como o medo e a raiva. Porém, quando este se sente envolvido e entusiasmado, a emoção e o prazer são despertados. Desta forma, a atenção e o desejo do aluno são atraídos e a sua participação é estimulada através do desafio na resolução de enigmas, das narrativas contextualizadas e do sentimento de competição (Foncubierta & Rodríguez, 2014) que estão presentes nas atividades gamificadas. Desta forma, o aluno sente-se intrinsecamente motivado para o ato de aprender, podendo fazer uso da sua criatividade na realização das tarefas propostas (Superfine, 2002). 

As atividades gamificadas proporcionam momentos de partilha de experiências com um par ou com um grupo (Foncubierta & Rodriguez, 2014). Desta forma, parece-nos que estamos perante atividades em que a colaboração e a competição se encontram intimamente ligadas, implicando a socialização entre os intervenientes, proporcionando-lhes a sensação de pertença a um grupo (Ryan & Deci, 2008; Foncubierta & Rodríguez, 2014) e despertando a ambição de vencer. Julgamos que este desejo é despoletado pela presença do “ranking” e do “leaderboard”, que funcionam como elementos que fornecem “feedback” imediato, incitando à participação e ao desejo do aluno melhorar o seu desempenho à medida que o grau de dificuldade dos desafios aumenta e vão sendo completados (Krashen, 1977; Raban, Rafaeli & Ritcher, 2015; Star, 2015).

A emoção está intimamente ligada ao processo de ensino-aprendizagem, uma vez que o aluno só recorda o que lhe é significativo e lhe desperta curiosidade (Superfine, 2002; Fernández- Corbacho, 2015). Os elementos dos jogos pertencem ao seu universo e utilizados em contexto de sala de aula, ajudam a combater o desinteresse, o tédio a dificuldade (Foncubierta & Rodríguez, 2014). Ao aproximar o ensino ao contexto real do aluno, este torna-se experiencial e memorável, fazendo-o sentir-se parte integrante do processo (Fernández-Corbacho, 2015). 

5. A APLICAÇÃO DE ATIVIDADES GAMIFICADAS EM CONTEXTO DE SALA DE AULA DE INGLÊS NO 1º CEB: UM PROJETO EM INVESTIGAÇÃO

Neste ponto, dedicamo-nos à análise da metodologia de investigação utilizada no nosso projeto, iniciando com um breve enquadramento metodológico, definindo as questões de partida e apresentando os instrumentos de recolha de dados. Iremos, também, proceder à contextualização da turma na qual as atividades foram realizadas. No ponto 5.2., apresentaremos duas atividades e respetiva reflexão, como exemplos elucidativos do trabalho realizado.

5.1. METODOLOGIA DE INVESTIGAÇÃO

5.1.1. ENQUADRAMENTO METODOLÓGICO

Para este projeto, foi escolhida a metodologia qualitativa, aplicada em estudo de caso, por nos parecer a mais adequada ao nosso estudo. Esta escolha prendese com o facto de nos propormos a observar a turma, os seus comportamentos e reações, interagindo com os sujeitos de forma natural e discreta, para tentar minimizar ou controlar os efeitos que provocam no público-alvo tentando avaliálos, enquanto se interpretam os dados recolhidos (Carmo, 1998).  Assim, torna-se possível compreender, explorar e descrever acontecimentos e contextos diversos, nos quais estão implicados vários intervenientes e fatores (Yin, 2010).

5.1.2. QUESTÕES DE PARTIDA E INSTRUMENTOS DE RECOLHA DE DADOS

As questões de partida foram um primeiro passo para o processo de reflexão e investigação que nos propusemos fazer. Ambicionamos saber se será possível aplicar a Pedagogia Gamificada no contexto do Ensino do Inglês no 1º CEB. Assim sendo, colocámos as seguintes perguntas, às quais procuramos dar respostas com a implementação deste projeto:

  • Será a gamificação uma forma de motivar os alunos na participação das atividades em contexto de sala de aula de inglês no 1º CEB?
  • Quais os efeitos das atividades gamificadas na participação e emoção dos alunos na aula de inglês do 1º CEB?

Os instrumentos de recolha de dados escolhidos foram a observação participante, as notas de campo (NC) e a análise de conteúdo, por nos parecerem ser as mais eficazes na resposta às questões de partida. 

5.1.3. CARACTERIZAÇÃO DO CONTEXTO DE INVESTIGAÇÃO

Este estudo foi implementado numa turma do 4º ano de escolaridade num colégio particular no centro da cidade do Porto. A turma era composta por 24 (vinte e quatro) alunos, tendo todos frequentado o ensino pré-escolar e tido contacto com a língua inglesa desde essa altura. Esta constatação verificou-se ao longo da implementação do projeto, uma vez que os alunos demonstraram ter facilidade em exprimir-se quer a nível oral, quer a nível escrito. Paralelamente ao ensino curricular do inglês, alguns alunos frequentam aulas para a realizarem os “Cambridge Young Learners Exams”. 

5.2. APRESENTAÇÃO DAS ATIVIDADES IMPLEMENTADAS E RESPETIVAS REFLEXÕES

Nesta parte, propomo-nos descrever duas atividades que foram aplicadas em duas aulas de inglês do 4º ano de escolaridade. As atividades pertencem a unidades didáticas distintas: “Body” e “Food”. Cada sessão teve a duração de 60 (sessenta) minutos.

Nas duas sessões, a turma foi dividida em 4 (quatro) grupos, tendo cada um recebido uma estrela, cuja cor o identificava: os Blues, os Greens, os Yellows e os Reds. Em seguida, foi apresentado pela professora um “leaderboard” analógico (fig.2), que acompanhou a evolução de ambas as atividades, estando cada grupo identificado no mesmo com uma mancha da sua cor. À medida que as tarefas foram realizadas dentro do tempo estipulado, um elemento dos grupos vencedores colou uma estrela da sua cor. No final, foi efetuada a contagem das estrelas e o/s grupo/s que conquistaram mais, ganharam um prémio

Figura 2 - Leaderboard

5.2.1.“LET’S DO A PUZZLE!”

Material:

  • envelope;
  • puzzle e mini “flashcards” (fig. 3);
  • cronómetro.

A professora entregou a cada grupo um envelope da sua cor com peças de um puzzle (fig. 3). Antes de o abrirem, questionou-os sobre o que achavam que iriam fazer, provocando na turma o sentimento de desafio (Werbach & Hunter, 2012). Em seguida, os alunos abriram o envelope, tiraram as peças do puzzle e foram convidados a montá-lo. A imagem correspondia a uma personagem já conhecida da unidade curricular anterior, a Sarah. Depois da tarefa terminada, foi-lhes entregue outro envelope com mini “flashcards” (fig. 3) com os nomes das partes do corpo para realizarem uma atividade de “labeling”. 

Esta atividade implica a tomada conjunta de decisões e de opções (Star, 2015), fomentando o trabalho em equipa e incentivando a colaboração para atingir os objetivos propostos (Raban, Rafaeli & Richter, 2015). Desta forma, as necessidades de autonomia e de relacionamento, defendidas por Ryan & Deci (2008) na Teoria da Autodeterminação que referimos anteriormente, enquadramse nesta linha de pensamento.

O/s grupo/s que terminaram a atividade dentro do tempo previsto (7 minutos), ganharam uma estrela da sua cor e colaram-na no “leaderboard” (fig.2) junto à imagem que identificava a atividade. Desta forma, a competição esteve marcada, uma vez que todos os grupos queriam ganhar a estrela e serem vencedores.

Durante a realização da atividade, a professora circulou pelos quatro grupos, para a monitorizar e orientar, dando “feedback”, incentivando a sua continuação. No final, projetou no quadro a imagem da Sarah legendada, para permitir a correção imediata. A língua inglesa predominou como veículo de comunicação.

A escolha desta atividade prendeu-se com o estímulo da curiosidade dos alunos perante o desconhecido, que é característico das crianças nesta faixa etária (Superfine, 2002) e, também, para verificar a sua capacidade em resolver problemas (Ellison, 2010), trabalhando em grupo. As crianças gostam de aprender e de explorar o que os rodeia (Stephens, 2007). Esta atividade procura exercitar a memória e a lateralidade, competências presentes no Currículo Nacional do Ensino Básico.     

Depois de analisado o conteúdo das fichas de “self-assessment”, pudemos verificar que a maioria dos alunos gostou de realizar esta atividade (“Gostei do jogo, A 1.10.”) e que a grande maioria atingiu os objetivos propostos: conhecer e identificar as partes do corpo humano (“It has got two blue eyes. She has got small nose ande mouth, A. 1.10”). Uma pequena amostra referiu que não gostou da competição entre os grupos, nem do “leaderboard” (“I don’t like a competição de grupos, A1.5” / “I don’t like a contagem of the stars, A1. 8”). Através da observação participante e das notas de campo, constatámos que os alunos se mostraram muito interessados e motivados na realização da atividade, demonstrando sentimentos como a alegria e a euforia, aquando o fim da tarefa ou de tristeza e desilusão por não a completarem dentro do tempo estipulado: “Teacher, não é justo!” (NC10); “Falta-nos uma estrela!” (NC 12)

Figura 3 - Puzzle e mini “flashcards”

5.2.2. “THE FOOD PROJECT” STORY!

Material:

  • envelopes com imagens;
  • caderno;
  • manual;
  • lápis;
  • borracha;
  • história escrita pela professora, intitulada “The Food project”, apresentada em powerpoint; - computador;
  • quadro interativo.

A professora projetou um atlas feito com alimentos e colocou algumas questões à turma com o objetivo de captar a sua atenção e de despertar a sua curiosidade (Superfine, 2002), como: “Sabem o que esta imagem representa? Porque será que a América do Norte tem milho e a África trigo?” Em seguida, apresentou as duas personagens da história, a Sarah e o John (com as quais os alunos já se encontravam familiarizados das unidades anteriores), como sendo dois alunos ingleses que estudavam no mesmo ano de escolaridade e que iam fazer um projeto para a escola sobre os pratos tradicionais do mundo. Esse projeto consistiu no contacto por email com quatro alunos de quatro países diferentes (Madagáscar, Índia, Itália e Portugal), tendo-lhes sido questionado sobre o que comiam às refeições (cada e-mail correspondia a uma refeição diferente). A Sarah e o John também apresentaram o que comiam em cada uma das refeições e acrescentaram um alimento que gostavam e outro que não gostavam, aplicando os “chunks”: “like” e “don’t like”. Desta forma, foi enfocada uma abordagem intercultural, pois os alunos conheceram hábitos alimentares diferentes dos seus, podendo causar-lhes estranhamento.

Durante a narrativa da história, os alunos foram desafiados a continua-la: tiveram de responder aos e-mails da Sarah e do John como se fossem os alunos estrangeiros, seguindo as pistas que lhes foram entregues num envelope: cada grupo teve que descrever por escrito (usando o seu caderno) o prato típico de cada país e acrescentar um alimento que gosta e outro que não gosta, de acordo com as informações recebidas. Não foi dada qualquer estrutura textual ou frásica: os alunos mostraram o que aprenderam nas aulas anteriores, usando as suas próprias estratégias e experiências, tendo-se procurado tornar o ato de aprender mais significativo (Fernández, Corbacho, 2015). 

Os alunos puderam recorrer ao manual e ao caderno sempre que precisaram. A história terminou com um e-mail da Sarah e do John dirigido à turma, questionando-os sobre o que comiam ao lanche. Desta forma, foi trazida a experiência pessoal dos alunos para a sala de aula, com o intuito de fazer com que se sentissem parte integrante e importante do processo (FernándezCorbacho, 2015). Os grupos que terminaram a tarefa dentro do tempo estipulado (5 minutos), colaram uma estrela da cor do seu grupo no “leaderboard”. Em seguida, lançaram um dado para decidir qual era o grupo que apresentaria o seu texto. Todos os grupos receberam “feedback” da professora, que leu todos os textos dos grupos, efetuando algumas correções, quando necessárias.

Esta atividade foi composta por desafios, com diferentes graus de dificuldade, implicando tomadas de decisão em grupo, no que concerne à resolução dos enigmas apresentados. Os alunos mostraram-se empenhados em atingir os objetivos propostos, para conquistarem a sua estrela. Assim sendo, parece-nos que as três necessidades apresentadas por Ryan & Deci (2008) na Teoria de Autodeterminação, foram satisfeitas.

A decisão de aplicar esta atividade esteve relacionada com o estímulo à curiosidade dos alunos sobre os hábitos alimentares de outros países, para poder verificar as suas reações e comportamentos perante a diferença (“Eles comem sopa ao pequeno-almoço?” NC 15). Procurámos, também, observar como trabalhariam em grupo e se existiria colaboração entre os membros, bem como competição entre os diferentes grupos.        

Depois de analisado o conteúdo das fichas de “self-assessment”, pudemos verificar que a grande maioria dos alunos gostou de trabalhar em grupo (“I like quando estamos a trabalhar em grupo A.2.4”/ “I like work group A.2.7”) e desta atividade (“Gostei dos jogos de grupo e das histórias A.2.2” / “Look sarah and Jone go to países A.2.14”). Constatámos, também, que a grande maioria atingiu os objetivos propostos: identificar alimentos; expressar preferências (“I like chips, rice, meat, apple, spaghetti, cake, cereal, soup; I don’t like chocolate A. 2.5”) e identificar as refeições (“I have for lunch meat, rice and soup A.2.10”). Uma pequena amostra referiu que não gostou da competição entre os grupos, nem do “leaderboard” (“Acho injusto um grupo ter recebido 2 vezes um prémio e o meu não A.2.4”). Através da observação participante e das notas de campo, pudemos verificar que os alunos estavam muito interessados e motivados na realização da atividade, mostrando-se entusiasmados e empenhados (“Eu gosto desta atividade!” NC 16). Consideramos importante referir que a competição esteve presente ao longo das atividades, bem como os sentimentos de alegria, euforia, tristeza e de injustiça: “Nós ganhámos uma estrela e não colámos!” NC18).  

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Parece-nos evidente que as experiências de gamificação mais efetivas incluem elementos como a curiosidade, a permissão do erro, o “feedback” imediato, a colaboração entre os jogadores, a apresentação de novos conteúdos através de histórias e desafios contextualizados e o sentimento de controlo na tomada de decisões para motivar, estimular comportamentos desejados e promover descobertas (Foncubierta & Rodriguez, 2014). A gamificação, aliada aos elementos do jogo, incentiva à aprendizagem de algo novo e propõe o aumento gradual do nível de dificuldade, mantendo o aluno motivado em prosseguir e em passar à fase seguinte. São desenvolvidas habilidades para resolver problemas e a necessidade, o valor do esforço, da persistência e da criatividade são reconhecidos (idem). O cumprimento de sistemas de regras para conhecer, experimentar e compreender algo novo também está presente. As emoções desempenham um papel preponderante, podendo ser variadas, como a alegria, a curiosidade, a frustração e o orgulho. 

Consideramos que a gamificação, quando aplicada em contexto de sala de aula, pode ser um processo interessante, por fomentar a criatividade, a participação, a motivação e a colaboração entre os elementos envolvidos, existindo a possibilidade de aliar tudo isso ao uso das tecnologias e a plataformas digitais tais como, o “Kahoot!”, o “Plickers”, “ClassDojo” e “Classcraft”, indo ao encontro dos “digital natives” (Prensky, 2001) com quem trabalhamos nas nossas salas de aula.

Com implementação das duas atividades, verificámos que os alunos se mostraram motivados e empenhados em realizar as tarefas, sentindo-se impulsionados pela conquista de estrelas e, consequente, vitória. O ambiente informal e próximo do contexto real do aluno incentivou a sua participação, não se verificando o medo de errar (Piaget, 1930). A competição esteve presente, despertando nos alunos emoções como a revolta, a desilusão e o sentimento de injustiça. Não obstante, todos os alunos aceitaram as regras apresentadas, tendo a grande maioria respeitado. Consideramos importante referir que estas foram bem explicadas no início de cada atividade.

Por outro lado, apresentamos como limitações ao nosso estudo o constrangimento do tempo para realizar uma análise comparativa com outros enfoques metodológicos, de forma a apurar se a aprendizagem seria mais efetiva na Pedagogia Gamificada ou não. Outro aspeto que podemos referir prende-se com as reações dos alunos, que se observaram muito díspares: enquanto uns gostaram, mesmo não sendo vencedores, outros não se sentiram confortáveis com o ambiente competitivo que se criou “Eu gostei do jogo, mas não gostei das estrelas, porque não são justas” NC14. No entanto, tendo em conta que todos os alunos são diferentes, reconhecemos que seria difícil aplicar uma abordagem metodológica que fosse ao encontro dos interesses de todos (Gardner, 1993). Outro constrangimento que consideramos importante salientar é o facto de não ter sido possível aplicar atividades recorrendo a plataformas digitais, uma vez que o sinal da internet era muito fraco.      

De um modo geral, com a aplicação da Pedagogia Gamificada em contexto de sala de aula, verificámos que o ritmo e a cadência das atividades revelaram-se menos formais, tornando o contexto de aprendizagem mais espontâneo, explorando outras competências, tais como: saber ouvir e respeitar opiniões, respeitar a vitória do outro, preparando os alunos para a vida real.  

REFERÊNCIAS

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