Artigo

A pessoa do Profissional de Relação de Ajuda… em contextos de Saúde Mental

Sofia Veiga

Joana Ferreira

Politécnico do Porto – Escola Superior de Educação

RESUMO

No presente artigo, partindo-se de um caso real desenvolvido em contexto de Saúde Mental, serão evidenciados os pressupostos da relação de ajuda e, sobretudo, o papel desempenhado pelo profissional nesta relação. 

Numa relação de ajuda, o profissional tem de estar aberto e disponível para escutar e compreender empática e holisticamente a pessoa com quem intervém, particularmente se a mesma tiver uma doença mental. Mais do que a sua doença, o profissional tem de ver o ser humano que está perante si, com problemas, com necessidades, mas também com competências e um enorme potencial para se desenvolver, autonomizar e empoderar. E é numa relação de proximidade e de confiança, que se vai edificando ao longo do tempo, que o profissional pode ajudá-la no seu processo de mudança, acreditando nela, corresponsabilizando-a e dando-lhe poder.

Os conhecimentos técnico-científicos, embora fundamentais, não são, por si só, suficientes, já que na base da intervenção do profissional de relação de ajuda se revela imperativa a sua implicação, enquanto pessoa, com a plenitude e autenticidade do seu ser. 

Pela dimensão relacional e afetiva deste trabalho, o profissional é desafiado a gerir constantemente as emoções, próprias e do outro, que são experienciadas no decorrer deste processo. Ao reconhecer o que cada um sente e a influência das emoções no processo relacional, a atuação do profissional será mais ponderada, trazendo, consequentemente, proveitos para a própria relação e para o desenvolvimento e a capacitação dos sujeitos.

Palavras-chave: relação de ajuda, doença mental, profissional

ABSTRACT

In the present article, starting from a real case developed in a Mental Health context, will be evidenced the assumptions of the helping relationship, and above all, the role played by the professional in this relation. 

In a helping relationship, the professional must be open and available to listen and understand, empathically and holistically, the person with whom intervenes, particularly if he/she has a mental illness. More than his illness, the professional must see the human being before him/her, with problems and needs, but also with skills and a huge potential to develop, autonomize and empower. And it is in a relationship of closeness and trust, which is built up over time, that the professional can help him/her in his/her process of change.

The technical-scientific knowledge, although fundamental, is not sufficient in itself, since it is imperative that the professional is implicated as a person, with the fullness and authenticity of his being.

By the relational and affective dimension of this work, the professional is challenged to constantly manage the emotions, own and the other, that are experienced in the course of this process. By recognizing what each one feels and the influence of the emotions in the relational process, the professional's performance will be more pondered, consequently bringing benefits to the relationship itself and to the development and empowerment of the subjects.

Keywords: helping relationship, mental illness, professional

1. A RELAÇÃO DE AJUDA: BREVE ENQUADRAMENTO TEÓRICO

Todo o ser humano precisa de ser cuidado e amado. Como refere Coimbra de Matos (2004, p. 27), o crescimento e o desenvolvimento mental só acontecem “na relação do sujeito com o seu objeto”. Percebe-se assim que é com o(s) outro(s) e através das relações que com ele(s) estabelece, em grande medida de natureza afetiva, que o ser humano sobrevive, se desenvolve e se atualiza (Rogers, 1961/1985).

Ao longo da vida, o ser humano vai assumindo ora o papel de cuidador/ ajudante, ora o papel de cuidado/ajudado, “numa mudança contínua, sujeita às determinações das condicionantes de vida” (Simões, Fonseca, & Belo, 2006, p. 46). Neste tipo de dinâmica relacional, criam-se espontaneamente condições para a resolução dos problemas que emergem a cada momento e que necessitam de resposta imediata. Podendo esta relação ser de cariz informal, outras há, de cariz mais formal, que decorrem de forma planeada, estruturada, pontual e com contornos mais manifestos (Simões et al., 2006).

A relação de ajuda (RA), enquanto modelo de intervenção, configura-se como “um encontro pessoal entre uma pessoa que pede ajuda para modificar alguns aspectos do seu modo de pensar, de sentir e de actuar e outra pessoa que quer ajudá-la, dentro de um marco interpessoal adequado” (Soriano, 2005, citado por

Timóteo, 2010, p.39). Sendo uma interação colaborativa, complementar, criativa e dinâmica, a RA, fundada na confiança, visa ajudar a pessoa a: adquirir competências para lidar com o que vivencia; analisar e compreender os contextos onde se insere; desenvolver a capacidade crítica e reflexiva que lhe permitam valorizar e saborear a vida, e lidar com os problemas que a vão assolando no decorrer do seu percurso pessoal; a atingir o seu potencial (Simões et al., 2006). Será “no próprio acto de cuidar que pode residir a cura” (Perdigão, 2003, p. 486), daí que só se ajudará a pessoa se o profissional acreditar nela e a respeitar. É, então, essencial que a escute, a compreenda, não a julgue, sinta as suas emoções e, mais do que o seu problema, veja o ser humano que está perante si, com necessidades mas também com recursos e potencialidades (Charlifour, 2007). Só com esta visão holística poderá ajudar a pessoa a assumir o controlo da sua vida, a ser autora e protagonista da sua história.

Na sua prática profissional, o interventor deverá ter em conta os referenciais teóricos que sustentam a sua atuação, na medida em que a falta de congruência entre aquilo que defende e os comportamentos que adota gerará ansiedade, tanto ao profissional, por não saber que caminho está ou há-de seguir, como ao sujeito, por não se sentir seguro e amparado num trajeto que está a ser percorrido sem metas delineadas. Esta indefinição pode colocar em causa a essência da RA que, como referido anteriormente, implica a criação de uma ligação de confiança. Pelo contrário, quando há um modelo teórico definido, para além de uma ajuda mais consistente, permite ao profissional refletir, avaliar e redefinir ou manter a sua atuação, se assim for o mais apropriado (Charlifour, 2007).

No entanto, para edificação de uma RA não é só o saber ou o conhecimento que está em causa, mas o próprio profissional enquanto pessoa, na medida em que é imperativa a sua implicação com toda a “densidade e a autenticidade do ser” (Perdigão, 2003, p.3). Neste sentido, são essenciais determinadas características e atitudes relacionais do profissional para que, de acordo com Charlifour (2007), seja possível o alcance de uma RA de qualidade e a sua manutenção de forma sustentada ao longo do tempo. O autor salienta quatro atitudes básicas, sendo, a primeira, o respeito caloroso, que compreende o respeito pela singularidade da pessoa e a sua competência para prosseguir o rumo que lhe fizer mais sentido e vá ao encontro das suas pretensões, num ajuste entre ambição e capacidades. A autenticidade é outra atitude imprescindível, na medida em que, no início da relação, a pessoa sentir-se-á pouco à vontade para falar com o profissional acerca do que a incomoda, tendo necessidade de verificar se o mesmo é, ou não, digno da sua confiança e se estará, de facto, apto para a amparar (Charlifour, 2007). É também neste sentido que Soriano (2005) fala, quando, no seu Modelo Conjuntivo de Ajuda, se refere ao problema relacional. Sobretudo no contacto inicial, a pessoa poderá sentir algumas dificuldades em revelar ao profissional a sua intimidade, expor as suas fragilidades e reconhecer que tem um problema que não é capaz de resolver, algo que a deixa desconfortável. Será então imperativo que o profissional mostre que está de facto presente na relação de forma genuína e que a pessoa pode confiar nele sem receios (Charlifour, 2007). A compaixão será outra atitude que não poderá faltar, pois implica que o profissional sinta o que a pessoa sente e faça tudo o que for possível para a ajudar a amenizar o seu sofrimento. A quarta atitude centra-se na esperança e no acreditar veementemente que os resultados esperados serão alcançados, e que o caminho co construído com a pessoa é o mais adequado e o que trará as desejadas transformações (Charlifour, 2007). A esperança é um ato de respeito, pois acredita na pessoa, mesmo quando a própria não acredita em si ou na mudança, e considera-a digna para que o profissional se entregue totalmente a esta relação. Intervir sem esperança faz com que as intervenções sejam despojadas de sentido.

Para além destas atitudes, o profissional deverá ter consciência de que as suas características pessoais trazidas para a relação interagem com as do sujeito, influenciando todo este processo (Coutinho & Ribeiro, 2009; Timóteo, 2010; Veiga, 2009; Veiga, Bertão, & Franco, 2011). Assim, este atua de acordo com aquilo que é, sendo por isso o seu modo de estar na relação sempre influenciado pela sua personalidade, vivências atuais e passadas, fantasias, desejos e medos, saberes e habilidades pessoais e profissionais, representações relativas ao papel de cada um na relação (Charlifour, 2007; Timóteo, 2010; Veiga, 2009; Veiga et al., 2011). Pela dimensão relacional, afetiva e emocional deste trabalho, os limites enquanto pessoa, enquanto ser social e enquanto profissional diluem-se, daí que só com a perceção deste facto e por intermédio de um autoconhecimento será possível que este invista “afectivamente nas relações sem medo de se perder nelas” (Timóteo, 2010, p. 30). Para que tal não suceda, e este consiga lidar com todas as emoções que experiencia no decorrer deste processo, tanto as suas, como as transferidas pelo sujeito, precisa de ter consciência do que pensa e, sobretudo, do que sente. Ao ter a perceção do que sente, e da influência das suas emoções nas suas decisões, a sua atuação será muito mais consciente e ponderada (Damásio, 1994; Goleman, 1995).

Estes desafios, presentes em qualquer RA, são particularmente importantes quando o profissional intervém no âmbito da Saúde Mental, como se poderá constatar no caso que a seguir se narra.

Sr. Manuel e o seu desejo de dar vida à sua vida

A um Departamento de Saúde Mental (DSM) de um Hospital do Norte de Portugal, chegou, em 2013, um pedido para acompanhamento em psiquiatria do senhor Manuel, de 54 anos, depois de o mesmo ter tido alta de um internamento psiquiátrico num outro Hospital. Tinha o diagnóstico de esquizofrenia, com predomínio de sintomatologia negativa, e era medicado com antidepressivos e antipsicóticos.

Por estar estabilizado, além do apoio psiquiátrico, este senhor começou a beneficiar de um acompanhamento psicossocial na comunidade, por parte de um profissional psicossocial (PP). Este acompanhamento desenvolveu-se ao longo de quarenta e duas sessões, presenciais, de periodicidade semanal. Além das sessões na comunidade, aconteceram outros contactos, presencialmente no hospital ou telefonicamente.

É este acompanhamento que será, doravante, narrado.

1.1. OS PRIMEIROS CONTACTOS E O ESTABELECIMENTO DO VÍNCULO

O primeiro contacto, em contexto de consulta hospitalar, permitiu conhecer um pouco da realidade deste senhor, a intervenção efetuada até então e o seu impacto.  Foi então percetível que, decorrente da sua doença, os dias do Sr. Manuel eram passados em casa, em total isolamento, acontecendo as únicas saídas para ir almoçar e, quinzenalmente, para ir às consultas no hospital. Desde logo manifestou o seu desejo de estar mais ativo, de mudar de vida: “Estou farto de estar assim. Começo a pensar que não há solução para mim”. A vida sempre igual, sem novidade e sem esperança, não possibilitava novas experiências, novas relações, a (re)definição de (novos) objetivos de vida. Foi neste quadro que foi proposta a intervenção psicossocial em análise. Uma intervenção de proximidade, desenvolvida no seu contexto de vida. Surpreendido, o mesmo referiu que não lhe parecia “(…) muito bem”, já que sentia “complexos” por não saber o que haveria de falar. Foi percetível que a proposta e a proximidade da relação no seu ambiente o assustavam. De forma a respeitar o seu ritmo e as suas defesas, o PP propôs conversarem numa fase inicial no hospital, que, por ser um local já conhecido, se revelava mais securizante. Depois de dois encontros, iniciada já a RA, o Sr. Manuel mostrou-se receptivo a um acompanhamento na comunidade.

Nos primeiros encontros, o profissional mostrou-se desde logo flexível e disponível, seja para a marcação dos encontros, seja na forma como os mesmos iriam decorrer. Com o intuito de edificar a relação de confiança, reassegurou ainda o senhor de que o seu ritmo seria respeitado e que era perfeitamente legítima a dificuldade que sentia em estar mais ativo, pelo facto de estar inativo e em isolamento há muito tempo, e pelas próprias características da sua doença, que o mesmo reconhecia, que o levavam a sentir uma intensa vontade de se isolar. O profissional procurou sempre acolher e valorizar o Sr. Manuel, devolvendo-lhe a esperança de ser merecedor de voltar a experienciar coisas boas na vida. Reassegurou-o, ainda, de que, neste processo, difícil e moroso, não estaria sozinho. Estaria lá para o amparar, sem julgamentos, e acreditando nas suas capacidades e potencialidades de mudança.

Ao fim de três meses, o profissional considerou que a relação entre ambos estava consolidada, evidenciada na relação de afetividade, na maior proximidade e no maior à vontade entre os dois. Um exemplo deste facto, foi o convite feito pelo Sr. Manuel para que o PP conhecesse a sua casa. Reflete-se, contudo, se haverá uma altura concreta em que se possa afirmar que o vínculo está estabelecido, já que este decorre de um processo lento e único, muitas vezes com avanços e recuos, que, dependendo da díade, pese embora seja sobretudo da responsabilidade do profissional.

Todo o percurso foi um processo de conquistar confiança e de mostrar ao Sr. Manuel que seria sempre respeitado e acolhido, e que nestes encontros podia ser autêntico e expressar todos os seus pensamentos e emoções. Através das atitudes do profissional, o Sr. Manuel parecia sentir que não era julgado, criticado, estranho. Sentia-se aceite e valorizado nas conquistas que ia conseguindo. Mas também mais realista, reconhecendo e aceitando que nem tudo funcionava consoante o seu desejo, nomeadamente a sua rápida melhoria.

Como referimos anteriormente, nesta relação, o profissional procurou mostrar, desde o primeiro contacto, a sua disponibilidade em acompanhar e acolher o Sr. Manuel, em locais por si escolhidos na comunidade, dando-lhe espaço e deixandoo confortável para que pudesse ser, estar, sentir e agir com genuinidade. Tal potenciou a criação de um espaço contentor que permitiu que “aspetos projetados do self” do sujeito fossem compreendidos e significados pelo profissional, para que os mesmos fossem transformados e posteriormente reintrojetados de uma forma mais suportável” (Bateman & Holmes, 1997, p.158).

1.2. A RELAÇÃO DE AJUDA EM DESENVOLVIMENTO

Desde o início que o Sr. Manuel expressava o desejo de conseguir estar ativo e de mudar de residência. Queria viver na freguesia onde nasceu e onde recordava ter sido feliz, com os pais, em criança, e com os amigos, já mais velho. Quando se abordava a hipótese de marcação de uma reunião com uma entidade pública que pudesse prestar apoio ao nível habitacional e ajudar na concretização deste desejo, respondia “Eu vou ver se vou lá”, mas acabava por não ir, pela sua insegurança, medo de enfrentar o desconhecido e desesperança, sintomas tão característicos da sua doença (Silva, Santos, Miron, Miguel, Furtado, & Bellemo, 2016). O PP disponibilizou-se a acompanhá-lo, caso ele quisesse e achasse útil. A sua reação inicial foi, como em tantas outras ocasiões, de recusa: “Não vale a pena estar a incomodar-se. Eu vou lá para a semana”. Mas na semana seguinte, quando se tentava perceber o que o tinha impedido de ir, ou de tentar marcar uma reunião, revelava “Não sei o que dizer”. A insegurança em dar o primeiro passo era evidente. Dirigir-se a locais diferentes dos que faziam parte das suas rotinas parecia ser sentido como uma ameaça, que lhe causava angústia e medo, embora não falasse destes aspetos. O profissional, todavia, estava ciente de que a resistência em alterar rotinas e o medo perante a mudança decorriam do seu quadro clinico. Encarar o novo era assim difícil para o Sr. Manuel. A fim de diminuir a sua insegurança, o profissional propôs que, através da técnica do roleplay, se experimentasse em espaço protegido antes de se experimentar na realidade. Além de se respeitar o ritmo do senhor, com esta estratégia foi possível o treino da sua expressão verbal, sobretudo no que se refere à sua autenticidade, já que o PP se foi apercebendo que o mesmo procurava adotar um discurso que agradasse ao(s) seu(s) interlocutor(es), tendo dificuldade em expressar a sua vontade. O discurso utilizado era frequentemente idêntico ao discurso utilizado pelos profissionais que o acompanhavam no hospital. Esta colagem mimética advinha das dificuldades do sujeito em criar um discurso próprio, após a escuta daquilo que deveria dizer no contexto clínico. Se a psicose traz, em princípio, dificuldades ao nível da função simbólica e da apropriação de um discurso social adequado, a pressão externa relativamente ao que se deve fazer, traz uma dificuldade acrescida. Por sentir o Sr. Manuel ainda inseguro, o PP voltou a referir a disponibilidade de o acompanhar, tendo o mesmo referido já mais recetivo “Isso não lhe causa transtorno?”. O treino de papel foi utilizado outras vezes, o que foi deixando o Sr. Manuel cada vez mais confiante nas suas próprias capacidades e proativo no alcance da mudança desejada. Exemplo disso foi o facto de, acompanhado pelo PP, se ter dirigido a uma instituição de apoio alimentar e ter tratado da sua inscrição autonomamente. “Dra, já consegui os documentos, e já os fui entregar. Assim já fica”.

O Sr. Manuel começava a registar melhorias significativas que o deixavam bastante confiante e satisfeito, assim como ao PP. No quarto mês de contacto, e depois de uma articulação com os profissionais do hospital, o PP ficou a saber que o Sr. Manuel, quando foi buscar a documentação para se inscrever na instituição de apoio alimentar, ingeriu uma grande quantidade de álcool. Este reavivar da vida estava a deixá-lo mais atento ao que o rodeava, mas também estava a fazêlo retomar os consumos etílicos “Tenho medo de avançar e fazer as coisas mal”, referia. Este episódio deixou o profissional um pouco preocupado e frustrado. Todavia, procurou gerir estes sentimentos, caso contrário poderia comprometer a relação estabelecida, assim como o investimento no processo de mudança.

Ao longo da intervenção, o Sr. Manuel foi apresentando mudanças variadas e significativas, evidenciando uma progressiva autonomia e segurança. Uma das mudanças a destacar foi a procura autónoma de locais de convívio com o intuito de quebrar o isolamento em que se encontrava, decorrente da sua doença. Consequente a esta busca, começou a frequentar um centro de convívio com alguma regularidade, embora apresentasse algumas oscilações no que concerne às suas vivências e perceções: nuns dias referia que “o centro não é aquilo que eu esperava. Não me vejo a ficar muito tempo no mesmo sítio”; noutros dias, partilhava que gostava, “Quando estou lá o tempo passa mais depressa e não fico tão fechado em casa”. Foram sempre respeitadas estas oscilações e abertas diferentes possibilidades de ação. Poderia fazer escolhas e decidir, se soubesse que caminhos existiam. Embora estas oscilações pudessem ter deixado o profissional frustrado, por não haver uma constância e manutenção das conquistas, tal não acontecia, porque o mesmo percebia que, pelo facto de o sujeito sofrer de psicose, a inconstância fazia parte da sintomatologia habitual desta patologia. Ciente desta realidade, o PP procurava mostrar-se tolerante, compreensivo e disponível, estando particularmente atento ao facto de o próprio Sr. Manuel se sentir frustrado quando sentia estes avanços e recuos, e quando revelava dificuldade em estar durante largos períodos em contacto com pessoas, expressando sentir necessidade de se isolar. Contendo a frustração do indivíduo e respeitando as suas limitações e desejos, o profissional não deixava de valorizar as suas conquistas e motivá-lo para mudanças almejadas em prol da melhoria da sua qualidade de vida.

Gradualmente, o Sr. Manuel começou também a apresentar melhorias ao nível do seu autocuidado (barba feita, troca mais frequente de roupa, cabelo cortado), bem como ao nível do seu discurso oral (expressão e entoação mais ajustada). O PP procurou sempre estar atento a estes pormenores que serviam, como se referiu anteriormente, para valorizar e motivar o Sr. Manuel. Este olhar atento permitia ainda que o Sr. Manuel se sentisse visto, reconhecido e digno de valor.

Com a aproximação do final da intervenção, para que o contacto e a relação com o Sr. Manuel não terminassem de forma abrupta, o mesmo foi sendo preparado. Atendendo ao facto de o sujeito já estar com uma rede social mais reforçada, o profissional sugeriu que os encontros passassem a ser quinzenais, sendo que, nas semanas intermédias, falariam pelo telefone. Progressivamente foram-se diminuindo igualmente os contactos telefónicos, mantendo-se apenas a regularidade quinzenal dos encontros. Pela impossibilidade de ser continuado este acompanhamento psicossocial por parte do hospital, no contexto de vida do Sr. Manuel, e para que o mesmo não ficasse desamparado, foram equacionadas duas opções de continuidade. O acompanhamento, na comunidade, por parte de uma enfermeira do centro de saúde, pareceu não agradar ao Sr. Manuel, “Agora não queria muito estar com outra pessoa. Tinha de começar tudo de novo…”. A outra opção era a diretora do centro comunitário telefonar-lhe sempre que houvessem atividades e para saber como este se encontrava. O Sr. Manuel optou por esta última. Com a intervenção realizada - ainda que mantendo os acompanhamentos hospitalares e os contactos mais ou menos regulares com a diretora do centro comunitário -, o Sr. Manuel consegue, agora, interagir de forma mais confiante com os outros, tem maior poder de decisão, faz escolhas, sente-se mais digno e merecedor de frequentar atividades que lhe tragam satisfação, e reconhece-se ainda útil e válido na e para a sociedade.

1.3. DISCUSSÃO

São inúmeros os contextos e os âmbitos onde a relação de ajuda pode ser desenvolvida, sendo a Saúde Mental um desses. Tendo em conta o caso exposto, refletir-se-á sobre as exigências e os desafios que os profissionais de RA, e, mais propriamente, os profissionais psicossociais, enfrentam na intervenção junto de e com pessoas com doença mental, mais concretamente com esquizofrenia.

1.4. FORMAÇÃO CIENTÍFICA

Quem trabalha na área da saúde mental, tem obrigatoriamente que ter conhecimentos específicos sobre psicopatologia.

A destrinça entre o normal e o patológico não é simples de se realizar. É considerada saudável a pessoa que – por ser capaz de se adaptar, resolver e defender - consegue responder e lidar com os estímulos a que está sujeita, fazer face às suas responsabilidades pessoais e sociais, e ultrapassar as crises, ou seja, os períodos de maior stress com os quais se vai deparando no decurso da sua vida (Cordeiro, 1987; Quartilho, 2010; Scharfetter, 2005). Estas experiências, se a pessoa conseguir manter o equilíbrio, poderão promover no indivíduo um aumento da sua maturidade, maior clareza e objetividade na maneira como encara as situações (Cordeiro, 1987). Por outro lado, quando não o consegue fazer, o seu equilíbrio fica em causa levando a que entre em rutura e fique oprimida, deixando de ser capaz de lidar e de cumprir com as suas tarefas, criando, assim, uma dependência do contexto em que está inserida (Cordeiro, 1987; Scharfetter, 2005). Esta situação deixa a pessoa em risco de desenvolvimento de uma doença mental, que se traduz, como se pôde observar no caso do Sr. Manuel, numa afetação do funcionamento e comportamento emocional, social e intelectual (Cordeiro, 1987; Fazenda, 2008).

Ciente desta realidade, um profissional de RA a trabalhar na área da Saúde Mental deve conseguir, através de uma relação de proximidade e de uma escuta empática, compreender o que uma pessoa com psicopatologia experiencia: as suas dificuldades, as suas necessidades, os seus recursos (Oliveira & Furegato, 2012).

Além de conhecimentos mais gerais sobre a saúde e a doença, os profissionais devem ter conhecimentos específicos sobre os sinais e sintomas que decorrem da psicopatologia das pessoas que acompanham. A esquizofrenia, doença de que padece o Sr. Manuel, está “associada a uma série de sintomas e sinais como alucinações, delírios e desorganização do pensamento, durante as crises agudas, intercalados por períodos de remissão, dificuldade de expressão das emoções, apatia, isolamento social e um sentimento profundo de desesperança” (Silva et al., 2016, p. 19). Sendo uma psicopatologia crónica, observa-se, nestas pessoas, uma perda gradual das suas habilidades, tanto para cuidar de si próprios, como para se relacionarem com os outros (Silva et. al, 2016).

De acordo com Henner (citado por Almeida, 2010, p. 385), a capacidade cognitiva, responsável pelos processos mentais, é a mais afetada nas patologias mentais graves. Esta alteração traduz-se numa visão distorcida da realidade, na dificuldade/incapacidade que as pessoas apresentam para zelarem e usufruírem da sua liberdade, assim como para preservarem o seu desejo e o seu direito à dignidade (Cordo, 2013).

O mesmo quadro de diagnóstico pode, em diferentes pessoas, ter manifestações diversas, daí que se possa considerar que “há tantas doenças mentais como doentes que delas são portadoras” (Cordo, 2013, p.107). Esta realidade obriga a que o profissional olhe cada pessoa de forma integral e como um ser singular, tendo, não obstante, consciência de que estar doente, acarreta, como refere Cordo (2013), um sofrimento real, pois há uma perda de liberdade, uma ausência de proteção pessoal e uma rejeição coletiva, que nem sempre é percecionada pelos sujeitos.

Para o Sr. Manuel, a esquizofrenia afetava-o a vários níveis, como é habitual nesta patologia. Apresentava, nomeadamente, dificuldades em manter um pensamento coerente, assim como uma inabilidade para conseguir desempenhar o seu papel social, pessoal e familiar, revelando, ainda “problemas cognitivos, tais como dificuldade de abstração, déficit de memória, comprometimento da linguagem e falhas na aprendizagem” (Silva et. al, 2016, p. 19), que geravam um grande sofrimento psíquico.

2.  ATITUDES E POSTURA DO PROFISSIONAL

Como referimos já, para a intervenção de um profissional de RA não bastam os seus conhecimentos técnico-científicos. Ao trabalhar com pessoas, a sua conduta vai para além da eficiência e do saber fazer, engloba o seu ser, as suas características, as suas atitudes, a sua pessoa. É sobre esta dimensão mais pessoal do profissional que de seguida se refletirá.

2.1. PROXIMIDADE RELACIONAL E DISTANCIAMENTO ÓTIMO

A questão da proximidade é um aspeto fundamental num processo de RA. Se, por um lado, a proximidade pode ser encarada como intrusão, por outro, a pouca proximidade pode significar desligamento. Cabe ao profissional estar sensível e saber gerir as distâncias, percebendo que, embora seja essencial que esteja próximo, demasiada proximidade pode impedir a escuta empática, além de privar a pessoa “de procurar as suas próprias respostas e soluções e assim interferir com o processo de desenvolvimento” (Bateman & Holmes, 1997, p. 158). Sendo as dinâmicas relacionais e comunicacionais tão importantes no trabalho com pessoas com DM, é assim fundamental que o profissional reflita e tome consciência da(s) sua(s) postura(s) e intenções interacionais.

Ainda que a patologia mental grave afete inúmeras competências, a função relacional é a que se revela mais em falta, a mais necessária para estes sujeitos, ainda que tenham dificuldades em desempenhar-se nela (Cordo, 2013). Esta função vai permitir que o direito a ser pessoa não fique relegado nem seja desconsiderado, até porque todo o ser humano está “em desenvolvimento e a caminho da plenificação”, mas só o conseguirá “através de uma boa relação” consigo “e com os outros” (Cordo, 2013, p. 117). Assim sendo, a relação estabelecida com uma pessoa com DM, particularmente a nível profissional, deve ajudá-la a expressar o que sente e a entender o que vivencia, sem julgamento, numa atitude, como defende Rogers (1961/1985), de aceitação incondicional. Isto pode ser conseguido, como se pode observar no caso acompanhado, através de uma compreensão empática, por parte do profissional, sobre o que esta pessoa “comunica, quais as suas necessidades, apoiar as suas decisões e orientar quando for necessário“ (Oliveira & Furegato, 2012, p. 89).

2.2. HUMILDADE, HONESTIDADE, CONSIDERAÇÃO POSITIVA E ACEITAÇÃO INCONDICIONAL DO OUTRO

Sendo a RA uma relação centrada na pessoa, cabe ao profissional criar as condições para que o sujeito, sendo o protagonista do seu próprio processo de mudança, aceda a uma série de recursos que lhe permitam ultrapassar as suas limitações e dificuldades, e alcançar a sua autonomia.

O paradigma tradicional em psiquiatria defende uma relação vertical na qual o profissional mantem um distanciamento para com a pessoa, e tem em conta sobretudo o diagnóstico efetuado, ditando este os caminhos e metas a seguir (Oliveira & Furegato, 2012). Por seu lado, uma abordagem mais centrada na pessoa pretende ir para além deste modelo e promover uma relação não diretiva, através do reconhecimento de que a pessoa, tenha ou não patologia, deve estar no centro, devendo o profissional ter a humildade para reconhecer que “os mecanismos mais eficazes para ajudar o outro não se encontram nas condutas profissionais, mas no próprio indivíduo, sendo o profissional apenas um facilitador desse processo de descoberta dessas potencialidades” (Oliveira & Furegato, 2012, p. 89). Neste ponto de vista, considera-se que o profissional olhou para este senhor numa perspetiva horizontal, na medida em que sempre procurou escutálo, acolhê-lo e perspetivá-lo como uma pessoa de 54 anos, que é muito mais do que a doença de que padece, que tem uma história de vida, um conjunto de competências e de recursos, pese embora se encontre em dificuldades e em sofrimento psíquico.

Neste sentido, foi evidente uma aceitação positiva incondicional, já que o sujeito foi aceite pelo profissional com todas as suas características, virtudes, defeitos, dificuldades, mantendo este, como defende Santos (2004), um contínuo respeito e uma aceitação genuína. Na intervenção realizada, o Sr. Manuel foi sempre aceite e respeitado, com as suas características, os seus tempos, as suas circunstâncias, as vicissitudes da sua doença. Não se forçou a ligação inicial, dada a fragilidade em que este senhor se encontrava, pelo facto de estar há um largo período inativo e ter escassos recursos e contactos sociais. Nas sessões, era notório o afeto que o profissional sentia pelo Sr. Manuel e que estava disponível para o escutar e amparar.

2.3. CRENÇA NA AUTODETERMINAÇÃO, NA AUTONOMIA E NO EMPODERAMENTO DA PESSOA VS DISPENSABILIDADE DO PROFISSIONAL

Rogers (1961/1985) defende que qualquer pessoa tem capacidade para agir, ao invés de apenas reagir perante o que vivencia. Sendo um pressuposto fundamental, não será, todavia, realista considerar que todas as pessoas com doença mental grave conseguirão ter uma capacidade de resposta adequada às suas necessidades e alcançar uma autonomia total (Cordo, 2013). Por outro lado, também não é realista pensar que todas elas irão precisar de apoio permanente (Cordo, 2013).

Ainda que toda a pessoa tenha o direito a ter os mesmos direitos e à sua dignidade, a presença de uma psicopatologia pode impedir a capacidade de defender os direitos que lhe são inerentes. Mesmo que o tenha conseguido no decorrer da sua vida, aquando de uma DM, “algumas pessoas perdem-na total ou parcialmente”, o que afeta, consequentemente, a sua liberdade e autonomia. Neste sentido, “deve-se buscar, uma forma de garantir o direito à autodeterminação na ausência de capacidade para a tomada de decisão”, procurando “respeitar-lhe a autonomia” (Almeida, 2010, p. 386).

Para além do direito à manutenção da sua dignidade, muitas vezes, a dificuldade em zelar por si e em agir de acordo com os seus objetivos, leva a que outros tomem as decisões por si, o que é questionável, já que são as próprias pessoas que sabem o que é melhor para si e porque, como afirma Cordo (2013), somos todos diferentes e ninguém consegue de facto experienciar, o que outros, de forma efetiva, vivenciaram. Este autor defende, ainda, que não será justo e não se tem o direito de despertar “novas vontades de ser” que as pessoas não sejam capazes de satisfazer (Cordo, 2013, p. 93). O que se deve é “incentivar, fazer nascer ou simplesmente fortalecer percursos que, embora possam já ter sido de desistência e desânimo, devem começar a tomar corpo num novo contorno existencial que remeta para uma vida melhor, para outros horizontes, para projetos realistas” (Cordo, 2013, p. 99). Neste sentido há que acreditar nas pessoas, responsabilizando-as, dentro das suas possibilidades e com o apoio (profissional) necessário, por serem autoras e protagonistas do seu caminho.

Não obstante, o profissional pode inconscientemente adotar uma postura de superproteção pelo facto de a pessoa se mostrar frágil e vulnerável, e a sua vivência ser de “sofrimento, cronicidade, agressividade e instabilidade emocional” (Forte, 2009, p. 10). Fazendo esta sintomatologia parte do quadro clínico do Sr. Manuel, percebe-se a sua dificuldade em dar o primeiro passo e os seus medos de que algo pudesse correr mal, de que pudesse ficar desiludido. Muitas vezes o PP sentiu vontade de fazer o caminho por ele, mas, refletindo, percebia que a relação e a intervenção edificada deveriam, como preconiza a RA, almejar a autonomização e o empoderamento do sujeito. Neste sentido, a sua intervenção foi sempre perspetivada como gradualmente dispensável. O término foi, desta forma, intencionalmente preparado, para que o sujeito não se sentisse abandonado, mas confiante de que este fim decorria de facto de ele se mostrar mais capaz de lidar com a doença e viver uma vida prazerosa.

2.4. A INTELIGÊNCIA EMOCIONAL

As emoções do profissional influenciam o modo como este interage com o sujeito e, consequentemente, a ajuda que presta. O inverso também sucede. Há assim uma mútua influência emocional, o que impõe a necessidade de o profissional possuir um conjunto de competências e de ferramentas emocionais.

No que se refere às competências intrapessoais, a autoconsciência é considerada, de acordo com o modelo de Peter Salovey, a pedra basilar da inteligência emocional (Goleman, 1995). Esta pressupõe o reconhecimento das próprias emoções e a perceção dos sentimentos, no exato momento em que são vivenciados. Esta capacidade permitirá ao profissional momentos de introspeção, essenciais para que analise o seu trabalho, o que leva a que se conheça melhor e, consequentemente, que conheça melhor os sujeitos com quem trabalha. O profissional que acompanhou o Sr. Manuel também ele estava ciente da necessidade de se olhar e de analisar constantemente a sua prática, procurando entender o que nele ia provocando satisfação, frustração ou mal-estar, como ia gerindo emocionalmente as situações, entre outros aspetos. De referir que a dificuldade ou incapacidade de o profissional fazer esta viagem interna leva a que fique à mercê e se deixe levar pelas emoções, perdendo assim o controlo sobre si, pela ausência de noção “do impacto que a vida inconsciente tem na maneira como analisamos o mundo e reagimos perante ele” (Goleman, 1995, p. 67).

A segunda competência remete para a gestão das emoções (Goleman, 1995). Quando o Sr. Manuel demonstrava extremas dificuldades em avançar, assim como quando não era capaz de valorizar as suas próprias conquistas, o profissional, porque acreditava na pessoa e na mudança, geria a frustração inicial sentida e, ancorado na esperança, mantinha-se emocionalmente disponível para a pessoa e para o trabalho a desenvolver. Não obstante, e tendo em conta a exigência do trabalho com pessoas com doença mental grave, procurava ajustar as suas expectativas, não só para se proteger, mas, sobretudo, para esperar da pessoa o que ela poderia dar e não aquilo que ele ambicionava para a mesma.

A terceira competência centra-se na automotivação, que associado ao autocontrolo emocional permite que o profissional consiga adiar a recompensa e não se deixe levar pela impulsividade (Goleman, 1995). Na intervenção realizada, era frequente o PP observar que, numa semana, o Sr. Manuel se encontrava animado e, na outra, já se encontrava descrente na mudança, pelo facto de o processo de reabilitação ser muito lento, difícil e nem sempre as suas expectativas e desejos serem passíveis de concretização. Assim, a motivação do profissional decorria das pequenas conquistas - tais como a adesão à terapêutica, a presença nos encontros na comunidade, a partilha de detalhes nunca antes expressos – e revelava-se essencial para que nunca deixasse de acreditar e de apoiar o Sr. Manuel, mesmo quando este não acreditava em si e queria desistir.

No que se refere às competências interpessoais, uma delas é a empatia, capacidade para intuir os sentimentos dos outros e que “reside na habilidade de ler os canais não-verbais” (Goleman, 1995, p. 117). Por vezes existe um hiato entre o dito e o mostrado, sendo, por isso, necessário que o profissional esteja verdadeiramente atento ao que a pessoa diz, mas ainda mais ao modo como diz. Ser empático com os outros, implica que o profissional também seja consigo, daí que a sua capacidade de criar relações que facilitem o crescimento do outro como uma pessoa independente, mede-se pelo desenvolvimento que o próprio profissional atingiu (Rogers, 1961/1985). A empatia foi essencial para que o profissional percebesse o mundo interno do Sr. Manuel, o que lhe permitiu trabalhar as necessidades identificadas por este, mas também outras que foi percebendo e devolvendo ao mesmo.

A última capacidade remete para a gestão de relacionamentos que provém da “aptidão para gerir as emoções dos outros” (Goleman, 1995, p. 64). No trabalho com pessoas com psicopatologias, esta capacidade é essencial ao profissional. Ao ouvir e estar com estas pessoas, e ao perceber que a sua dor é intensa e penosa, o profissional deve acolhê-las, sem, no entanto, fazer das dores dos outros as suas.

No caso descrito, o profissional revelou-se sensível e capaz de conter e apoiar o Sr. Manuel nos momentos de maior fragilidade, o que não seria possível se, embora tudo sentindo, ficasse impressionado ou demonstrasse que estava a ser profundamente afetado. Se isto acontecesse, deixaria de estar atento à dor da pessoa, para se focar na sua própria dor, nas suas próprias emoções.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Uma RA pressupõe, de acordo com Rogers (1961/1985), uma relação em que “pelo menos uma das partes tenta promover na outra o desenvolvimento, a maturidade, um melhor funcionamento e uma maior capacidade de enfrentar a vida” (p. 43). Ambiciona, assim, a transformação e o empoderamento da pessoa, que passa por ela ter uma vida mais satisfatória e autêntica, por uma aproximação e pacificação em relação à vivência consigo mesmo, e por uma maior autonomia em relação aos outros e ao contexto em que está inserido para suprir as suas necessidades (Charlifour, 2007). Embora a relação seja co construída, o profissional - pelo seu saber-saber, saber-ser, saber-estar e saberfazer - assume, neste processo, maior responsabilidade.

São inúmeros os desafios que enfrenta. Além dos seus conhecimentos científicos, o profissional precisa de ter um conjunto de características e competências para que possa estabelecer e desenvolver, com a pessoa ajudada, uma relação de qualidade, securizante, para que a mesma, confiando nele, possa arriscar e encetar as mudanças necessárias e almejadas. Ora, para conseguir estar presente por inteiro nesta relação, ele terá de estar bem estruturado, humana e emocionalmente, pois, quando uma pessoa pede ajuda por se sentir vulnerável e incongruente - devido a um turbilhão de emoções, sentimentos, pensamentos -, necessita de se apaziguar e entrar em contacto com alguém que demonstre congruência e maturidade (Lazune, 1994; Veiga et al., 2011). Percebese, assim, a necessidade de o profissional cuidar da sua pessoa, de assumir uma atitude de constante autoanálise e reflexão, e de buscar formação e uma supervisão continuada. Sobretudo se trabalhar em saúde mental, já que nesta área é confrontado com situações afetivamente intensas e invasivas, que necessita de entender e saber gerir, para que não prejudique a pessoa que está a ajudar, nem ponha em causa a sua própria saúde.

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