Artigo

Mediação familiar e famílias divorciadas: transformação narrativa

Carla Serrão

Politécnico do Porto - Escola Superior de Educação

RESUMO

O divórcio constitui uma crise não normativa de elevado impacto, que coloca exigências de transformação a todo o sistema familiar. Não raras vezes, este trajeto adaptativo não se vê superado pelos recursos internos disponíveis no sistema e, para tal, são necessários desencadear processos de mediação familiar que facilitem o encontro de soluções. 

Neste texto resumem-se os modelos de mediação existentes e situa-se a intervenção sociofamiliar, enquadrando-a em modelos de mediação relacional. 

O processo de mediação acede à busca de uma nova homeostase e impõe conceder espaço às polifonias, transformar as narrativas e procurar novas visões, expandindo a qualidade das relações. 

Palavras-chave: divórcio, mediação familiar, modelos relacionais, modelo circular-narrativo, intervenção sociofamiliar

ABSTRACT

Divorce is a non-normative crisis of high impact, which places demands on the whole family system. Not infrequently, this adaptive path is not overcome by the internal resources available in the system and, for this, it is necessary to initiate family mediation processes that facilitate the encounter of solutions.

The purpose of this article is to summarize the existing models of mediation and to situate the socio-familial intervention by framing it in models of relational mediation.

The mediation process accedes to the search for a new homeostasis and imposes to grant space to the polyphonies, to transform the narratives and to look for new visions, expanding the quality of the relations.

Keywords: divorce, family mediation, relational models, circular-narrative model, social and family intervention

INTRODUÇÃO

De acordo com a perspetiva sistémica, a família é considerada como um sistema em constante transformação, constituída por subsistemas (individual, conjugal, parental – no caso de existirem filhos, e fraternal – no caso de existirem irmãos) que estabelecem relações dialéticas entre si e o mundo exterior. É um sistema ativo em que cada mudança no seu interior e/ou exterior irá repercutirse no funcionamento familiar, exigindo um processo de permanente adaptação (Andolfi, 1995). 

Os momentos de mudança, designados de crises (normativas ou não normativas) correspondem, segundo Minuchin (1990), a ocasiões de evolução e risco. Estas crises estimulam o sistema a mudar interna ou externamente. Porém, caso as exigências percebidas sejam mais elevadas do que os recursos que a família considera dispor, podem desencadear uma barreira na espiral desenvolvimental do sistema. Além disso, a ocorrência de múltiplas crises situadas no mesmo espaço temporal (Almeida, Ferreira, Souza, & Serrão, 2016) exige um nível muito maior de esforço e de adaptação, em contraposição com a existência de uma crise isolada. 

A rutura conjugal é, segundo esta leitura, uma crise acidental, imprevisível na história de uma família. Reforça-se a ideia de que esta crise pode constituir um momento de crescimento e evolução do sistema, ou em alternativa, uma situação de imobilização. É, de acordo, com vários autores (e.g., Mcgoldrick & Carter, 1995; Peck & Manocherian, 1995), um dos eventos mais stressantes para o sistema familiar, a partir do qual novas regras de relacionamento devem ser negociadas. Neste sentido e perante uma situação de rutura conjugal, o individuo necessita de escolher se “foge à mudança, ameaçando a sua evolução (…), o seu equilíbrio e a sua própria vida, ou transforma-se, correndo o risco de crescer” (Alarcão, 2006, p.96).    

A transição do casal para um ex-casal inicia-se previamente à tomada de decisão concreta da separação e termina quando o sistema se reorganiza. Mas, o processo de negociação do relacionamento entre os ex-cônjuges durante e após o divórcio é, vulgarmente, lento, e pode envolver dificuldades na definição da permeabilidade das fronteiras, o que, por sua vez, pode levar a conflitos (Hackener, Wagner, & Grzybowski, 2006) que envolvem o controlo e exigências, a par da expressão de afetos negativos (Lewis, Johnson-Reitz, & Wallerstein, 2004, citados por Rego, 2008).

Quando as divergências não são passíveis de ser negociadas e reinterpretadas no sistema familiar, o processo de mediação familiar pode constituir-se como um recurso.

Em Portugal, a primeira estrutura de Mediação familiar foi criada em 1993, pelo Instituto Português de Mediação Familiar (Despacho n.º 12 368/97, de 9 de Dezembro). Definida como uma área de intervenção social com o objetivo assegurar o desenvolvimento de acordos céleres ao estabelecimento da homeostase das relações familiares durante e após o divórcio. Em termos globais, a mediação familiar consiste na “intervenção sobre o conflito ou uma negociação por parte de una terceira pessoa” que pretende auxiliar as partes “a encontrarem um acordo viável, satisfatório e capaz de responder às necessidades de todos os elementos” (Ripol-Millet, 2001, p.44). 

De acordo com a mais recente regulamentação a este respeito (Despacho n.º 18 778/2007, de 22 de agosto de 2007), o sistema de mediação familiar alargou as suas competências de atuação, englobando, entre outras: a “regulação, alteração e incumprimento do regime de exercício do poder paternal; a conversão da separação de pessoas e bens em divórcio; reconciliação dos cônjuges separados; a atribuição e alteração de alimentos, provisórios ou definitivos” (p. 24052).

Chama-se, contudo, a atenção que a mediação para ser útil para o sistema familiar terá de reconhecer que os aspetos emocionais são parte do problema, mas também da sua solução. De facto, a clarificação e análise, destes aspetos, permite o encontro de opções mais adequadas para reorganizar as funções, papéis e obrigações da família. Os ex-cônjuges terão, desta forma, a oportunidade de “separar as águas”: subsistema conjugal versus subsistema parental. Será esta habilidade que influenciará significativamente o efeito da separação nos/as filhos/as (Nunes-Costa, Lamela, & Figueiredo, 2009, citados por Silva, Silva, & Serrão, 2014).

Quando neste sistema familiar, a par do subsistema conjugal que se fraturou, existe o subsistema parental, os assuntos que tendem a contribuir para a cristalização da discórdia passam, vulgarmente, pela regulação das responsabilidades parentais (Silva et al., 2014).

A mediação familiar pode, então, ser usada como técnica integrada na intervenção social, que conjuntamente com outra série de estratégias visa a resolução do problema, pela identificação das razões do conflito e da sua relação com o sistema familiar/social. Porém, pode ser também usada como ação profissional específica, cujo foco é individual deixando de parte outros problemas dos sistemas relacionados com o conflito (Serrano & Urios, 2004). Neste último caso, e uma vez que o processo se desvia substancialmente das características do processo de mediação desenvolvido em contexto de intervenção social, seguiremos o caminho da mediação como técnica. 

Com esta práxis, e como defendem Araújo e colegas (2011), a mediação familiar “implica o manuseio de um conjunto de tácticas e de procedimentos tendentes a resolver, de forma pacífica, os conflitos de interesse normalmente constitutivos da experiência do divórcio” (p. 287).

Perante o cenário de rompimento do subsistema conjugal e a existência de conflitos, os objetivos da mediação familiar visam, entre outros: “reduzir a hostilidade e estabelecer uma comunicação eficaz, ajudar as partes a compreender as necessidades e os interesses do outro, cobrir as necessidades das partes implicadas, (…) reestabelecer a comunicação entre as partes em conflito, ajudar a reformular as propostas em termos mais aceitáveis, conseguir soluções aceites pelas partes segundo os seus interesses, (…) ajudar a formular acordos que resolvam os problemas atuais que salvaguardem as relações e permitam prever necessidades futuras e alcançar acordos viáveis e duradouros” (Serrano & Urios, 2004, p.263). 

MODELOS DE MEDIAÇÃO FAMILIAR

Em termos gerais, os modelos que orientam os processos de mediação familiar podem orientar-se para o acordo, ou dirigir-se para a relação (Vasconcelos, 2012). Os primeiros modelos, denominados de “mediação facilitativa (linear ou tradicional de Harvard)” e “mediação avaliativa (ou conciliação)” (Ministério da Justiça, 2014, p.40), focalizam-se nas questões materiais concretas e visam a concretização de um acordo entre as partes, diminuindo as diferenças e potenciando as semelhanças, valores e interesses. Estes tipos de modelos são predominantemente “utilizados no ambiente judicial e nas questões pontuais ou episódicas, patrimoniais, jurídicas ou técnicas, entre protagonistas que não mantêm relações continuadas” (Ministério da Justiça, 2014, p.40-41). Acrescentase ainda que o que diferencia a mediação facilitativa da mediação avaliativa é o fato de na mediação avaliativa o mediador “estar autorizado a opinar, a sugerir alternativas”. Apesar desta possibilidade, parece ser mais comum as “partes preferirem o modelo facilitativo, em que o mediador não sugere e, deste modo, melhor preserva o seu dever de imparcialidade” (p.41).

Por outro lado, existem modelos direcionados para a relação – modelos de mediação transformadora (Buch & Folger, 1994) e modelos de mediação circularnarrativa (Cobb & Rifkin, 1991). 

A contribuição da escola de Harvard para o desenvolvimento dos modelos relacionais é inequívoca, todavia, os modelos relacionais partem de plataformas diferentes para a análise da situação/fenómeno. Neste sentido, são apropriados pressupostos epistemológicos inerentes às abordagens sistémica e construcionista, nomeadamente, de complexidade, de instabilidade e de intersubjetividade. Ou seja, para o desenvolvimento dos processos de mediação de foco relacional, o/a mediador: procura contextualizar os fenómenos, reconhecer os elos de recursividade entre os vários elementos do sistema e os contextos em que estão inseridos (complexidade); entende que os fenómenos são dinâmicos e sofrem transformações, o que implica imprevisibilidade (instabilidade); e reconhece que não existe uma realidade independente do/a observador/a e que todo o conhecimento científico é uma construção social, cultural e histórica (intersubjetividade).

De acordo com este quadro, a compreensão do conflito envolve a análise de diferentes aspetos, conforme sumariado por Gómez (2007):

  • o motivo: cada uma das partes tem explicações concretas e distintas sobre os motivos do conflito. Em geral, as “principais causas do conflito relacionam-se com o interesse direto com o tema, com o contexto social onde se gera, as tensões psicológicas que desencadeia e as divergências de posicionamentos intelectuais ou de princípios” (p.96). Neste sentido, é essencial identificar os entendimentos e os assuntos que provocam e se relacionam com o conflito;
  • a perceção. Na análise do conflito, e uma vez que cada pessoa compreende a realidade de forma diferente, é necessário conhecer “desde que perspetiva é que cada uma das partes está a viver a situação” (p.96);
  • a comunicação. No processo de mediação, a atenção deve situar-se na interpretação das distorções comunicacionais e nas fugas ao compromisso comunicacional, pois estas permitirão perceber o que será necessário flexibilizar para encontrar novas soluções;
  • a informação: terá que ser clara, direta e comparada.
  • os ciclos do conflito. A primeira fase do conflito é desencadeada quando uma das partes perceciona que as suas necessidades não estão a ser tidas em conta pela outra parte, originando-se “sentimentos de frustração a partir do qual surge o conflito” (p.96). Na fase seguinte, o conflito passa a ser latente e os sujeitos “iniciam, a nível interno, um reconhecimento do confronto que as leva a reafirmarem-se em posições opostas”. Seguidamente é exibido um comportamento que demonstra vontade por parte dos elementos em resolver ou não o conflito. A observação das soluções procuradas pode ser um caminho pois, não raras vezes, são essas mesmas soluções que perpetuam o problema.

Uma vez que no presente artigo centramos a análise em sistemas cujos atores mantêm ou que mantiveram relações continuadas e que envolvem aspetos socio emocionais, em seguida, propomo-nos a explorar conceptualmente os modelos de mediação relacionais (modelo de mediação transformadora e modelo de mediação circular-narrativa). Descrevemos e analisamos de forma mais pormenorizada o modelo de mediação circular-narrativa, pois este enquadramento desencadeia novos olhares sobre as potencialidades das terapias narrativas no sucesso dos processos de mediação.   

VISÃO SISTÉMICA E MODELOS DE MEDIAÇÃO DIRECIONADOS PARA A RELAÇÃO

Como referido anteriormente, os modelos de mediação com foco na relação partem dos contributos da abordagem sistémica e construcionista. Por isso, em seguida explanaremos, sucintamente, alguns elementos do seu reportório, pois constituem-se como elos de entendimento para o processo de mediação familiar.

A intervenção sistémica fundamenta-se em conceitos da Teoria Geral dos Sistemas de Ludwig Bertalanffy e da Cibernética, cujos princípios são sintetizados, por Papp (1992, p.22): 

os conceitos-chave do pensamento sistêmico têm a ver com a totalidade, a organização e a padronização. Os eventos são estudados dentro do contexto no qual ocorrem e a atenção é focalizada nas conexões e relações, mais do que nas características individuais. As idéias centrais desta teoria são as de que o todo é considerado maior do que a soma de suas partes; cada parte só pode ser entendida no contexto do todo; uma mudança em qualquer uma das partes afeta todas as outras partes e o todo regula através de uma série de correntes de feedback que são classificados como circuitos cibernéticos. A informação viaja para frente e para trás dentro destas correntes de feedback a fim de fornecer estabilidade ou homeostase ao sistema. As partes estão constantemente mudando a fim de manter sua forma na medida em que o padrão de ligação entre as partes se modifica.

A Segunda Cibernética dirige o foco para as relações e a presença de um sintoma/conflito no sistema é considerada como uma alternativa amplificada, como uma possível solução para aquele sistema. Nesta abordagem, a crise, o conflito ou o problema é visto como parte do processo de mudança, como uma possibilidade de crescimento (Filomeno, 2002). Assim sendo, os problemas não estão no sistema familiar, mas na construção da(s) realidade(s) e na forma pela qual as relações que se estabelecem permitem a emergência de realidades, subjetividades, crenças e sintomas. O sistema familiar é interpretado, neste sentido, como imprevisível, incerto, portador de uma história, auto-organizado e autónomo, regido pelas suas próprias leis, contudo, nenhuma destas realidades, subjetividades se constrói no vazio. Nesta ordem de ideias, os eventos e os fenómenos são circunscritos a contextos histórico-sociais e, por esse motivo, o conhecimento resulta da interação entre o sujeito e o seu contexto e é essa relação que é autorreferenciada e interpretada a partir dos quadros de referência do sujeito (Fonte, 2006).  

Partindo destes princípios, e recorrendo a pressupostos da Pragmática da Comunicação Humana de Watzlawick, Beavin e Jackson (1967/1993), é desenvolvido por Bush e Folger (1994), o Modelo de mediação transformador. Nesta perspetiva, a comunicação é equacionada como um processo circular no qual se transfere o foco do indivíduo “para as relações entre as partes de um sistema muito mais vasto” (Watzlawick et al., 1967/1993, p.18), conferindo carácter dinâmico ao sistema familiar. Este processo comunicacional tem por base cinco proposições relativas aos aspetos funcionais da comunicação e são as possibilidades de fuga ao compromisso comunicacional que poderão, nesta ótica, estar na base de dilemas perturbadores da comunicação (Alarcão, 2006).

São estes contributos teóricos que permitem objetivar o processo mediativo proposto por Bush e Folger (1994), que visa, em termos gerais, estimular a liberdade de todos os elementos envolvidos e empoderá-los. O conflito/crise é analisado, então, à luz do seu potencial transformativo. A par e passo, todo o processo de mediação familiar irá permitir a alteração de padrões de interação repetitivos e ampliar as capacidades e as condições de reconhecimento recíproco. Todavia, para que este reconhecimento seja concretizado, é necessário que os sujeitos sejam capacitados a ser empáticos, a reconhecerem a perspetiva do outro, as suas experiências e vivências (Folger & Busch, 1999; Vasconcelos, 2012). 

É de salientar ainda, que para a intervenção sobre as distorções comunicacionais, o/a mediador/a deve dispor de um reportório amplo de atitudes de interação, que englobam entre outras, a capacidade de escuta, a aceitação, a capacidade empática e a capacidade de reformulação, por meio de paráfrases e questionamentos. 

Por sua vez, o Modelo circular-narrativo (Cobb & Rifkin, 1991) parte das Teorias Pós-estruturais da Narrativa, da Teoria Geral dos Sistemas (Bertalanffy, 1968) e da Cibernética de Segunda Ordem e propõe a alteração da história que cada elemento elaborou e conseguir acordos. O foco, segundo este modelo, centra-se na desestabilização ou desconstrução das narrativas iniciais, possibilitando a construção de novas histórias (White & Epston, 1993). O acordo não é o âmago, mas sim um objetivo secundário, que pode ser produto do processo circular-narrativo.

Como premissa, os problemas/conflitos estão vinculados a narrativas limitadoras ou opressivas do funcionamento individual ou familiar. Podem resultar de bloqueios nos processos discursivos e relacionais de construção do significado, da experiência, ou do insucesso das soluções postas em marcha para lidar com essas obstruções (Botella, 2001). Os conflitos refletem, desta forma, um obstáculo, na narrativa pessoal e do sistema, de ver espelhados os aspetos vitais da experiência dos sujeitos (Sequeira, 2012). 

Partindo de todos estes pressupostos, a intervenção implica a “arte da conversa” com vista criação de novas narrativas. Esta arte envolve a escuta e pressupõe uma atitude de indagação de outras possibilidades (Fredman & Combs, 2008), de descoberta de exceções às histórias narradas, construindo-se um encontro de responsabilidades partilhadas, circulares e interdependentes (Vasconcelos, 2012).

MODELO CIRCULAR NARRATIVO DE SARA COBB: A TRANSFORMAÇÃO NARRATIVA

A transformação narrativa é desencadeada através de conversações onde são aplicadas técnicas particulares, que visam alterar a perceção do problema, materializada por uma nova narrativa, mais rica e complexa. 

Ao ter como matéria-prima as histórias que as pessoas contam, o/a mediador/ a concentra a sua ação na estrutura e conteúdo do relato que os sujeitos fazem sobre o conflito. É a partir das narrativas problemáticas e da utilização de um conjunto de técnicas, que visam perceber o conflito e procurar alternativas ao mesmo, que o modelo de Sara Cobb é singular (Munné & Mac-Cragh, 2010).   

A intervenção narrativa sustenta-se em três princípios: coerência, interdependência e final narrativo, o que permite que o processo e o conteúdo sejam indissociáveis. Isto é, o que é objeto de conflito, o que narram as partes e o que ambas exigem é controlado pelo processo. Isto dá origem a que a construção da nova história condicione o processo e não o contrário. Nesta sequência, o que é operacionalizado é a construção de uma melhor história, não saturada pelo problema, que se caracteriza por uma maior complexidade e por uma lógica circular (Cobb, 1993).   

Em termos metodológicos, o modelo de mediação proposto por Cobb (1993) compreende três sessões. A primeira e a terceira sessões são conjuntas e a segunda sessão desenvolve-se separadamente com cada uma das partes. Em todas as sessões, o processo engloba cinco ações/movimentos específicas que têm como propósito facilitar a evolução e a transformação das narrativas dos protagonistas. 

O primeiro e o segundo movimentos funcionam de forma alternada e visam legitimar e deslegitimar. Estas ações auxiliam à desestabilização das narrativas e abrem novas possibilidades narrativas.     

O terceiro movimento é criado ao procurarem-se as situações do passado que contribuem para redefinir o problema. É possível, desta forma, criar uma narrativa interdependente/circular.

A quarta ação tem como objetivo ativar possíveis soluções e cenários, fazendose o apelo a projeções no futuro.

Por fim, ancora-se a nova narrativa através de acordos e meta-acordos.

No desenvolvimento destes passos metodológicos, são utilizados dispositivos retóricos destinados a tornar visíveis os contextos de produção dos significados que assumiram um papel dominante e autocrata na vida das pessoas e do sistema. Os mesmos convidam a novos posicionamentos em narrativas de vida mais satisfatórias (Gonçalves, 2003) e mais harmoniosas. De facto, ao se co construírem histórias alternativas às histórias dominantes/problemáticas, exploram-se, ativamente, novos significados e práticas de vida mais gratificantes para a(s) pessoa(s) (White, 2004, citado por Matos, 2006) e menos limitadoras do processo de evolução.

Cabe recuperar uma ideia já expressa num outro momento, quando tivemos a oportunidade de dar valor substancial ao distanciamento “de conversas centradas na culpa e na recriminação” (Serrão, 2016, p.84). De facto, não há sistemas familiares bons ou maus, os sistemas são o que são, “complexos, marcados por várias conexões e padrões que os distinguem dos restantes” (Almeida et al., 2016, p.58). Por isso, pontuar as virtualidades que os sistemas (individuais e familiares) nos mostra e ajudar a desconstruir rótulos totalizadores, fortalece e qualifica as pessoas, permitindo-lhes expandir a qualidade das suas relações e encontrar os recursos para a concretização de uma nova homeostase.

Em suma, o processo de mediação constitui uma oportunidade para a descoberta de uma nova homeostase e, para tal, é essencial conceder espaço às polifonias, expandindo, deste modo, as qualidades das relações.   

CONCLUSÃO

Embora neste artigo se tenha dado ênfase ao processo de mediação familiar centrado nos conflitos que emergem de situações de rompimento conjugal, obviamente esta mediação não se circunscreve a estes cenários. Os conflitos intra e inter sistemas são uma possibilidade e uma realidade e as habilidades e ferramentas que aqui foram expostas, podem e devem ser transferíveis para outros contextos e configurações.

Particularizando a situação de divórcio é facilmente compreensível que os contextos do passado geraram vários sentimentos e (des)entendimentos que fizeram inevitável a rutura. Neste sentido e se até então a capacidade autopoietica do sistema não foi suficiente para o encontro de uma nova organização, o processo de mediação familiar pode auxiliar na introdução de descontinuidades às histórias dominantes, dando lugar a novos ângulos de visão e procura de soluções. Neste sentido, é no processo dialógico que reside o poder transformador da mediação, sendo o seu foco a abertura de oportunidades para que os sujeitos descubram e ancorem narrativas mais saudáveis que desencadeiam novos recursos de ação (Andersen & Goolishian, 1998).

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[1] Portaria nº 196-A/2010 de 9 de abril, dos Ministérios da Saúde e da Educação.