O direito a formação profissional do trabalhador temporário

Autores

  • João Tomás dos Santos Pina da Silva Escola Superior de Ciências Empresariais/IPS

DOI:

https://doi.org/10.26537/iirh.v0i5.2205

Palavras-chave:

Trabalho temporário;, Formação profissional;, Direito do trabalho;

Resumo

O contrato de trabalho temporário, enquanto fenómeno de flexibilidade quantitativa e de “diluição do pólo patronal”[1], faz parte das formas atípicas de emprego que, após a sua emergência exponencial nos Estados Unidos e na Europa nos anos cinquenta, possibilitou e potenciou os fenómenos de emagrecimento, descentralização e externalização produtivas[2].

Em torno do objectivo da flexibilidade quantitativa, os clientes/utilizadores das empresas de trabalho temporário, em regra, usam este mecanismo atendendo a três ordens de razões. Em primeiro lugar, e tendo em conta um clima de alguma incerteza económica, procuram os utilizadores fazer face à flutuação das encomendas. Acresce ainda o facto de o presente mecanismo ser uma forma de selecção de mão-de-obra para a contratação de trabalhadores a integrar os quadros permanentes do utilizador, correspondendo a um sucedâneo do período experimental. Por último, a contratação de trabalho temporário diminui os custos sociais da organização do utilizador[3].

O trabalho temporário assenta numa estrutura triangular que envolve uma empresa de trabalho temporário, a qual age como empregador de um ponto de vista legal, um trabalhador a quem vão sendo atribuídas por aquela actividades, e, por fim, uma terceira parte ou cliente/utilizador dos serviços da primeira empresa, que é responsável pela conformação e fiscalização das actividades a prestar pelo trabalhador temporário destacado para as suas instalações[4]. Na sequência desta “triangularidade subjectiva”[5], identificam-se dois tipos de negócios jurídicos, um contrato de prestação de serviços (ou de utilização) entre o utilizador e a empresa de trabalho temporário, e um contrato de trabalho com regime especial entre esta empresa e o trabalhador[6]. Este contrato de trabalho sui generis compreende, desde 1999, duas figuras contratuais distintas: o contrato de trabalho temporário e o contrato de trabalho por tempo indeterminado para cedência temporária.

Na conquista do mercado, segundo TEYSSIÉ, a competitividade é a chave do desenvolvimento da empresa, logo, do emprego. Ora, esta exigência de competitividade tem natureza económica, mas envolve todos, quer aqueles que estão à frente da organização social da empresa, quer o colectivo de trabalho, o qual, ainda que não constitua o único factor de decisão, é o que concorre para o desenvolvimento da acção da empresa[7].

Acontece porém que, tais ganhos de produtividade, que são obtidos pelo factor produtivo mão-de-obra, envolvem pessoas humanas – “trabalho não existe, o que existe são pessoas que trabalham”. Pelo que, como salienta LEAL AMADO, não só “ a regra jurídica (não) poderá encontrar um arrimo válido e bastante em meras considerações de eficiência, sob pena de cairmos numa visão puramente mercantil do Direito e das suas funções”, como ao “Direito do Trabalho cabe preservar e promover (…) o trabalho digno e (…) a salvaguarda dos direitos humanos no trabalho”.

Ora, a formação profissional, ainda que compreenda o binómio direito-dever, é essencial para compensar o trabalhador temporário pela precariedade do vínculo e promover a sua empregabilidade. Contudo, atendendo à duração máxima do contrato de trabalho temporário, o qual, salvo algumas excepções, não poderá exceder dois anos, verifica-se que o trabalhador temporário dificilmente conseguirá adquirir um crédito de horas (direito potestativo) para formação profissional, que poderia impor ao empregador. Nesta medida, em primeiro lugar, atende-se à obrigação de prestação de formação profissional, quer pelo empregador (empresa de trabalho temporário), quer pelo utilizador. Em segundo lugar, atende-se às necessidades diferenciadas em sede de âmbito subjectivo, entenda-se, consoante os trabalhadores. Em terceiro lugar e por fim, procura-se dar resposta às aparentes lacunas: até perfazer três meses de duração contratual, não tem o trabalhador temporário direito a formação profissional? A empresa de trabalho, na qualidade de empregador, é a única obrigada à prestação de formação profissional?


[1] SUPIOT, Alain, “Les nouveaux visages de la subordination”, Droit Social, n.º 2, Février 2000, p. 135, embora enquadrado numa abordagem de descentralisação do poder empresarial, o trabalho temporário assemelha-se por pressupor a repartição do poder disciplinar.

[2] Neste mesmo sentido ver VOSKO, Leah F., “Regulating precariousness? – The temporary employment relationship under the NAFTA and the EC Treaty”, Relations Industrielles, Ontario, Volume 53(1998), nº 1, pp. 1, 3, 4, 10 e ss; o autor, realizando uma exposição da génese do trabalho temporário, integra-o na gestão quantitativa do factor mão-de-obra na empresa; explicando ainda as novas tendências de emagrecimento das organizações ao seu núcleo essencial, as quais, quer para actividades tidas por secundárias face à especialização produtiva, quer para fazer face a acréscimos de encomendas, entre outras figuras contratuais, tais como o outsourcing ou a subcontratação, recorrem ao trabalho temporário. Para o desenvolvimento daqueles conceitos ver ainda, REDINHA, Maria Regina, A Relação Laboral Fragmentada..., pp. 46 a 48, 56, 57, 61 e 62. Para a visualização do fenómeno da constituição de empresas de trabalho temporário no seio de grupos de empresas, permitindo assim racionalizar o processo produtivo mantendo uma força de trabalho nuclear e contratando apenas o necessário para fazer face às flutuações produtivas, ver CARVALHO, Catarina Nunes de Oliveira, Da mobilidade dos trabalhadores no âmbito dos grupos de empresas nacionais, Porto, Universidade Católica, 2001, pp. 128 a 135. Também REBELO, Maria da Glória, Emprego e Formas de Precariedade da Actividade Laboral: ..., p. 225.

[3] Neste sentido, VOSKO, Leah F., “Regulating precariousness?...”, cit., pp. 6 e 7. Apontando no entanto o autor algumas desvantagens da contratação constante e excessiva de trabalho temporário, como, por exemplo, o facto de os trabalhadores temporários não terem a mesma lealdade e dedicação que os trabalhadores permanentes da empresa, ou, como acontece entre nós, a eventual responsabilização solidária do utilizador pelo pagamento de retribuição ou outras prestações sociais em dívida (art. 174.º, do Código do Trabalho). Igualmente GOMES, Júlio, “Algumas observações sobre o contrato de trabalho...”, cit., pp. 47-49, que acrescenta ainda ao rol de vantagens, a inserção de jovens e desempregados no mercado de trabalho; mas não deixa de apontar que em virtude da sua precariedade estes trabalhadores tendem a aceitar realizar funções mais perigosas, proporcionando, em consequência, um maior risco de incorrerem em acidentes de trabalho.

[4] Ver VOSKO, Leah F., “Regulating precariousness? ...”, cit., pp. 6 e ss; REDINHA, Maria Regina, A Relação Laboral Fragmentada. ..., cit., pp. 134 e ss (vd. pp. 173 a 177, no tocante à “coligação funcional” entre os contratos, quer o de utilização, quer o de trabalho, que envolvem esta figura triangular), e “Trabalho Temporário: apontamento sobre a reforma do seu regime jurídico”, Estudos de Direito do Trabalho, Volume IV, Coimbra, Almedina, Janeiro de 2001, p. 444. GOMES, Júlio, “Algumas observações sobre o contrato de trabalho por tempo indeterminado para cedência temporária”, Questões Laborais, Coimbra Editora, Ano VIII(2001), nº 17, pp. 41 a 86, referindo igualmente, à semelhança da autora anterior, a estrutura triangular que caracteriza este tipo de contrato, bem como da relação entre os dois contratos que nela se realizam, acrescenta ainda o facto de entre o utilizador e o trabalhador temporário existir uma “mera relação de facto” (pp. 41 e 42); discordando assim de CARVALHO, Catarina Nunes de Oliveira, cit., p. 126, que sustenta inexistir qualquer tipo de relação entre aqueles. Referem ainda esta mesma estrutura triangular, entre outros, MARTINEZ, Pedro Romano Direito do Trabalho, cit., pp. 631 e ss; LEITE, Jorge, Direito do Trabalho , cit., pp. 119 a 121; MOREIRA, António José, Trabalho Temporário, Regime Jurídico Anotado, 2ª ed., Coimbra, Almedino, 2001; REBELO, Maria da Glória, Emprego e Formas de Precariedade da Actividade Laboral: ..., cit., p. 227. Ainda, DRAY, Guilherme Machado, “Trabalho Temporário”, Estudos de Direito do Trabalho, Volume IV, Coimbra, Almedina, Outubro de 2003, pp.101 a 105. REIS, Célia Afonso, Cedência de Trabalhadores, Coimbra, Almedina, 2000, pp. 76 a 78, e “Notas sobre o trabalho temporário”, Estudos de Direito do Trabalho, Volume IV, Coimbra, Almedina, Outubro de 2003, p. 147.

[5] Neste sentido REDINHA, Maria Regina, “Trabalho Temporário: apontamento sobre a reforma do seu regime jurídico”, cit., p. 444.

[6] MARTINEZ, Pedro Romano Direito do Trabalho, cit.,p. 632.

[7] Idem, p. 406.

Publicado

2014-04:-04

Como Citar

Silva, J. T. dos S. P. da. (2014). O direito a formação profissional do trabalhador temporário. Conferência - Investigação E Intervenção Em Recursos Humanos, (5). https://doi.org/10.26537/iirh.v0i5.2205